Acessos

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Dívida de alimentos. Prisão incabível. Não cabe nova prisão pela mesma dívida. Mas cumprimento de sentença prossegue para execução. STJ.

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 27/jul/2017...

HABEAS CORPUS Nº 397.565 - SP (2017/0094699-0)

RELATOR               : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
IMPETRANTE        : UBALDO JOSÉ MASSARI JÚNIOR
ADVOGADOS         : UBALDO JOSÉ MASSARI JUNIOR  - SP062297
  PEDRO VINÍCIUS GALACINI MASSARI  - SP274869
IMPETRADO          : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE              : F B N
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado por UBALDO JOSÉ MASSARI JUNIOR, em favor de F. B. N., que informa já ter sido preso por 30 (trinta) dias por estar impossibilitado de pagar pensão alimentícia à ex-mulher. A medida constritiva de liberdade foi proferida na presente execução de pensão alimentícia (nº 1000961-19.2016.8.26.0274) que tramita perante o Juízo da 1ª Vara da Comarca de Itápolis/SP (e-STJ fls. 42-44). A dívida vencida corresponde ao período compreendido entre abril de 2014 a outubro de 2015 e que totalizava a quantia de R$ 449.933,75 (quatrocentos e quarenta e nove mil e novecentos e trinta e três reais e setenta e cinco centavos).
Informa na inicial do habeas corpus o que interessa:
"(...)  Impossibilitado de pagar a pensão na forma desejada pela exequente de uma só vez e em moeda corrente ficou preso do dia 21 de agosto até o dia 19 de setembro de 2016, cumprindo assim 30 dias de prisão civil.
Findado o prazo, já estando o paciente em liberdade, a exequente pleiteou a 'prorrogação' da prisão civil por mais 60 (sessenta) dias, o que foi deferido parcialmente pelo N. Juízo monocrático, que entendeu ser cabível mais 30 (trinta) dias de prisão, pelo mesmo débito.
Contra esta decisão, o paciente interpôs agravo de instrumento, que tramitou pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Colenda Segunda Câmara de Direito Privado identificado pelo número 2234393-74.2016.8.26.0000.
Ao agravo interposto foi concedido o efeito suspensivo, sob o fundamento de que, em se tratando do mesmo débito, pelo qual o paciente já estivera preso, não caberia nova prisão.
Entretanto, após a substituição do Desembargador Relator, a Colenda Câmara negou provimento ao agravo de instrumento, fazendo-o em evidente erro material, posto que considerou que a nova prisão decretada se referia a débitos posteriores ao cumprimento da prisão anterior.
Interpostos embargos de declaração onde se aponta a evidência do erro de fato, ainda não foram julgados.
Durante todo o trâmite do agravo de instrumento o paciente buscou a composição amigável, sem sucesso.
O Juízo monocrático notificou o paciente, através de seu procurador, a pagar a obrigação no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de expedição de novo mandado de prisão.
O paciente formalizou proposta para pagar sua obrigação em 10 (dez) parcelas, o que foi expressamente repudiado pela exequente.
O prazo para pagamento escoa-se no próximo dia 04 de maio de 2017. O valor atualizado atinge a importância de R$ 513.840,80, quantia não disponibilizada pelo paciente de uma só vez.
Está, portanto, na iminência de ser preso, novamente, por débito anterior, pelo qual já cumpriu prisão civil, posto que não há qualquer outro débito vencido após outubro de 2015. (...)
Da leitura do V. Acórdão verifica-se que houve decretação da prisão pelo prazo de 30 dias; enquanto cumpria esta prisão civil, houve o pedido de prorrogação, rejeitado pelo Juízo. Saliente-se que, no caso sub judice, o novo pedido foi feito após o encerramento da prisão civil e libertação do devedor, ora agravante" (e-STJ fls. 2-10 - grifou-se).
Extrai-se dos autos que a alimentanda reiterou o pedido de prisão nos seguintes termos:
"Em 20.09.16 (ontem), portanto, findou-se o prazo de 30 dias contido na ordem de prisão do Executado (fls. 349).
4. Ocorre, porém, que, não obstante sua reconhecida saúde financeira, oriunda de exploração rural de sete fundos agrícolas (fls. 78/89), cuja safra de uma única fazenda lhe rende mais de R$ 2.550.000,00 (fls. 298/301), o Executado não honrou sua obrigação.
5. Tal conduta se dá por exclusivo escárnio pela Exequente e desprezo pelas ordens judiciais emanadas, o que autoriza a prorrogação do prazo de sua prisão civil" (e-STJ fl. 59).
O pleito foi deferido pelo Juízo da execução:
"O pleito da exequente, no que tange à prorrogação do prazo de prisão civil do executado, merece ser parcialmente provido.
Primeiramente, entendo que o prazo máximo de prisão civil pelo inadimplemento de alimentos é de 60 dias, como prevê o art. 19, da Lei nº 5.478/68, uma vez que se trata de lei especial e que, por isso, deve prevalecer sobre a lei geral (Código de Processo Civil).
Quanto à possibilidade de prorrogação do prazo, tem-se que, no caso, é cabível.
Não há dúvidas de que a prisão civil no caso de inadimplemento de alimentos não se trata de penalidade, mas de medida coercitiva que, diga-se, é a mais eficaz.
No caso, cabível a prorrogação do prazo, pois, pelos motivos já exarados na decisão de fls. 346/348, o não pagamento do valor dos alimentos pelo executado não se deve à falta de recursos, mas à resistência injustificada certamente oriunda da exacerbada litigiosidade existente entre as partes.
Dessa forma, sendo a prisão civil a medida coercitiva mais eficaz, e que foi requerida pela credora, e tendo em vista que ela não foi anteriormente determinada no lapso temporal máximo previsto legalmente (60 dias), cabível a sua prorrogação por mais 30 dias, em razão das peculiaridades do caso concreto acima exaradas.
Consigne-se que incabível nova intimação para manifestação do executado quanto ao inadimplemento, pois os seus argumentos já foram anteriormente rechaçados (fls. 346/348).
Assim, cabível exclusivamente a concessão de um prazo razoável para pagamento do débito, tendo em vista o seu "quantum", antes do decreto da prisão.
Desse modo, concedo ao executado o prazo improrrogável de 10 dias para o adimplemento do débito" (e-STJ fl. 63).
O Tribunal de origem em sede de agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo manteve incólume a supracitada decisão assentando que a prisão civil do devedor de alimentos é perfeitamente cabível na espécie, como se extrai da seguinte fundamentação:
"(...) Estabelece o § 7º do art. 528 do CPC/2015 que: 'o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo', o que veio a confirmar o entendimento consolidado pela Súmula n. 309 do STJ.
O entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça é que: 'Em execução de alimentos proposta pelo procedimento descrito no art. 733 do CPC, o decreto prisional expedido contra o devedor abrange todas as prestações alimentícias que se vencerem, no curso do processo, até o cumprimento do prazo de prisão estabelecido no decreto (...)'.
(...) A privação da liberdade não tem caráter punitivo, mas persuasivo, por presumir-se que o devedor tem condições de solver a obrigação, mas é renitente por motivos egoísticos, como ocorre no caso, em que o alimentante é empresário rural de grande porte, e para tanto contrai empréstimos de alto valor, havendo informações às fls. 302/318 dos autos principais do recebimento da importância de R$ 2.340.279,91, relativo ao fornecimento de laranja a uma indústria no ano de 2012, admitindo que possui 31 funcionários fixos e 279.483 árvores cítricas distribuídas por sete fundos agrícolas, não afastando a presunção de solvabilidade pela pena de prisão anteriormente cumprida, chegando a oferecer imóvel em dação de pagamento.
Não há ilegalidade na prisão decretada, o que não se altera pelo conteúdo da petição de fls. 336/340.
Pelo exposto, NEGA-SE PROVIMENTO ao agravo de instrumento" (e-STJ fls. 87-90 grifou-se).
Alega que a matéria passou pelo crivo recente do Superior Tribunal de Justiça por meio de decisão monocrática desta relatoria proferida no Agravo em Recurso Especial nº 305.264-SP, publicada no DJe de 05 de março de 2015.
Afirma que
"(...) da leitura da decisão monocrática, constata-se que se trata de hipótese absolutamente idêntica àquela do presente processo: prisão civil decretada por 30 dias e cumprida pelo alimentante; pedido de nova prisão por mais 30 dias, porque mantido o inadimplemento; confirmada a decisão que indeferiu a nova ordem de prisão, relativamente às mesmas pensões não pagas" (e-STJ fl. 12).
Ao final, requer que seja concedida liminarmente a ordem pleiteada, a fim de revogar-se a prisão do paciente, fazendo cessar, de imediato a ilegalidade flagrante, pois
"(...) ao paciente foi concedido prazo para pagamento que se escoa em 04 de maio de 2017. Se não for apresentada a guia de depósito judicial, da totalidade do valor devido, será expedido, de pronto, o mandado de prisão, conforme já determinado pelo Juízo de primeiro grau, em cumprimento à ordem emanada da Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal Bandeirante.
É iminente, portanto, a prisão do paciente, que retornará ao cárcere em razão do mesmo débito alimentar pelo qual já esteve preso de 21 de agosto a 19 de setembro de 2016." (e-STJ fl. 15).
É o relatório.
DECIDO.
A liminar merece ser deferida.
Em exame perfunctório dos autos afere-se que o débito alimentar a ser pago pelo paciente refere-se ao período de abril/2014 a outubro/2015. E foi justamente por esse período que a prisão civil do paciente foi decretada e, inclusive, cumprida por 30 dias (de 21 de agosto a 19 de setembro de 2016), quando foi libertado.
Aparentemente não há qualquer débito posterior à libertação do paciente, porque exonerado da obrigação alimentícia a partir de outubro de 2015.
O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que o devedor não pode ser preso novamente em virtude do inadimplemento da mesma dívida.
A propósito:
"PRISÃO CIVIL. DÍVIDA DE ALIMENTOS. ORDEM DE PRISÃO RELATIVA À INADIMPLÊNCIA DE DÉBITOS QUE JÁ LEVARAM O PACIENTE À PRISÃO ANTERIORMENTE.
Não é possível decretar a prisão do devedor de prestação alimentícia por inadimplência de parcelas que já o levaram à prisão anteriormente. Precedentes. Ressalte-se não haver impedimento de nova prisão contra o mesmo devedor de prestação alimentícia quanto a débitos referentes a períodos diversos. Habeas Corpus concedido." (HC 149.590/MG, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/11/2009, DJe 24/11/2009 - grifou-se).

"Alimentos. Débito. Prisão.
1. Não é possível decretar nova prisão relativa aos débitos vencidos durante a execução, e que já foi alcançada pela prisão anterior, sob pena de tratar-se de prorrogação que poderia conduzir à prisão perpétua, vedada no ordenamento jurídico brasileiro.
2. Recurso especial conhecido e provido." (REsp 658.823/MS, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/05/2007, DJ 06/08/2007 - grifou-se).
"HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. PRAZO. Prisão civil decretada pelo prazo de 60 (sessenta) dias, mais tarde prorrogado "até a comprovação do pagamento de todas as prestações vencidas no curso da execução". Ilegalidade da prorrogação do prazo, que, se mantida, poderia significar prisão perpétua. Ordem deferida" (HC 18.355/RJ, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/11/2001, DJ 04/02/2002).
Aliás, o devedor não pode ser preso novamente pelo inadimplemento da mesma dívida, não obstante não fique dispensado de seu pagamento por meio do rito da expropriação ou do cumprimento de sentença (Maria Berenice Dias, Manual de Direito das Famílias, Revista dos Tribunais, 10ª edição, pág. 644).
É cediço que o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que vencerem no curso do processo, nos termos da Súmula nº 309/STJ.
Aparentemente, o Tribunal de origem, ao julgar o agravo de instrumento, destoou desse entendimento.
Assim, em uma análise meramente perfunctória, própria das liminares, revela-se incabível a decretação de nova prisão do alimentante.
Ante o exposto, defiro o pedido de liminar.
Solicitem-se informações.
Após, abra-se vista ao Ministério Público Federal.
Publique-se.
Intimem-se.
Brasília (DF), 02 de maio de 2017.
Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

Relator

Nenhum comentário: