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Colaboração de réus da Lava Jato com os EUA pode virar traição premiada
Anderson Bezerra Lopes
Especial para o UOL 08/12/201606h00- Luiz Cláudio Barbosa/Código19/Estadão Conteúdo
Começou a fase de produção de provas na ação penal movida pelo
Ministério Público Federal contra o ex-presidente Lula e outros réus na
13ª Vara Federal de Curitiba, no Paraná. É certo que tal acusação já
gerou muita discussão nos cenários jurídico e político nacional quanto à
efetiva descrição de conduta criminosa por parte dos envolvidos, bem
como a existência de elementos probatórios mínimos para sustentá-la,
conforme exige a legislação processual penal.
No entanto, uma
situação inédita e extremamente grave ocorreu em todas as audiências até
aqui realizadas. Trata-se da recusa, por parte de algumas testemunhas,
em responder sobre a existência de negociações (ou acordos já firmados)
com autoridades dos Estados Unidos para figurarem como colaboradores
premiados daquele país.
Não se pode negar a importância dos
mecanismos legais de cooperação jurídica Internacional em matéria penal,
o que contribui para que os países disponham de ferramentas para
combater a criminalidade que avança para além de suas fronteiras.
Todavia, em nenhuma hipótese tal cooperação pode ocorrer às margens da
lei ou com ofensa à soberania política dos Estados.
Nesse
sentido, o silêncio que algumas testemunhas têm oposto às perguntas
sobre as negociações com autoridades dos EUA e o conteúdo das
informações eventualmente transmitidas àquelas autoridades, a um só
tempo, revelam grave ofensa tanto à legislação nacional quanto à
soberania política do Estado brasileiro, prevista no art. 1°, inciso I,
da Constituição Federal.
O sigilo previsto na Lei n° 12.850/13,
que trata da colaboração premiada, vale para os acordos negociados ou
celebrados no Brasil, cessando tal sigilo tão logo seja recebida a
denúncia. Assim, não cabe invocar uma restrição imposta por autoridade
estrangeira para impedir a plena vigência da lei brasileira nos
processos judiciais que tramitam em seu território. Do contrário, temos a
esdrúxula situação de um juiz brasileiro afastar a soberania política
do Brasil em seu território para, em seu lugar, admitir aqui a vigência
da legislação estrangeira. Não bastasse isso, duas sérias razões
reforçam a ilegalidade dessa situação.
Em primeiro lugar, de
acordo com expressa disposição do Código de Processo Penal, as
testemunhas que prestam compromisso têm a obrigação de dizer a verdade
sobre tudo que lhes for perguntado, não podendo calar ou omitir fatos e
circunstâncias segundo seu juízo de conveniência. As exceções a essa
regra geral ocorrem quando, em virtude de relações de parentesco ou por
sigilo profissional, a própria lei as exime de prestar compromisso ou
mesmo as proíbe de depor.
Igualmente, em razão da garantia
constitucional que exime o cidadão de produzir prova que poderá ser
utilizada em seu desfavor (artigo 5°, inciso LXIII, da Constituição
Federal), a testemunha pode se calar quando isto representar uma
autoincriminação. Ilustram bem essa situação as reiteradas decisões do
STF assegurando aos depoentes de CPIs no Congresso Nacional o direito de
permanecerem em silêncio quando a resposta puder prejudicá-los nesse
sentido.
Contudo, tal ressalva não se aplica àquele que firmou
acordo de colaboração premiada, obrigando-se a dizer a verdade, tendo
sido regularmente admitido como testemunha em juízo. Esse é justamente o
caso das testemunhas que são réus colaboradores e têm se calado perante
o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba.
Por fim, essa recusa
das testemunhas implica cerceamento de defesa, pois impede que a defesa
técnica tenha amplo conhecimento sobre fatos e circunstâncias que
ostentam relevo para o julgamento da causa, a fim de exercer sobre eles o
indispensável contraditório, o que também é garantia constitucional
(artigo 5°, inciso LV, da Constituição Federal).
Em segundo
lugar, tal quadro pode revelar algo ainda mais grave. Uma das
testemunhas revelou ter se encontrado com agentes dos EUA em território
brasileiro. Caso isto tenha ocorrido em desacordo com o Decreto nº
3.810/01 (Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal entre Brasil
e Estados Unidos da América) configura-se ofensa à soberania política
do Estado brasileiro.
Em nenhuma hipótese é admissível que
agente de Estado estrangeiro ingresse no território brasileiro para
atividades de investigação criminal sem expressa celebração de acordo de
cooperação. Vale recordar que há precedente de suposta inobservância da
legislação sobre cooperação jurídica internacional na Operação Lava
Jato.
Ocorre que não basta o mero cumprimento a tais
formalidades, há restrições ao conteúdo das informações que podem ser
transmitidas às autoridades estrangeiras. Não é admissível o
fornecimento de informações e documentos de caráter estratégico que
estejam relacionados com a defesa nacional. Neste ponto, é preciso
recordar que algumas dessas testemunhas ocuparam os mais altos postos de
direção da Petrobras e, nessa condição, tiveram acesso a informações e
documentos sigilosos acerca dos recursos naturais (por exemplo, gás e
petróleo) e da política energética brasileira.
Caso estejam
fornecendo informações e documentos de caráter estratégico às
autoridades dos EUA, tais indivíduos podem estar cometendo crimes contra
o Estado, previstos na Lei n° 1.802/53, também conhecidos como "crimes
de traição à pátria". Aqueles que porventura estejam instigando ou
auxiliando tais indivíduos a praticarem tal conduta também podem ser
penalmente responsabilizados, na qualidade de partícipes.
Portanto, longe de configurar filigrana jurídica, tal situação deve ser
melhor esclarecida e, a depender das informações e documentos que estão
sendo transmitidos, é preciso instaurar investigação para apurar a
responsabilidade penal de tais réus colaboradores e seus partícipes.
Original disponível em: (http://noticias.uol.com.br/opiniao/coluna/2016/12/08/colaboracao-de-reus-da-lava-jato-com-os-eua-pode-virar-traicao-premiada.htm). Acesso em 09/dez/2016.
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