Postagem 20/set/2016...
Denúncia da Lava Jato contra Lula tem provas ou não? Juristas respondem
Leandro Prazeres
Do UOL, em Brasília
- Nelson Antoine/Framephoto/Estadão Conteúdo
Frágil, pouco técnica e espetacularizada. Foi assim que juristas ouvidos pelo UOL
classificaram a denúncia feita pelo MPF (Ministério Público Federal) na
última quarta-feira (14) contra ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) -- o que, para eles, aumenta ainda mais a pressão sobre a Operação
Lava Jato.
Lula foi denunciado por corrupção passiva e lavagem
de dinheiro pela equipe de procuradores que investiga desvios de
recursos de estatais. Ele e outras oito pessoas, entre elas sua mulher,
Marisa Letícia, são acusados de terem feito parte de um esquema que
desviou pelo menos R$ 87,6 milhões da Petrobras. Lula, segundo os procuradores, seria o chefe do grupo.
Mas o ex-desembargador e professor de Direito Wálter Maierovitch e o
ex-procurador de Justiça do Rio Grande do Sul e doutor em Direito Lênio
Streck dizem que a denúncia tem fragilidades, em entrevista ao UOL.
Acompanhada de perto pela mídia, políticos e juristas, a
denúncia acusa Lula de ter recebido benefícios da construtora OAS
oriundos do pagamento de propina por contratos da empreiteira com a
Petrobras. Os benefícios teriam sido pagos com a reforma de um
apartamento tríplex no Guarujá (SP) e com um contrato para o
armazenamento de bens pessoais de Lula, ambos pagos pela OAS.
Entre os pontos fracos da denúncia, dizem, estão a fragilidade das provas, o fato de Lula ser apontado como chefe de uma quadrilha, mesmo sem ser denunciado por isso, e a espetacularização da ação dos procuradores.
Lula denunciado, e agora? Blogueiros do UOL analisam
"Considerando as provas, eu acho a denúncia frágil", disse Maierovitch.
A principal fraqueza da denúncia, segundo ele, é o conjunto de provas
apresentado pelo MPF contra Lula. De acordo com MPF, Lula teria sido o
beneficiário de recursos de propina pagos pela OAS por três contratos
com a Petrobras.
A denúncia diz: para a presente denúncia,
interessam especificamente os atos de corrupção praticados em detrimento
da Administração Pública Federal, no âmbito de contratos relativos a
três empreendimentos da PETROBRAS: (a) obras de "ISBL da Carteira de
Gasolina e UGHE HDT de instáveis da Carteira de Coque" [...] (b)
implantação das UHDT´s e UGH´s da Refinaria Abreu e Lima [...] (c)
implantação das UDA´s da Refinaria Abreu e Lima [...] Nessas condutas
delitivas, de um lado figuram Léo Pinheiro e Agenor Medeiros [...] do
Grupo OAS [...] e, de outro, Lula, Renato Duque, Pedro Barusco e Paulo
Roberto Costa.
No entanto, Maierovitch sustenta que é difícil estabelecer vínculo direto entre o suposto benefício recebido por Lula e os contratos específicos apontados pelo MPF e que teriam originado a suposta propina paga pela OAS a Lula.
É
muito difícil estabelecer um vínculo do Lula com esse recebimento da
propina decorrente de certos e determinados contratos. Na denúncia, em
geral, você precisa especificar a origem desse dinheiro, mas como
definir que as vantagens recebidas por Lula vieram de um contrato 'A' e
não de um contrato 'B'?" Maierovitch
Lênio Streck afirma que a declaração do procurador Roberson Possobom de que o MPF não tinha "provas cabais" que comprovassem que Lula era, de fato, o proprietário do apartamento no Guarujá,
mostra o quanto a denúncia é frágil. A frase, aliás, posteriormente
tirada do contexto, viralizou e causou polêmica na internet.
"É
incomum (denunciar sem ter provas cabais). Foi uma denúncia heterodoxa
(não tradicional). Se a tese do MPF vingar, isso será uma reviravolta no
mundo jurídico. Ele (o procurador) diz que não há provas porque se
tratava de crime de lavagem de dinheiro. E a ausência de provas vai
acabar, segundo ele, comprovando a tese de que houve crime. Isso é uma
inversão do princípio e que o ônus da prova é de quem acusa", afirmou.
"Comando" de Lula é ignorado em denúncia
Outro item apontado pelos juristas como frágeis da denúncia feita pelo
MPF é o fato de Lula ser apontado como o "comandante máximo" de um
esquema de corrupção, mas não ter sido denunciado por participação em
organização criminosa.
"Após a assumir o cargo de Presidente
da República, LULA comandou a formação de um esquema delituoso de desvio
de recursos públicos destinados a enriquecer ilicitamente, bem como,
visando à perpetuação criminosa no poder, comprar apoio parlamentar e
financiar caras campanhas eleitorais", diz um trecho da denúncia. Para
os juristas ficou a dúvida: se Lula é apontado como comandante de um
"esquema delituoso", por que não foi denunciado por isso?
Se
ele chefiou uma organização criminosa, onde está essa segunda parte?
Essa é uma falha técnica que a gente pode chamar de violação do
princípio da correlação. Aquilo que o Cazuza [diz]: a sua ideia não
corresponde aos fatos. Talvez o pensamento tenha sido mais rápido que os
fatos a serem descritos" Streck
Wálter
Maierovitch acredita que o MPF não denunciou Lula por formação de
quadrilha porque seria difícil os procuradores comprovarem a tese. "Ele
deixou de denunciar na formação de quadrilha ou bando de organização
criminosa certamente porque isso levaria a uma instrução longa, muito
mais longa e muito mais difícil de ser feita [...]Isso é outro elemento a
fragilizar (a denúncia). Eles (procuradores) dão um fato com essa
gravidade para chamar atenção e isso vira circunstância e não vira
fato", afirmou.
"Espetacularização" da denúncia
Outro ponto que chamou atenção dos juristas foi a forma como a denúncia
foi apresentada. A entrevista coletiva realizada pelos procuradores foi
transmitida por diversos canais de TV e chamou atenção pelas
declarações incisivas do procurador chefe da Força Tarefa da Operação
Lava Jato, Deltan Dallagnol, e pela apresentação em Power Point, que
também foi alvo de "memes" nas redes sociais.
Para Wálter
Maierovitch, o nível de espetacularização da denúncia foi sem
precedentes. "Nunca vi uma apresentação tão espetacular. Tinha até
mestre-de-cerimônias com apresentação de componentes da mesa com nome e
sobrenome. Nunca vi isso na minha vida", diz o jurista com mais de 30
anos de carreira.
Lênio Streck diz que o estilo adotado pelos
procuradores da Lava Jato na última quarta-feira (14) serve como uma
espécie de alerta. "Estamos substituindo o Direito pela moral. O que
transparece nesse tipo de ação é uma substituição do direito pela visão
moral que os autores da denúncia têm sobre a sociedade. Mas quem vai nos
proteger da moral?", indaga Streck.
Tanto Maierovitch quanto Streck afirmam que as fragilidades da denúncia colocam ainda mais pressão sobre a Operação Lava Jato. Para
Streck, a denúncia feita pelo MPF, da forma como foi conduzida, é uma
grande "aposta" dos procuradores. "A aposta da Força Tarefa é muito
grande. Pode tanto alavancar a Lava Jato como pode colocar em risco o
seu sucesso. Está em xeque", diz Streck.
"É uma
denúncia frágil e preocupante porque, com toda a expectativa criada em
torno disso, se eles não conseguiram provar que a culpa do Lula, a
Operação Lava Jato terá um grande desprestígio"Maierovitch
A defesa de Lula também criticou a espetacularização da denúncia e disse que ela é "um truque de ilusionismo". O ex-presidente voltou a negar os crimes e disse: "provem minha corrupção e irei a pé ser preso".
O UOL
enviou um e-mail para a Procuradoria da República no Paraná apontando
as fragilidades mencionadas pelos juristas, mas, até o encerramento
desta matéria, não havia resposta.
Original disponível em: (http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/09/15/analise-denuncia-contra-lula-e-fragil-e-aumenta-pressao-sobre-a-lava-jato.htm). Acesso em 20/set/2016.
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