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domingo, 27 de março de 2016

Messianismo autoritário ou Assembleia Constituinte (Emir Sader)

Postagem 27/mar/2016...

Emir Sader


Messianismo autoritário ou Assembleia Constituinte


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A lista da Odebrecht serviu para estender as suspeitas sobre praticamente todo o sistema politico. Não pouparam sequer um político acima de qualquer suspeita, como Patrus Ananias, ou um partido como o PCB. Parece que o objetivo, mesmo não incluindo Lula e a presidente Dilma Rousseff, foi criminalizar o conjunto do sistema político, escancarando a ideia de que todos se beneficiariam de financiamentos privados, mesmo sem especificar quais foram legais e quais ilegais.
Termina sendo funcional ao projeto do juiz Sérgio Moro de desqualificar toda a política e os políticos. Se ele tivesse instrumentos políticos, poderia se lançar à aventura de ser um novo Jânio Quadros, salvador do país e da direita, que vai ficando sem candidatos. É uma das vias possíveis para a direita: o messianismo autoritário, que precisa, para isso, destruir a imagem e a carreira política de Lula.
Restaria ainda Marina Silva, cujo projeto original poderia ter lugar agora – nem direita, nem esquerda, contra a política tradicional -, não tivesse ela se queimado na campanha passada, com a aliança com o Itaú, o apoio a Aécio Neves e, mais recentemente, com o suspeitíssimo silêncio sobre a tragédia de Mariana. Mas ela sempre restará como um nome para a direita, se outra alternativa não vingar.
O lado positivo de uma crise como esta é o que revela que o sistema político está esgotado. É verdade que se trata – esperamos – do último Congresso eleito com financiamento privado e em que o peso do dinheiro se fez sentir mais do que em qualquer outro. Por isso a direita precisa se aproveitar bem dele. Com um Congresso minimamente representativo da sociedade, podem existir melhores condições de governabilidade. Mas é também verdade que, com a lei de partidos, a governabilidade fica muito comprometida pelo jogo de compra e venda que as legendas mercantis impõem aos governos.
O cenário político atual é mais ou menos similar ao obtido pela Operação Mãos Limpas na Itália. Partidos como o PSDB e o PMDB, se não conseguirem dar o golpe, estão praticamente liquidados, sem lideranças minimamente legitimadas e com seus principais líderes muito chamuscados pelas denúncias de corrupção.
O campo vai ficando reduzido a uma alternativa messiânica tipo Moro ou à liderança confirmada de Lula com seu prestígio popular. Mas a alternativa democrática tem que avançar em outro plano. A crise produziu o consenso do esgotamento do sistema político e da necessidade de sua profunda reforma. O caminho seria o de uma Assembleia Constituinte - que reformasse o sistema político e o próprio Estado brasileiro -, que poderia ser convocada para 2018, mas com um amplo processo de debate nacional a partir de 2017. Serviria também para uma ampla renovação dos quadros políticos, com a projeção de líderes dos jovens e das mulheres – os maiores ausentes da vida política nacional – e também para a projeção das lideranças dos movimentos populares no cenário político nacional.
Mas ela não pode ser produto de um acordo nacional atual, porque a direita quer derrubar Dilma por alguma forma de golpe. Ela não vai se resignar a uma vida democrática como essa, salvo se for primeiro derrotada politicamente, por derrota nas votações pendentes no Congresso ou pela via do STF, acompanhada da continuidade das formidáveis manifestações populares e manifestações das entidades da sociedade, que tem se expressado amplamente contra o golpe e pela defesa da democracia.
Essas vão sendo as vias, pela direita ou pela esquerda, autoritária ou democrática, para superar a crise atual. Há uma espécie de empate catastrófico atualmente, em que o governo não consegue governar e a direita tem muitas dificuldades para dar o golpe. Que paralisa o país, eleva as tensões a níveis muito perigosos, exacerba os conflitos, sem vias aparentes de sua solução mediante algum tipo de acordo.
Uma das partes tem que ser derrotada, mesmo senão radicalmente, para que se supere a crise. Uma vitória da oposição seria desastrosa para o país, pela ruptura da democracia, pelos retrocessos econômicos e sociais que se buscaria impor, pelas enormes reações populares – que as imensas manifestações atuais permitem prever -, com a repressão correspondente e a possibilidade real de deflagrações de conflitos de dimensões impossíveis de prever. Um governo tipo Temer/tucanos, muito frágil, seria apenas a transição para uma solução autoritária.
Uma vitória das forças democráticas não pode remeter à continuidade das formas atuais de governar, que promete novas crises como a atual. Ela só pode se consolidar e abrir novos horizontes para o país se estiver comprometida com um amplo debate sobre o futuro do Brasil, a começar do sistema político e do Estado, mas também da economia e do país que só o aprofundamento e a extensão da democracia pode propiciar. De que a convocação de uma Assembleia Constituinte pode ser a melhor via.

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