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segunda-feira, 23 de junho de 2008

Do rompimento do testamento (José Pizetta)

Publicação 23/jun/2008... Revisão 19/mar/2014...

Do rompimento do testamento

23.06.2008 / Autor: José Pizetta[1]

1. Anotações

Romper o testamento é torná-lo sem efeito, inexistente em seus efeitos patrimoniais, sempre que sobrevier nascimento ou conhecimento da existência de descendentes, ou de outros herdeiros necessários, dos quais o testador não conhecia nem sabia da existência nem da geração uterina. O rompimento do testamento, ou ruptura, é também chamado de revogação legal do testamento. (Cf. Rodrigues, 2003, p. 269[2]).

Por outro lado, veja Você que o rompimento não se confunde com a redução do testamento: no rompimento o testamento deixa de existir em seus efeitos patrimoniais, em face do desconhecimento da existência de herdeiro necessário; na redução o testamento prevalece, embora sofra redução, ocorre quando o testador tinha pleno conhecimento da existência de descendentes, ou da geração de descendentes, ou da existência de outros herdeiros necessários, porém as disposições ultrapassam a metade disponível.

2. Do rompimento do testamento no Direito Hereditário Brasileiro atual

2.1. Primeira hipótese: sobrevinda de descendentes

“CAPÍTULO XIII Do Rompimento do Testamento
CC. Art. 1.973. Sobrevindo descendente sucessível ao testador que não o tinha ou não o conhecia quando testou, rompe-se o testamento em todas as suas disposições, se esse descendente sobreviver ao testador.”

Rompe-se o testamento no caso da sobrevinda de herdeiro descendente sucessível, nascido após a morte do testador, que até então não o tinha, nem tinha conhecimento da geração ou de que estava em gestação, ou não conhecia, não sabia da existência, ao tempo do testamento, e que é gerado e nascido após o testamento. (art. 1.973, primeira parte).

O prof. Silvio Rodrigues (Cf. 270-271) relata interessante caso judicial decidido pelo Judiciário de São Paulo. Note Você que se trata de fatos ocorridos antes da vigência do atual Código Civil (2002), quando o cônjuge não constava no rol dos herdeiros necessários.

Foi o caso de rico industrial que deixou testamento beneficiando um colateral com grande parte dos bens, deixando o restante para a jovem esposa com quem acabara de casar.E na viagem de núpcias suicidou-se!

A mulher pleiteou judicialmente o rompimento do testamento alegando que estava grávida. O relato não esclarece se a gravidez era anterior ao testamento e se o testador tinha conhecimento da gravidez. Relata que o herdeiro instituído contestou a pretensão da ex-mulher do testador alegando que o testador, ao morrer, tinha conhecimento da gravidez da mulher e que por isso o testamento não deveria ser rompido, cabendo apenas reduzir os quinhões testamentários à metade disponível do testador. Também não relata se a contestação alegou conhecimento do testador, da gravidez da mulher, ao tempo do testamento. Continuando Silvio Rodrigues relata que a decisão final do Judiciário declarou a ruptura do testamento.

Nosso entendimento é de que não se rompe o testamento no caso em que o testador, ao testar, tenha conhecimento da gravidez da mulher que é a mãe de seu descendente, ou seja, tenha conhecimento da geração do descendente, ao tempo do testamento. Neste sentido há decisão do Supremo Tribunal Federal (RTJ, 83/677). (Cf. Rodrigues, 2003, p. 271). Por isso é muito importante que os testamentos sejam datados pelo testador.

Na interpretação desse artigo parte-se da presunção de que o testador não teria instituído herdeiro testamentário se tivesse conhecimento da existência de herdeiro necessário. (Cf. Diniz, Cód. Civil Anotado, 2004, p. 1.444-1.445[3]).

Porém, se o testador dispuser respeitando o limite da metade disponível presume-se que sabia da existência de herdeiro necessário. Essa presunção somente sucumbe diante de prova inequívoca de que o testador desconhecia a existência de herdeiro necessário, para obter o rompimento do testamento. O ônus da prova cabe os interessados, especialmente diante da norma do artigo 1.899.[4]

2.1.1. Do rompimento em caso de adoção posterior ao testamento

Entendemos aplicável o artigo 1.973 também nos casos de eventual adoção de descendente, posterior ao testamento, o que provoca sua ruptura, pois o descendente, pelo princípio constitucional da igualdade dos filhos, integra-se totalmente na família do adotante, tanto nas questões de Direito de Família quanto nas de Direito Hereditário.

Se o testador, depois da adoção não faz novo testamento, o anterior à adoção há que se entender como rompido.Neste sentido é o entendimento de Washington de Barros Monteiro (Cf. 2003, p. 260[5]). Porém não é entendimento pacífico, encontra oposição de vários outros juristas, entre os quais Vicente Ráo. (Cf. Monteiro, 2003, p. 260).

2.2. Segunda hipótese: aparecimento de outros herdeiros necessários, cuja existência ignorava quando testou

“CC. Art. 1.974. Rompe-se também o testamento feito na ignorância de existirem outros herdeiros necessários.”

Rompe-se o testamento no caso em que o testador desconhecia que tinha “outros” herdeiros necessários, além de descendente, ao tempo do testamento. (art. 1.974).É o caso do testador que ignorava, ao tempo do testamento, que ainda viviam alguns de seus ascendentes ou o cônjuge. Por exemplo, pensava que o cônjuge tinha falecido em naufrágio, quando tinha sobrevivido e depois reaparece. Outro exemplo, no caso em que imaginava morto o ascendente que depois reaparece. (Cf. Monteiro, 2003, p. 260; Cf. Rodrigues, 2003, p. 271).

Também aqui, na interpretação do artigo 1.974, parte-se da presunção de que o testador não teria instituído herdeiro testamentário se tivesse conhecimento da existência de outros herdeiros necessários (ascendente ou cônjuge). (Cf. Diniz, Cód. Civil Anotado, 2004, p. 1.444-1.445).

2.3. Terceira hipótese: reconhecimento voluntário ou judicial de descendente, cuja existência era desconhecida quando testou

É o caso do reconhecimento, voluntário ou judicial de descendentes (art. 1.607 e seguintes)[6], cuja existência desconhecia o testador ao tempo do testamento. (Cf. Monteiro, 2003, p. 259; Cf. Rodrigues, p. 269-270).

Mais, rompe-se o testamento no caso de descendente que, depois do testamento, proponha ação de investigação de paternidade e resulte reconhecido por sentença, ou mesmo por acordo nos autos do processo. Desde que o testador não tivesse conhecimento nem judicial nem extrajudicialmente, ao tempo do testamento.

Essa matéria ganha importância nos tempos atuais, pelo fato de que o tempo de duração das uniões vem diminuindo.Também ganha importância em face da chamada “produção independente”, utilizada por algumas mulheres livres, que, em muitos casos, silenciam e deixam de dar conhecimento aos pais sobre a paternidade dos filhos...

3. Casos em que não há rompimento do testamento

“CC. Art. 1.975. Não se rompe o testamento, se o testador dispuser da sua metade, não contemplando os herdeiros necessários de cuja existência saiba, ou quando os exclua dessa parte.”

Do contrário, não se rompe o testamento caso o testador disponha apenas da metade disponível, mesmo que não contemple os herdeiros necessários, dos quais sabia da existência, mas reservando sua metade legítima. (artigo 1.975).

Se testar tudo, só haverá redução se o testador sabia da existência dos herdeiros necessários. Porém se testar tudo e não sabia da existência dos herdeiros necessários, haverá rompimento.

Mais, se o testador respeita a metade legítima dos herdeiros necessários, a exclusão de um ou de alguns dos herdeiros necessários não implica em ruptura do testamento e o mesmo acontece se deserdar herdeiro necessário sem mencionar a causa (art. 1.964[7]). (Cf. Monteiro, 2003, p. 260).

Ainda mais, se o testador respeita a metade legítima dos herdeiros necessários, não há necessidade de se pesquisar se sabia ou não da existência de herdeiros necessários, e o testamento prevalece. É que, quando o testador respeita a metade disponível, apesar dos termos do artigo 1.973, presume-se que sabia da existência de herdeiros necessários, ou de outros herdeiro necessários.[8]

Porém, essa presunção pode ser quebrada e, nesse caso, cabe aos interessados o ônus de provar que o testador desconhecia a existência dos herdeiros necessários ou de outros herdeiros necessários.

4. Do processo e do procedimento judicial para declarar o rompimento do testamento

Há entendimento no sentido de que não há necessidade, em tese, de ação judicial para declarar o rompimento do testamento, podendo ser declarado incidentalmente na ação de inventário, desde que ausente litígio. (Cf. Monteiro, 2003, p. 259).

Porém, existe julgado prolatado em agravo de instrumento de decisão interlocutória prolatada incidentalmente em ação de inventário, na qual, aliás, nem se cogita de levar o litígio para ação própria.[9]

Declarado o rompimento, é como se inexistisse o testamento! Aplica-se a teoria dos atos inexistentes juridicamente, inexistindo prazo de carência e ou prazo prescricional. Em regra, como ato inexistente é imprescritível, pois o rompimento pode ser alegado e reconhecido a qualquer tempo.

Porém há que se respeitar direitos de terceiros de boa fé. Como já foi dito, o rompimento pode ser declarado incidentalmente na ação de inventário, porém, havendo litígio e não se conformando a parte prejudicada, com as alegações trazidas ao inventário, havendo necessidade de alta indagação e ampla produção de prova cabe levar o litígio ao foro competente, através de ação própria. E a ação própria em casos tais, no nosso entendimento, quando proposta pelo herdeiro necessário, é a ação de rompimento de testamento.

Por outro lado, se já houve decisão incidental nos autos do inventário, declarando o rompimento, cabe propositura da ação pelo herdeiro testamentário, ação de ratificação de testamento. É cabível a ação própria nesses casos, pois a decisão interlocutória não produz coisa julgada.

Pois bem, tanto uma como outra ação deve obedecer ao procedimento comum ordinário, pois é tipicamente litigiosa e inexiste procedimento especial previsto no atual Código de Processo Civil (1973). E pode eventualmente o direito de herança do herdeiro, dependendo do caso, se resolver em indenização.

[1] Advogado e Prof. de Direito /Extrato da obra “Direito das sucessões dito diferente, inédita, 2005, revisada 2008”/ Florianópolis / pizettajose@hotmail.com

[2] RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões: volume 7. 26. ed. rev. e atual. por Zeno Veloso; de acordo com o novo Cód. Civil (Lei 10.406, de 10.01.2002). São Paulo: Saraiva, 2003. 342 p.

[3] DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 10 ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei 10.406, de 10.01.2002). São Paulo: Saraiva, 2004. 1.722 p.

[4] BRASIL, Código Civil (2002), Lei 10.406, de 11.01.2002. (Apud http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm).
Art. 1.899. Quando a cláusula testamentária for suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a observância da vontade do testador.

[5] MONTEIRO, Washington de Barros, 1910-1999. Curso de direito civil, v. 6: direito das sucessões. 35. ed. rev. e atual. por Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto. São Paulo: Saraiva, 2003. 340 p.

[6] BRASIL, Código Civil (2002), Lei nº 10.406, de 11.01.2002:
CAPÍTULO III Do Reconhecimento dos Filhos
Art. 1.607. O filho havido fora do casamento pode ser reconhecido pelos pais conjunta ou separadamente.
Art. 1.608. Quando a maternidade constar do termo do nascimento do filho, a mãe só poderá contestá-la, provando a falsidade do termo, ou das declarações nele contidas.
Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito:
I - no registro do nascimento;
II - por escritura pública, ou escrito particular a ser arquivado em cartório;
III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;
IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.
Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.
Art. 1.610. O reconhecimento não pode ser revogado, nem mesmo quando feito em testamento.
Art. 1.611. O filho havido fora do casamento, reconhecido por um dos cônjuges, não poderá residir no lar conjugal sem o consentimento do outro.
Art. 1.612. O filho reconhecido, enquanto menor, ficará sob a guarda do genitor que o reconheceu, e, se ambos o reconheceram e não houver acordo, sob a de quem melhor atender aos interesses do menor.
Art. 1.613. São ineficazes a condição e o termo, apostos ao ato de reconhecimento do filho.
Art. 1.614. O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que se seguirem à maioridade, ou à emancipação.
Art. 1.615. Qualquer pessoa, que justo interesse tenha, pode contestar a ação de investigação de paternidade, ou maternidade.
Art. 1.616. A sentença que julgar procedente a ação de investigação produzirá os mesmos efeitos do reconhecimento; mas poderá ordenar que o filho se crie e eduque fora da companhia dos pais ou daquele que lhe contestou essa qualidade.
Art. 1.617. A filiação materna ou paterna pode resultar de casamento declarado nulo, ainda mesmo sem as condições do putativo.

[7] BRASIL, Código Civil (2002), Lei 10.406, de 10.01.2002. http://www.presidencia.gov.br/legislacao/codigos/ , acesso em 25.08.2006:
Art. 1.964. Somente com expressa declaração de causa pode a deserdação ser ordenada em testamento.


[8] BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php, acesso 21.06.2008):
EMENTA: AGRAVO. ROMPIMENTO DE TESTAMENTO PELA SUPERVENIÊNCIA DE DESCENDENTES HERDEIRAS NECESSÁRIAS, RECONHECIDAS COMO TAL POR FORÇA DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE APÓS A FEITURA DO DOCUMENTO. CONHECIMENTO DO TESTADOR ACERCA DA EXISTÊNCIA DAS FILHAS NÃO RECONHECIDAS. DISPOSIÇÃO SOBRE A METADE DISPONÍVEL COM O CLARO PROPÓSITO DE BENEFICIAR UMA DAS FILHAS. POSSIBILIDADE. ART. 1975 DO CC/2002. Não se rompe o testamento se, do contexto, se conclui que o inventariado tinha conhecimento da existência de outras filhas e claramente pretendeu beneficiar aquela havida no casamento, limitando-se a contemplá-la com sua parte disponível. DERAM PROVIMENTO, POR MAIORIA. (Agravo de Instrumento Nº 70015732878, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 06/09/2006). (Apud http://pizettajoseadv.blogspot.com/2008/06/testamentorompimentoincabvelmetadedispo.html).


[9] BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php, acesso 21.06.2008):
EMENTA: AGRAVO. ROMPIMENTO DE TESTAMENTO PELA SUPERVENIÊNCIA DE DESCENDENTES HERDEIRAS NECESSÁRIAS, RECONHECIDAS COMO TAL POR FORÇA DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE APÓS A FEITURA DO DOCUMENTO. CONHECIMENTO DO TESTADOR ACERCA DA EXISTÊNCIA DAS FILHAS NÃO RECONHECIDAS. DISPOSIÇÃO SOBRE A METADE DISPONÍVEL COM O CLARO PROPÓSITO DE BENEFICIAR UMA DAS FILHAS. POSSIBILIDADE. ART. 1975 DO CC/2002. Não se rompe o testamento se, do contexto, se conclui que o inventariado tinha conhecimento da existência de outras filhas e claramente pretendeu beneficiar aquela havida no casamento, limitando-se a contemplá-la com sua parte disponível. DERAM PROVIMENTO, POR MAIORIA. (Agravo de Instrumento Nº 70015732878, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 06/09/2006).
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em dar provimento ao agravo, vencida a Presidente.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Desa. Maria Berenice Dias (Presidente) e Des. Ricardo Raupp Ruschel.
Porto Alegre, 06 de setembro de 2006.
DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS,
Relator.
RELATÓRIO
Des. Luiz Felipe Brasil Santos (RELATOR)
Trata-se de agravo de instrumento interposto por MARIA VERÔNICA M. F., irresignada com decisão que declarou rompido o testamento deixado por seu falecido pai ADEL P.M.
Sustenta que (1) a decisão agravada não está devidamente fundamentada e sequer menciona o dispositivo legal a que se refere; (2) já existiam duas herdeiras anteriores ao testamento e a outra foi reconhecida por sentença judicial em data posterior; (3) o testador dispôs tão-somente da sua parte disponível, preservando a legítima; (4) o testador sabia da existência das outras duas herdeiras anteriores ao testamento; (5) deve ser respeitada a última vontade do testador; (6) nada nos autos comprova que o testador desconhecia a existência de duas outras filhas; (7) diante do teor dos autos, conclui-se que o testador já tinha, antes de 1992, duas herdeiras necessárias (a agravante e ROSEMARY), conhecia a sabia da existência de outra, LENIRA que se dizia filha e lhe movia ações com intento de comprovar tal condição; (8) a doutrina é unânime ao afirmar que se o testador já tinha descendentes ao testar, o surgimento do outro descendente não rompe o testamento; (9) o conhecimento da existência das duas outras herdeiras necessária foi justamente o que levou o testador a efetuar declaração de última vontade em favor da agravante; (10) tanto sabia da existência de herdeiros necessários que restringiu a disposição testamentária à parte disponível; (11) a decisão agravada viola literalmente a disposição contida no art. 1975 do CC/2002. Pede provimento.
Houve resposta.
O Ministério Público opinou pelo conhecimento e não-provimento do agravo.
É o relatório.
VOTOS
Des. Luiz Felipe Brasil Santos (RELATOR)
ADEL P. M. faleceu em 22 de janeiro de 2005, de modo que sua sucessão rege-se pelas disposições do Código Civil de 2002, que sobre o rompimento de testamento estabelece:
Art. 1.973. Sobrevindo descendente sucessível ao testador, que não o tinha ou não o conhecia quando testou, rompe-se o testamento em todas as suas disposições, se esse descendente sobreviver ao testador.
Art. 1.974. Rompe-se também o testamento feito na ignorância de existirem outros herdeiros necessários.
Art. 1.975. Não se rompe o testamento, se o testador dispuser da sua metade, não contemplando os herdeiros necessários de cuja existência saiba, ou quando os exclua dessa parte.
(GRIFO MEU)
Ao prever o rompimento do testamento o legislador presume que o testador não disporia dos seus bens por testamento se tivesse filhos ou, desconhecendo a existência destes, viesse posteriormente a deles tomar conhecimento.
Bem analisando os dispositivos retro referidos tem-se que, pelo art. 1973, rompe-se o testamento se sobrevém determinado descendente ao testador que não o tinha ao tempo da confecção do testamento, ou desconhecia sua existência. O art. 1974 refere-se ao rompimento do testamento quando o testador ignora a existência de herdeiros necessários de forma geral.
Para que ocorra o rompimento do testamento, portanto, basta que sobrevenha novo descendente ao testador, ou venha ele a tomar conhecimento de sua existência em momento posterior ao testamento. Portanto, se já sabia da existência desse descendente no momento da lavratura do testamento, não haverá justificativa para o rompimento do testamento, pois resta claro, nesta circunstância, que desejou beneficiar um dos descendentes, em detrimento dos demais, o que é perfeitamente lídimo, desde que se limite à sua parte disponível (art. 1.975, CC).
Nesse sentido o precioso escólio de Francisco Pereira de Bulhões Carvalho[9], que, comentando o art. 1.750 do CC/16 (de idêntico teor ao atual art. 1.973 do CC/02):
Pouco importa, assim, que o testador, ao testar, já tenha outros filhos. Se, então, ainda não tinha o filho que sobreveio ao testamento rompe-se este: sobrevindo descendente sucessível ao testador que não o tinha (isto é, não tinha aquele descendente que sobreveio), rompe-se o testamento.
Pouco importa se, ao testar, o testador tinha ou não outros filhos. Disso não cogita o nosso legislador, que tem em vista a intenção presumida do testador que teria possivelmente disposto de outro modo em seu testamento se conhecesse a existência daquele novo filho; e, de outro lado, o interesse de cada filho omitido, ao qual a lei somente permite seja privado da herança do ascendente mediante deserdação expressa ou tácita.
A questão a ser respondida, no caso, é se o testador ADEL, ao lavrar o testamento, sabia da existência das agravadas LENIRA e ROSEMARY. Na ocasião, em 14/02/1992, o falecido dispôs sobre a parte disponível do seu patrimônio, testando em favor da única filha oriunda do casamento, a agravante MARIA VERÔNICA.
A análise dos autos permite concluir que o de cujus sabia da existência das outras duas filhas e fez o testamento, dispondo da sua parte disponível, justamente para favorecer a agravante. A maior prova de que ele tinha conhecimento da existência dessas filhas é o próprio fato de ter feito o testamento nos termos em que foi lavrado. Isso porque, se não soubesse da existência das demais herdeiras por que razão o testador faria um testamento, se a única beneficiária seria, nessas circunstâncias, sua filha única, herdeira universal? O testamento, nesse contexto, seria inteiramente inútil e desnecessário! Por óbvio que, sabendo da existência de duas outras filhas, ainda não reconhecidas, advindas de relações extramatrimoniais, o falecido ABEL resolveu proteger a filha MARIA VERÔNICA, havida no casamento, fazendo-o nos limites da sua parte disponível, o que é perfeitamente admissível pelo ordenamento jurídico e obsta o rompimento do testamento nos termos do art. 1975 do Código Civil.
É claro que a disposição pretere as herdeiras necessárias, ora agravadas, porém dentro da liberdade que tem testador de dispor sobre a parte disponível do seu patrimônio. A legítima das herdeiras permanece intangível.
A manutenção do testamento, mormente porque dispôs tão-somente da porção disponível do patrimônio, é consectário das regras mais elementares de interpretação dos testamentos, qual seja, a estrita obediência à vontade do testador.
O fato de as agravadas terem sido reconhecidas em data posterior ao testamento, por força de ações de investigação de paternidade abriu para o falecido a possibilidade de revogar o testamento, se esta fosse a sua vontade, o que poderia ser feito até mesmo por escrito particular. Para tanto, teve tempo, pois veio a falecer somente em 22 de janeiro de 2005 (fl. 44), quando já decorrera mais de um ano do reconhecimento da filha Rosemary, por sentença, e mais de quatro anos do reconhecimento de Lenira. Isso, porém, não ocorreu, deixando ainda mais translúcido o propósito de beneficiar a filha MARIA VERÔNICA. Nesse cenário, a precisa lição de SÍLVIO RODRIGUES[9]:
Parece-me que quando a ação investigatória é proposta em vida do investigado, o que evidencia não ter ele querido recorrer ao reconhecimento voluntário, a vitória do investigante não pode romper o testamento que o não contempla. A posição de filho, reconhecida na sentença, dá-lhe direito à legítima. Mas a própria atitude hostil, ou mesmo indiferente de seu pai, revela o propósito de não alterar seu testamento, para proporcionar-lhe excessivo benefício. Assim, a presunção que inspira o art. 1.750 do Código Civil, no caso é desmentida, de maneira veemente, pela realidade.
Nesses termos é que dou provimento ao agravo, para declarar a higidez do testamento lavrado por ADEL P. M.
Des. Ricardo Raupp Ruschel
De acordo com o Relator.
Desa. Maria Berenice Dias (PRESIDENTE)
Vou rogar vênia aos eminentes Colegas, mas não vejo como se possa, ao fim e ao cabo, simplesmente excluir do ordenamento jurídico o instituto do rompimento de testamentos.
Ora, se feito o testamento, advindo filhos posteriormente, for se deixar à vontade do testador revogar ou não o testamento, não haveria nenhuma justificativa para a mantença desse instituto. Não há como pressupor que, se o testador quisesse contemplar todos os filhos, simplesmente revogaria o testamento. Aliás, a possibilidade de o testamento ser desconstituído é exatamente quando o testador se queda inerte, mesmo que advenha prole posterior à lavratura do ato de última vontade. Assim, é exatamente para atender esta hipótese que existe a possibilidade de se reconhecer ineficaz o testamento. Lavrado o ato e advindo filhos, sem que haja a modificação ou revogação do testamento pelo testador, como o seu silêncio não significando que ele não queria contemplá-los, é que há a possibilidade de se declarar o testamento roto. Ou seja, o silêncio do testador depois do advento de novos filhos é o pressuposto para o rompimento do testamento.
Assim, o simples silêncio do testador não significa que ele quis deixar os filhos reconhecidos em momento posterior fora da disposição testamentária. A intenção da lei é exatamente não permitir que o cochilo do testador prejudique a prole que adveio depois de ter disposto de seus bens. Portanto, de todo descabido atribuir ao silêncio do testador exatamente o efeito contrário, o que redundaria, exatamente, em excluir o instituto. Nitidamente a preocupação do legislador ao prever a possibilidade da desconstituição do ato testamentário ante o silêncio do testador é de ordem ética, assegurar o tratamento isonômico entre todos os filhos assegurado constitucionalmente.
In casu, não se pode presumir que o de cujus sabia da existência das outras duas filhas simplesmente porque ele fez um testamento em favor de sua única filha, o que seria um ato dispensável por ser ela, à época do testamento, sua única herdeira. Cabe lembrar que na ação de investigação de paternidade, ele negou que as filhas fossem suas e levou 5 anos para fazer exame de DNA. Tal é o que basta para se reconhecer como roto o testamento lavrado antes da propositura das ações investigatórias. O fato é que ele tinha uma filha dentro do casamento e duas outras de relações extramatrimoniais, as quais nunca reconheceu e resistiu durante muito tempo ao seu reconhecimento. Portanto, com relação a elas nunca cumpriu com as obrigações decorrentes do poder familiar. Mas não foi só isso, também seguindo com seu intento de não assumir com a responsabilidade parental também fez um testamento para excluí-las da sucessão, mesmo antes do ingresso da demanda investigatória em juízo. fez exerceu seus deveres. Aliás, é histórica esta postura de total irresponsabilidade que os homens frente a suas aventurosas amorosas. Exatamente este foi o motivo que levou o legislador a criar o instituto do rompimento do testamento, sendo descabido que a Justiça simplesmente deixe de aplicá-lo, pois precisa ter um compromisso com o resultado ético de seus julgamentos.
O certo é que o de cujus teve duas filhas, que foram punidas por não terem sido reconhecidas espontaneamente por ele. Em face disso nunca proveu o sustento das filhas. Mas isso não foi suficiente. Sua irresponsabilidade foi ao ponto de, querendo proteger sua filha “legítima”, que desfrutou de sua companhia e teve todo o apoio do pai, fez um testamento em seu favor.
Ora, pelo simples fato de ser o testamento desnecessário, não se pode pressupor que tinha conhecimento da prole, que posteriormente tentou negar, sendo de todo descabido que se mantenha a higidez do testamento quando as filhas outras foram reconhecidas depois. Plenamente atendido ao requisitos legais é de ser declarado roto o testamento.
A Constituição consagra o princípio da igualdade entre os filhos e assegura proteção especial a crianças e adolescentes. As duas filhas, que não tiveram o reconhecimento paterno, não foram sustentadas pelo pai e foram alijadas do seu convívio. Precisaram fazer uso da Justiça, levaram 5 anos para conseguir reconhecimento. Ora, se ele fez o testamento para deixar tudo para a sua filha, nós simplesmente não podemos ignorar dispositivo expresso do Código Civil que afirma que o testamento se rompe quando há o reconhecimento posterior de filhos. Validar o ato afronta a postura ética que a Justiça não pode chancelar.
Não vejo assim com essas filhas, que foram a vida inteira relegadas pelo pai e só foram reconhecidas um ano antes de ele morrer, fiquem excluídas dos direitos sucessórios em igualdade de condições com a outra filha. Data máxima vênia sustentar que se ele quisesse teria elaborado novo testamento, e que seu silêncio deve ser respeitado é simplesmente excluir do Código Civil essa possibilidade de rompimento.
Voto pelo desprovimento do recurso.
DESA. MARIA BERENICE DIAS - Presidente - Agravo de Instrumento nº 70015732878, Comarca de São Borja: "POR MAIORIA, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDA A PRESIDENTE."

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