Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 22/jun/2019...
Gravação mostra procuradores da "lava jato" tentando induzir depoimento
Ameaçar
testemunhas com o intuito de influenciar o resultado de uma
investigação criminal configura crime de coação no curso do processo,
previsto no artigo 344 do Código Penal, já decidiu o Supremo Tribunal
Federal. No entanto, é difícil imaginar qual é o possível desfecho quando a atitude é do próprio Ministério Público Federal.
Ameaças
veladas, como “se o senhor disser isso, eu apresento documentos, e aí
vai ficar ruim pro senhor”, que poderiam estar em um filme policial,
foram feitas em plena operação “lava jato”. E em procedimento informal,
fora dos autos.
O cenário é uma casa humilde no interior de São
Paulo. Quatro procuradores batem à porta e, atendidos por familiares do
morador — que presta serviços de eletricista, pintor e jardinagem em
casas e sítios—, começam a questionar se ele trabalhou no sítio usado
pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e se conhece um dos donos
do imóvel, o empresário Jonas Suassuna. Ao ouvirem que o homem não
conhecia o empresário nem havia trabalhado no local, começam o jogo de
pressões e ameaças:
Procurador:
Quero deixar o senhor bem tranquilo, mas, por exemplo, se a gente
chamar o senhor oficialmente pra depor daqui a alguns dias, e você
chegar lá pra mim e falar uma coisa dessas...
Interrogado: Dessas... Sobre o quê?
Procurador: Sobre, por exemplo, o senhor já trabalhou no sítio Santa Barbara?
Interrogado: Não trabalho.
Procurador: O senhor já conheceu o senhor Jonas Suassuna?
Interrogado: Nunca... Nunca vi.
Procurador: O senhor já fez algum pedido pra ele em algum lugar?
Interrogado: Nem conheço.
Procurador: Então, por exemplo, aí eu te apresento uma série de documentações. Aí fica ruim pro senhor, entendeu?
A
conversa foi gravada pelo filho do interrogado, um trabalhador da
região de Atibaia. Os visitantes inesperados eram os procuradores do
Ministério Público Federal Athayde Ribeiro Costa, Roberson Henrique
Pozzobon, Januário Paludo e Júlio Noronha.
Nas duas gravações, obtidas pela ConJur,
os membros do MPF chegam na casa do “faz tudo” Edivaldo Pereira Vieira.
Sutilmente, tentam induzi-lo, ultrapassando com desenvoltura a
fronteira entre argumentação e intimidação, dando a entender que dizer
certas coisas é bom e dizer outras é ruim.
Na insistência de que o
investigado dissesse o que os procuradores esperavam ouvir, fazem outra
ameaça velada a Vieira, de que ele poderia ser convocado a depor e
dizer a verdade.
Procurador:
É a primeira vez, o senhor nos conheceu agora, e eventualmente talvez a
gente chame o senhor pra depor oficialmente, tá? Aí, é, dependendo da
circunstância nós vamos tomar o compromisso do senhor, né, de dizer a
verdade, aí o senhor que sabe...
Interrogado: A verdade?
Procurador: É.
Interrogado: Vou sim, vou sim.
Procurador: Se o senhor disser a verdade, sem, sem problema nenhum.
Interrogado: Nenhum. Isso é a verdade, tô falando pra vocês.
Procurador: Então seu Edivaldo, quero deixar o senhor
bem tranquilo, mas, por exemplo, se a gente chamar o senhor oficialmente
pra depor daqui a alguns dias, e você chegar lá pra mim e falar uma
coisa dessas...

Investigado ou testemunha
Ao baterem à porta de Vieira, um dos procuradores diz: “Ninguém aqui tá querendo te processar nem nada, não”.
No entanto, o nome de Pereira Vieira aparece na longa lista de acusados constantes do mandado de busca e apreensão
da 24ª etapa da operação “lava jato”, que investiga se o ex-presidente
Lula é o dono de sítio em Atibaia, assinado pelo juiz Sergio Fernando
Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba.
Ao se despedirem, deixando
seus nomes e o telefone escritos a lápis numa folha de caderno, os
membros do MPF insistem que o investigado escondia algo e poderia “mudar
de ideia” e decidir falar:
Procurador: Se o senhor mudar de ideia e quiser conversar com a gente, o senhor pode ligar pra gente?
Interrogado: Mudar de ideia? Ideia do quê?
Procurador: Se souber de algum fato.
Interrogado: Não...
Procurador: Se você resolver conversar com a gente você liga pra gente, qualquer assunto?
Interrogado: Tá.
Ouça trechos da gravação:
*Texto alterado às 19h10 do dia 28 de abril de 2016 para correção.
Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.
Original disponível em: (https://www.conjur.com.br/2016-abr-28/gravacao-mostra-membros-mpf-tentando-induzir-depoimento). Acesso em 22/jun/2019.
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