Lula, a Casa Grande e a Senzala
Nunca haverá um power point denunciando FHC e a compra de votos para a sua reeleição
por Márcio Sotelo Felippe
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publicado
16/09/2016 09h26
Wilson Dias / Agência Brasil

FHC: sem power point
Fernando Henrique Cardoso
se perpetuou no poder graças a um dos mais escandalosos delitos da
história política do país: a compra de votos para a emenda da reeleição.
Todo o aparato repressivo do Estado sabe. Existem gravações e
recentemente a delação premiada do ex-deputado Pedro Correa fez emergir o
assunto.
Foram gravados confessando a venda de votos os ex-deputados Ronivon
Santiago, Osmir Lima, Chicão Brígido e Zilla Bezerra. Os “operadores”,
como são designados no mundo da política brasileira aqueles que fazem o
trabalho sujo de aliciar e fazer com que o dinheiro chegue aos bolsos
dos corrompidos, seriam Sérgio Motta, Luiz Eduardo Magalhães, Pauderney
Avelino, Amazonino Mendes, Orleir Camelli.
Do outro lado estava, sempre segundo Pedro Correa, Olavo Setúbal.
Patriarca do Itaú, um dos maiores e mais respeitados banqueiros do país
e personalidade da República, chafurdava na lama “operando” para
comprar votos contra a reeleição, visando beneficiar Paulo Maluf, aquele
tantas vezes sufragado pela classe média branca que vai à avenida
Paulista expor sua indigência política e moral. Setúbal, segundo o
Correa, passava bilhetinhos encaminhando parlamentares a doleiros.
Nunca vimos nem veremos um power point reproduzindo esse esquema
sórdido, com cobertura em tempo real da mídia, à semelhança do que foi
apresentado ao melhor estilo Goebbels por procuradores da República contra Lula.
Nunca mostrarão à sociedade um círculo com o nome Fernando Henrique
Cardoso e 14 círculos ao redor com frases do tipo “perpetuação criminosa
no poder” ou “Sérgio Mota”. A razão, sinteticamente: porque uma coisa é
ser da Casa Grande, outra é ser da Senzala.
O espetáculo deplorável de quarta-feira 14, com a apresentação de uma
enxurrada de acusações contra um ex-presidente da República sem “provas
cabais” não deve ser visto meramente como parte de um singelo jogo
político com vistas às eleições de 2018. Ele é em parte isto. Mas é
sobretudo um retrato escancarado do Brasil, o país da Casa Grande e da Senzala e de um modo muito peculiar da dominação de classe.
Que peculiaridade é esta? Ela está contida em uma frase profética de
Joaquim Nabuco, escrita durante a campanha abolicionista: a escravidão
contaminou de tal forma a sociedade brasileira que a moldaria ainda por
muito tempo. De fato, abolida a escravidão, a elite e os que aspiram a
ser elite (como os branquinhos da Paulista) sempre se viram acima e à
parte da massa de negros, pobres, dos serviçais que limpam suas privadas
e dormem nos cubículos das áreas de serviço, uma das contribuições da
arquitetura brasileira ao mundo.
Por isso Fernando Henrique Cardoso, sob cuja presidência foram
cometidos crimes dos quais há provas cabais, é o príncipe dessa elite
filofascista. Mas o pau de arara que escapou dessa lógica de dominação
precisa ser aniquilado, mesmo que com sua ação jamais tenha, de fato,
posto em real risco a estrutura de dominação.
A dominação de classe não se perfaz por uma estrita racionalidade
instrumental. Precisa da dominação ideológica, precisa capturar e
manipular a consciência da massa para legitimar a violência do Estado e
ao mesmo tempo aprofundar a dominação. A racionalidade instrumental
precisa, pois, do irracional para ser eficaz.
O método fascista clássico é o de construir no imaginário social
entes, grupos, segmentos que são apresentados como uma espécie de
degeneração do humano, capazes de todo mal e na iminência de perverter
definitivamente a sociedade.
O processo que estamos vivendo agora consiste na nossa jabuticaba
fascista: a moralmente deformada, elitista e preconceituosa elite
brasileira profetizada por Nabuco e o clássico método fascista de
dominação mesclados.
Não faço a menor ideia de qual é o patrimônio de Lula. A favor dele
milita a presunção de inocência e a dignidade que a Constituição
assegura a todo brasileiro. De tudo, resta uma certeza: o retrato do
Brasil não é o apartamento do Guarujá. O retrato do Brasil é a guerra
sórdida de propinas denunciada por Pedro Correa entre Olavo Setúbal, o
maior banqueiro do Brasil, e a dupla FHC-Serjão, nos porões do
Congresso. Porque a Casa Grande pode tudo.
*Marcio Sotelo Felippe é pós-graduado em Filosofia e Teoria Geral
do Direito pela Universidade de São Paulo. Procurador do Estado,
exerceu o cargo de Procurador-Geral do Estado de 1995 a 2000. Membro da
Comissão da Verdade da OAB Federal.
Original disponível em: (http://www.cartacapital.com.br/politica/lula-a-casa-grande-e-a-senzala?ref=yfp). Acesso em 17/set/2016.
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