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sábado, 30 de setembro de 2017

Ativismo Judicial: Reflexo neoprocessualista e abordagem à luz do novo Código de Processo Civil (Marcela Coelho Rego Teixeira)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 30/set/2017...

Ativismo Judicial: Reflexo neoprocessualista e abordagem à luz do novo Código de Processo Civil

O presente trabalho destina-se a discutir um tema em voga hodiernamente, especialmente com a edição do novo Código de Processo Civil que reflete incessante busca à efetividade da prestação da tutela jurisdicional à luz do texto constitucional.

Postado em 28 de Setembro de 2017 - 16:17 - 






Fonte: Marcela Coelho Rego Teixeira



1. INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, um dos maiores debates travados pela doutrina constitucional está atrelado à crise do Judiciário e, consequentemente, ao tema do presente trabalho, qual seja, o ativismo judicial, porquanto os membros do  Judiciário, por meio de suas decisões, interferem, diuturnamente, na esfera dos demais poderes.
Entrementes, verificar-se-á que referida interferência emerge do neoconstitucionalismo e seu consectário de conferir máxima efetividade aos direitos e garantias constitucionais, em especial quando se verifica reiterada omissão/ineficiência da atividade legislativa ou mesmo executiva.
Ocorre que o presente fenômeno denota, de forma indubitável, uma atitude proativa do Judiciário, situação que parece contraditória quando se fala no hodierno debate a respeito da crise do Judiciário por este se apresentar distante e obsoleto aos anseios sociais.
Todavia, verificar-se-á que, assim como as alterações legislativas consubstanciadas no neoprocessualismo, o ativismo judicial reflete, justamente, apenas uma, dentre as inúmeras medidas à ineficiência jurisdicional.
Nesse passo, o Código de Processo Civil de 2015, no mesmo anseio de conferir efetividade aos direitos e garantias constitucionais, formalizou diversas medidas à efetividade/celeridade do processo judicial, medidas, tais como cito como exemplo a vinculação dos precedentes judiciais, situação que reflete convergência, à luz do protagonismo Judiciário, o ativismo judicial.
2. CONCEITO
O ativismo judicial consiste na atitude proativa do Judiciário na interpretação da Constituição Federal, de forma a tornar mais efetivos os direitos e garantias individuais, ainda que, para tanto, acabe interferindo no espaço de atuação dos demais poderes.
Todavia, referida atividade deve estar balizada em critérios como o princípio da divisão dos poderes, das normas constitucionais e princípio democrático.
Entrementes, vale destacar que o ativismo judicial é fenômeno que não se confunde com o da Judicialização que consiste na resolução, pelo Judiciário, de questões de grande repercussão política ou social que poderiam ser tratadas pelas instâncias políticas tradicionais tais como o Legislativo e o Executivo, mas não foram.
Nesse passo, destaca-se que houve, no Brasil, o surgimento de dois fenômenos: a constitucionalização do Direito e a judicialização das relações sociais, as quais, consequentemente, proporcionam uma atitude ativista dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.
Nas palavras do ministro Teori Zavaski[1] mas em consonância com o ensaio supracitado:
Há dois espaços importantes para o ativismo judiciário.
1. Insuficiência da atividade legislativa, que pode se dar por várias causas, uma delas porque o legislador trabalha com o futuro. E também pressupõe consensos mínimos, que no legislativo nem sempre é possível se obter com facilidade. É uma realidade internacional.
2. A Constituição brasileira conferiu ao Judiciário mecanismos importantes para preencher esses vazios, princípios gerais, de analogia. E, a partir de 1988, o mandado de injunção e a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), para preencher as lacunas do legislador.
O mandado de injunção é uma ação constitucional, para casos concretos, através da qual o STF informa ao Legislativo sobre a ausência de normas em relação à aplicação de direitos constitucionais.  Já a ADIN é uma ação para declarar inconstitucional uma lei ou parte dela.
Destarte, imprescindível uma breve contextualização histórica para melhor compreensão do tema.
3. CONTEXTO HISTÓRICO
A revolução francesa e seus valores de liberdade, igualdade e fraternidade como marco ao rompimento do antigo regime absolutista conferindo espaço a um modelo liberal que resguardasse a liberdade dos indivíduos perante o poder estatal, emergiu-se a fase cientificista ou autonomista do direito e, como consequência, extrema valorização ao positivismo jurídico.
Refletindo total aversão ao modelo absolutista, o juiz jamais poderia “interpretar a lei” – mas apenas representar la bouche de la loi (a boca da lei), aplicando-a literalmente aos casos que lhe fossem submetidos.
Premiu-se, assim, a necessidade de que o juiz fosse um ser absolutamente neutro e isento de qualquer papel interpretativo, sob pena de sua decisão ser cassada e anulada por parlamentares que aplicariam, em sequencia, a lei que tinham feito.
Nesse ambiente que os Códigos passaram a ocupar o centro dos sistemas jurídicos, sendo a Constituição um simples documento político, no máximo enunciador de princípios simbólicos sem qualquer eficácia vertical.
Foi a era das grandes codificações, com regras de direito extremamente minudentes, com exagero legislativo a fim de se evitar lacunas e impedir que o magistrado pudesse ameaçar a vontade popular representada pelo legislador.
O poder legislativo seria a verdadeira e única fonte da democracia e a lei não deveria ser interpretada, mas simplesmente aplicada literalmente pelo juiz. Consectariamente, representa verdadeiro protagonista no cenário dos poderes estatais, porquanto se destaca em detrimento do Executivo e do Judiciário.
Vale frisar que tal modelo jurídico/social ocorreu não apenas nos países europeus, mas em todo o mundo, inclusive, ainda que de forma mais tardia, nos países de tradição romano-germânica, refletindo no ordenamento jurídico brasileiro, cito, na codificação civil, processual civil, comercial, tributário, penal, processual penal entre tantos outros diplomas.
Entrementes, foi neste contexto, marcado, filosoficamente, pelo iluminismo, historicamente, pela revolução francesa além de, juridicamente, pela fase cientificista do direito e positivismo jurídico, que em período histórico subsequente (pós segunda guerra mundial) respaldou barbáries cometidas em face da dignidade da pessoa humana, porquanto praticadas de forma legitimada, na medida em que perfeitamente consonante com a lei.
Emergiu-se, então, a necessidade de se valorizar os princípios éticos que resguardassem a dignidade da pessoa humana e demais valores constitucionais, marcando-se, com a reconstrução da democracia alemã, o fenômeno da constitucionalização através da qual o diploma constitucional passou a ter força normativa e seus princípios regentes passaram a ter aplicação vertical e horizontal no sistema jurídico.
Por conseguinte, nenhuma lei poderia ser criada, quiçá aplicada se em confronto com a Carta Maior.
Nesse passo, a era cientificista e positivista abre espaço ao neopositivismo (concepção filosófica) ou neoconstitucionalismo (concepção teórica do direito), através do qual os valores éticos e que resguardam a dignidade da pessoa humana passam ao ápice de aplicação e interpretação da lei que passou a ser feita a partir do texto constitucional, erigindo-se a Constituição ao ápice do ordenamento jurídico.
Por conseguinte, o juiz voltaria a ter um papel importante na interpretação do direito na medida em que este deveria ser conforme a Constituição de forma que o Judiciário passaria a ocupar um papel de destaque, haja vista a pluralidade de fontes normativas e abstração principiológica.
Nesse passo, vislumbra-se verdadeira substituição do protagonismo Legislativo pelo Judiciário.
Entrementes, vale frisar que o neopositivismo não implica total abandono ao positivismo jurídico, mas sua reformulação, de forma que, se no positivismo admitia-se somente a subsunção lógica (aplicação da norma ao fato), com o neopositivismo acrescentou-se a esta a interpretação e ponderação de forma que a lei deve ser interpretada à luz dos valores constitucionais. Em outras palavras, houve a substituição da mera subsunção lógica pela argumentação jurídica e ponderação.
A premissa do neoconstitucionalismo é de que, como houve uma transformação muito grande na teoria do Estado e na teoria da Constituição, as teorias positivistas tradicionais se tornaram insuficientes para dar conta de toda a complexidade que envolve a argumentação jurídica, a concordância prática, etc.
Para melhor contextualização histórico brasileira vale frisar que, enquanto o neoconstitucionalismo emergiu na maioria dos países no período pós segunda guerra mundial, especificamente no Brasil, cujo contexto era a ditadura militar, emergiu, de forma mais tardia, tendo como seu marco inicial a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988.
A realidade social do período em que vigorava o positivismo e fora confeccionada a maioria das codificações brasileiras, encontra-se totalmente diversa com a hodierna realidade social neoconstitucionalista.
Consectariamente, a burocracia do processo legislativo não mais permitia ao legislador acompanhar as transformações da sociedade, emergindo-se plausibilidade ao ativismo judiciário.
Nesse sentido, citam-se os ensinamentos de Barroso:
“O pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas. A interpretação e aplicação do ordenamento jurídico hão de ser inspiradas por uma teoria de justiça, mas não podem comportar voluntarismos ou personalismos, sobretudo os judiciais. No conjunto de idéias ricas e heterogêneas que procuram abrigo neste paradigma em construção incluem-se a atribuição de normatividade aos princípios e a definição de suas relações com valores e regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica constitucional; e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana”. (BARROSO, 2008, p. 04-05).
Por fim, valendo-se da classificação de Barroso (2008, p. 04-08), tem-se o marco teórico, de maior relevância para este artigo, caracterizado por três grandes mudanças de paradigmas, são elas: a) o reconhecimento da Constituição como força normativa; b) a expansão da jurisdição constitucional e c) o desenvolvimento de novas categorias da interpretação constitucional.
É nesse contexto histórico-social (grandes transformações sociais e massificação dos conflitos), jurídico (neoconstitucional) que se passou a vislumbrar um poder legislativo, antes (no positivismo) protagonista, agora ineficaz, porquanto, lento e omisso ante os anseios sociais.
Exemplo disto são as inúmeras omissões do legislativo, inclusive em sede de controle difuso de constitucionalidade, mais especificamente na hipótese do art. 82 do texto constitucional, ou seja, quando o STF informa ao Senado Federal a inconstitucionalidade de determinada norma a fim de ser retirada sua eficácia como obediência ao princípio da separação dos poderes e referido órgão legislativo, permanece, na grande maioria das vezes, omisso.
Outrossim, inúmeros têm sido os casos de omissão do legislador face o texto constitucional revelando verdadeira dissonância com a força normativa da Constituição.
Exemplo clássico foi a omissão quanto à elaboração de lei regulamentadora do direito de greve do servidor público, oportunidade na qual, mesmo em sede de mandado de injunção, o STF conferiu efeito erga omnes à sua decisão que supriu a omissão legislativa determinando que ao direito de greve dos servidores fosse aplicada a lei (já existente) que tratava do direito de greve dos celetistas.
Nesse passo, ante aos reclamos sociais, contexto neoconstitucional, atendimento ao princípio da inafastabilidade do poder judiciário, além da necessidade de se perquirir a efetividade das decisões judiciais, emerge o ativismo judicial, fenômeno que, vale frisar, encontra-se em consonância com as diretrizes embasadoras do Código de Processo Civil de 2015 as quais se resumem em breve expressão: Perquirição à efetividade do processo judicial.
4. CONCLUSÃO
O ativismo judicial, assim como as alterações implementadas pelo novo Código de Processo Civil, reflete a premente necessidade incansavelmente debatida de se conferir maior eficácia aos direitos e garantias constitucionais, e, consequentemente, efetividade do direito, de forma a permitir que um Poder interfira no espaço de atuação de outro quando este último se mostre omisso/ineficiente ao exercício de sua competência conferida constitucionalmente.
Tal fenômeno, longe de inconstitucional, busca, justamente, conferir efetividade aos direitos e garantias fundamentais na aplicação do direito, mas sem infringir o princípio da separação dos poderes, porquanto somente interfere no espaço de atuação de outro poder quando este se mostrar omisso ante aos anseios sociais constitucionalmente respaldados.
Conclui-se, portanto, que o ativismo judicial, ao lado das inovações implementadas pelo Código de Processo Civil de 2015, constitui fenômeno decorrente da premente busca pela efetividade dos direitos e garantias fundamentais.
Notas
[1] http://jornalggn.com.br/noticia/a-aula-de-teori-zavaski-sobre-o-ativismo-judicial
Autora: Marcela Coelho Rego Teixeira é Graduada pela Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim/ES. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes. Especialista em Direito Processual Civil (já com ênfase no Novo CPC) pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Pós graduanda em Direito Civil e Empresarial pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Pós graduanda em Gestão Educacional pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus

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