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segunda-feira, 16 de outubro de 2017

A tragédia da reforma trabalhista chegou antes nas estradas (Paulo Douglas Almeida de Moraes e Leomar Daroncho. Procuradores do Trabalho)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 16/out/2017...

A tragédia da reforma trabalhista chegou antes nas estradas

Paulo Douglas Almeida de Moraes e Leomar Daroncho
Procuradores do Trabalho

01:05:47 | 16/10/2017 | Direito do Trabalho | Correio Braziliense | Direito & Justiça | BR 

O setor de transportes pode ser tido como laboratório da "Reforma Trabalhista". A Lei 13.103/15 (nova lei do caminhoneiro), em vigor desde julho de 2015, realça a autonomia da vontade coletiva, especialmente nas regras de duração da jornada de trabalho. A Lei 13.467/17 ("Reforma Trabalhista") seguiu suas pegadas.

A antiga lei do caminhoneiro (Lei 12.619/12), que possuía regras de efetiva proteção aos motoristas, foi substituída a pretexto de reduzir custos decorrentes da limitação da jornada que prejudicariam a economia.

Os ataques ao viés protetivo da CLT também fundamentaram sua "reforma". Seria um entrave ao crescimento do Brasil. Chegou-se a atribuir à CLT a responsabilidade pela maior crise econômica do Brasil, tudo sustentado por um ambíguo discurso oficial de que a reforma não tiraria nenhum direito dos trabalhadores.

Resultados concretos da flexibilização no setor de transportes antecipam o que acontecerá com o mercado de trabalho brasileiro a partir de 11 de novembro de 2017, início da vigência da "Reforma Trabalhista".

Recente levantamento da Polícia Rodoviária Federal (PRF) registra o aumento de 13% no número de acidentes envolvendo caminhões. O excesso de horas ao volante e o uso de drogas pelos motoristas, para cumprir os prazos de transportadoras e embarcadores, é apontando como principal causa dos acidentes.
Em pesquisa realizada no final de 2015 o Ministério Público do Trabalho (MPT) antecipava essa evolução, registrando que o índice geral de uso de drogas no setor cresceu 65% entre 2012 e 2015. A pesquisa demonstrou que no setor de cargas perecíveis o crescimento do índice atingiu a assustadora marca de 180%. Comprovou-se que 6 em cada 10 motoristas usavam drogas (principalmente cocaína), sendo que 80% deles já apresentavam perfil de dependência.

A Confederação Nacional do Transporte (CNT) divulgou dados úteis à compreensão do problema na pesquisa Perfil dos Caminhoneiros 2016. As assustadoras informações, colhidas numa ampla amostragem em postos de combustíveis com 1.066 caminhoneiros, jogam mais luz sobre um drama brasileiro. Menos de 30% cumprem o tempo de descanso; 45% receberam oferta de substâncias ou drogas ilícitas (rebite, cocaína, maconha, crack e anfetaminas), sendo que destes 26,5% admitiram ter experimentado.

A atividade, e os riscos, estão sendo transferidos para autônomos: 65% dos veículos já eram conduzidos por profissionais sem vínculo de emprego. O endividamento atingia 52,5% dos autônomos contra 28,2% dos empregados de frotas. A idade média do veículo dos autônomos era de 16,9 anos, contra 7,5 anos dos empregados.

A jornada indicada na pesquisa, como era de se esperar, é muito alta. Mais de 53% dirigem por mais de 10 horas diárias. Entre os motoristas empregados, 9,2% dirigem por mais de 17 horas diárias. Cerca de 30% trabalham 7 dias por semana e 35,6% têm menos de 6 horas de sono.

Trabalhando dessa forma, em longas jornadas, mantidas com estimulantes, sem descanso e sem dormir, não surpreende que 46,4% tenham apontado o cansaço, os efeitos do álcool e drogas e a distração como causa para os acidentes em que se envolveram.

Resumindo, a flexibilização e a transferência da atividade para autônomos endividados, que rodam em caminhões velhos, ajuda a entender o aumento da jornada, o uso de entorpecentes, a elevação dos riscos e dos acidentes. Também reduz a renda e pressiona inclusive os empregados a aceitarem condições de trabalho de maior risco. Em 2014 o setor de transportes já era o que mais matava durante o trabalho. O quadro deve piorar.

A triste experiência do transporte rodoviário indica prováveis impactos, ampliados, da "Reforma Trabalhista" na sociedade. Vínculos precários, jornadas ampliadas, riscos majorados e o empobrecimento generalizado dos trabalhadores compõem um cenário provável.

A pressão pela sobrevivência tende a gerar comportamentos de risco e de desespero. O mercado sabe manejar muito bem essa variável.

Além do custo social, previdenciário e humano, na perspectiva macroeconômica é fundamental considerar o chamado "paradoxo dos custos", teoria pela qual o renomado economista polonês Kalecki demonstra que a redução generalizada de salários reduz os lucros dos empresários e deprime a economia.
É preocupante antever que a tragédia humanitária observada no setor de transportes anuncia o que espera a todos, logo adiante, após a curva de novembro. Cabe ao direito do trabalho, que vai além da CLT, a função de impedir seja desrespeitado o patamar civilizatório mínimo nas relações trabalhistas.    

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