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quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

A tese fake e a má fé no voto de Gebran no julgamento de Lula (Fernando Hideo Lacerda. Do DCM)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 24/jan/2018...

A tese fake e a má fé no voto de Gebran no julgamento de Lula. Por Fernando Hideo

 

Gebran
POR FERNANDO HIDEO LACERDA, advogado criminalista e professor de Direito Processual Penal da Escola Paulista de Direito, mestre e doutorando em Direito Processual Penal pela PUC-SP.
O desembargador João Pedro Gebran Neto, relator da Lava Jato na 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), foi além da sentença em seu voto.
Destaco dois pontos.

1. SOBRE A VANTAGEM
“Há prova acima da dúvida razoável de que o triplex estava destinado a Lula como vantagem, apesar de não transferido”.
Inacreditável.
O desembargador reconheceu que Lula nunca teve qualquer relação fática ou jurídica com o tal triplex. Não usou, gozou ou usufruiu do imóvel, tampouco figurou nos registros como seu dono.
A vantagem considerada pelo desembargador, em suas próprias palavras, não é uma vantagem. Que tipo de benefício Lula teria recebido? Nenhum.
Haveria apenas um bem DESTINADO como vantagem, embora nunca transferido de fato ou de direito ao réu.
Processo penal matrix ?
Surreal.
2. SOBRE A CONTRAPARTIDA
“Há prova acima do razoável de que o ex-presidente foi um dos articuladores, senão o principal, do esquema de corrupção”.
“Não se exige a demonstração de participação ativa de Luiz Inácio Lula em cada um dos contratos. O réu, em verdade, era o garantidor de um esquema maior que tinha por finalidade de modo sub-reptício o financiamento de partidos. Pelo que agia nos bastidores pela nomeação e manutenção de agentes em cargos-chave para organização criminosa.”
Inovação sem precedentes.
Inicialmente, o MPF disse que a contrapartida estaria relacionada a três contratos com a Petrobras.
Na sentença, o juiz de primeira instância disse que na verdade eram atos indeterminados que não tinham qualquer relação com a Petrobras.
Agora, o desembargador nos diz que Lula era o GARANTIDOR de um esquema executado por organização criminosa relacionado ao financiamento de partidos.
Que loucura.
Em nenhum momento do processo isso sequer foi mencionado, quanto mais possibilitado o direitos defesa em relação a tais acusações.
Não é apenas a falta de correlação entre acusação e condenação, mas a criação de novos fatos que sequer foram submetidos ao contraditório.
O crime de corrupção exige ao menos dois elementos típicos: vantagem + contrapartida.
Em primeiro lugar, é necessário haver pedido, recebimento ou aceitação da promessa de receber vantagem indevida. Vejam, não é necessário receber efetivamente a vantagem.
Basta que o funcionário público peça ou a aceite uma promessa.
Em todo caso, a acusação precisa especificar na denúncia (e comprovar durante o processo) qual foi a conduta: recebimento, pedido ou aceitação de promessa referente à vantagem indevida.
Em segundo lugar, é necessário haver uma contrapartida em jogo. É preciso que o particular ofereça ao funcionário público a vantagem em troca de um “favor”.
Vejam, não é necessário que essa contrapartida seja efetivamente praticada. Por isso, se diz na linguagem técnica que se trata de um crime formal (e não material). Basta que, no momento do “acordo”, as partes tenham consciência do objeto negociado: vantagem em troca de contrapartida.
Portanto, não é apenas caso de não haver provas. A verdade é que tanto a sentença quanto a fala do relator demonstram que não havia sequer crime a ser apurado.
Qual a conduta pela qual Lula foi condenado ?
Articular um esquema de corrupção com a finalidade de financiamento de partidos políticos, agindo “nos bastidores” mediante a indicação de cargos-chave na estrutura de uma organização criminosa.
Pois bem.
1. Essa não foi a acusação.
2. Nunca houve pedido do MPF relacionado a esses fatos, nem durante o processo nem no recurso de apelação.
3. Como essa conduta nunca foi tratada no curso do processo, Lula nunca pode se defender de tais imputações.
4. Não existe nenhuma prova sequer relacionada a esses fatos no processo.
5. Todas as indicações políticas são condutas oficiais do presidente da República, não há como classificá-las como ação “de bastidores”.
6. Em nenhum momento a acusação denunciou Lula por integrar e, muito menos, chefiar uma organização criminosa.
7. Não é possível condenar alguém por ser o “garantidor” de uma organização criminosa sem que sequer se tenha apontado quem são os membros e os crimes praticados por essa organização.
Enfim, até quando aguardaremos que a história se encarregue de revelar que a farsa contemporânea é a reedição da tragédia de sempre?

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