Postagem 24/jan/2016...
Ementa:
Ação negatória de paternidade. Prova do erro.
Inexistência da denominada paternidade socioafetiva. Comprovado nos autos que o
autor registrou o requerido como seu filho biológico, porque induzido em erro
pela genitora, e não havendo vínculo de afetividade entre os envolvidos, cumpre
julgar procedente a ação negatória de paternidade.
(TJRO - APL nº
00056836320138220102, Relator Kiyochi Mori, Publ. 24/04/2015).
Acórdão integral:
Poder Judiciário do Estado de Rondônia
2ª Câmara Cível
Data de distribuição: 08/10/2014
Data do julgamento: 15/04/2015
0005683-63.2013.8.22.0102 Apelação
Origem :0005683-63.2013.8.22.0102 Porto Velho/RO
(Varas de Família e Turma Recursal 1ª Vara de Família e Sucessões)
Apelante :H. H. da L.
Def. Público :Defensoria Pública do Estado de Rondônia
Apelada :J. da S. da L. representada por sua mãe R. DA S.
Def. Público :Defensoria Pública do Estado de Rondônia
Relator :Desembargador Kiyochi Mori
Revisor :Desembargador Marcos Alaor Diniz Grangeia
EMENTA
Ação negatória de paternidade. Prova do erro. Inexistência da denominada paternidade socioafetiva.
Comprovado nos autos que o autor registrou o requerido como seu filho biológico, porque induzido em erro pela genitora, e não havendo vínculo de afetividade entre os envolvidos, cumpre julgar procedente a ação negatória de paternidade.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, em:
POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO RECURSO NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.
Os desembargadores Marcos Alaor Diniz Grangeia e Alexandre Miguel acompanharam o voto do relator.
Porto Velho, 15 de Abril de 2015.
DESEMBARGADOR KIYOCHI MORI
RELATOR
Poder Judiciário do Estado de Rondônia
2ª Câmara Cível
Data de distribuição: 08/10/2014
Data do julgamento: 15/04/2015
0005683-63.2013.8.22.0102 Apelação
Origem :0005683-63.2013.8.22.0102 Porto Velho/RO
(Varas de Família e Turma Recursal 1ª Vara de Família e Sucessões)
Apelante :H. H. da L.
Def. Público :Defensoria Pública do Estado de Rondônia
Apelada :J. da S. da L. representada por sua mãe R. DA S.
Def. Público :Defensoria Pública do Estado de Rondônia
Relator :Desembargador Kiyochi Mori
Revisor :Desembargador Marcos Alaor Diniz Grangeia
RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação interposto por H. H. da L. contra decisão do juízo da 1ª Vara de Família e Sucessões da comarca de Porto Velho nos autos da ação negatória de paternidade ajuizada em face de J. da S. da L. representado (a) por sua mãe R. da S.
O requerente ajuizou a ação alegando que relacionou-se com a genitora da menor, e quando soube que aquela estava grávida não hesitou em acreditar que seria o pai, e assumiu o compromisso da paternidade, reconhecendo em registro público a menor e a ajudando financeiramente.
Declina que, porém, após diversas alegações da genitora e da avó materna de que a criança não seria sua filha, começou a desconfiar da veracidade da paternidade.
Citada a requerida contestou concordando com a realização da perícia genética para averiguação da paternidade biológica.
Perícia genética realizada, sendo o resultado negativo para a paternidade biológica (fls. 40/44).
O Ministério Público em seu parecer opinou pela procedência do pedido.
O juiz de origem julgou improcedente o pedido inicial por entender que o autor não comprovou a ocorrência de vício de consentimento quando declarou ser pai da menor no acordo celebrado na justiça rápida.
Insatisfeito, o requerido apela argumentando que o juízo de origem ignorou o exame de DNA, o estudo psicossocial e o parecer do Ministério Público.
Sustenta que quando do reconhecimento da paternidade não houve processo de conhecimento em que pudesse investigar a paternidade, mas, tendo a apelada afirmado que o apelante era o genitor, convenceu-o a solucionar a questão da maneira mais rápida, tendo aderido ao mutirão realizado pela justiça rápida (Projeto Paternidade Responsável), sem qualquer cognição sobre os fatos.
Frisa que quanto à declaração da genitora de que “quis registrar a criança, e que sabia que a filha podia não ser dele”, o relatório conclui que “quanto a esta informação R. mostra-se confusa em suas falas”, razão pela qual a declaração não pode ser considerada relevante para a constatação da realidade dos fatos.
Aduz que já no primeiro relatório psicossocial a genitora demostrou confusão ao responder sobre a paternidade biológica da criança, mas no segundo relatório afirmou saber quem é o pai biológico da criança e receber ajuda financeira dele.
Salienta que suas dúvidas surgiram somente após o registro, pois antes a genitora recusava-se a realizar o exame genético e após, passou a insinuar que a criança não seria filha do apelante, impedindo-o de conviver com a ela, o que extinguiu a possibilidade de possível vínculo afetivo entre as partes, subsistindo como única relação entre as partes a prestação de alimentos.
Destaca do relatório psicológico os seguintes trechos:
“é provável que a história de vida da Sr.ª R. tenha favorecido uma conduta de omissão quanto a deixar claro para H. que ele não era pai de J.”
“que não existe vínculo afetivo entre H. e J. e que a relação existente até então, é uma necessidade maior de R. do que de sua filha”.
“durante esses anos ele ofereceu pensão alimentícia para J., mas a mãe nunca permitiu aproximação entre pai/filha”
“que R. concorda que o nome dele seja retirado da certidão de nascimento da filha”
Ressalta que a criança, embora tenha apenas seis anos demonstrou, conforme o relatório social, não ter interesse pelo apelante, reconhecendo como pai aquele indicado pela genitora como pai biológico, que, inclusive, também contribui para o sustento da criança.
Destaca não ser o pai biológico da criança nem manter com ela vínculo afetivo.
Pugna pela reforma da sentença para que seja determinada a exclusão de seu nome do registro de nascimento da menor.
Contrarrazões às fls.855/89.
Parecer do Ministério Público às fls. 99/103 opinando pelo não provimento do recurso.
É o relatório.
voto
DESEMBARGADOR KIYOCHI MORI.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
O reconhecimento da paternidade se deu por ato voluntário do apelante em audiência de conciliação perante a justiça rápida, operando sobre o acordo a coisa julgada.
A ação negatória de paternidade tem por fundamento vício de consentimento no reconhecimento.
O STJ sedimentou o entendimento de que "em conformidade com os princípios doCódigo Civil de 20022 e daConstituição Federall de 1988, o êxito em ação negatória de paternidade depende da demonstração, a um só tempo, da inexistência de origem biológica e também de que não tenha sido constituído o estado de filiação, fortemente marcado pelas relações socioafetivas e edificado na convivência familiar. Vale dizer que a pretensão voltada à impugnação da paternidade não pode prosperar, quando fundada apenas na origem genética, mas em aberto conflito com a paternidade socioafetiva. (REsp 1059214/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta turma, julgado em 16/02/2012, Dje 12/03/2012).
Na espécie, o exame de DNA teve resultado negativo e o relatório psicológico constatou não haver entre as partes vínculo afetivo, restando a análise acerca da existência de vício no consentimento.
Consta dos autos que a requerida nasceu em 08/02/2007 e, no dia 10/11/2007, em audiência realizada pela Justiça Rápida no Projeto Paternidade Responsável, o apelante voluntária e conscientemente reconheceu sua paternidade.
No caso sob análise houve vício no ato jurídico de reconhecimento da filha, pois, o apelante, acreditando ser pai da criança, foi induzido pela mãe da autora a reconhecer a paternidade passando a contribuir apenas financeiramente para o sustento da requerente.
Frise-se que na situação dos autos não há, de fato, paternidade, porquanto foram afastados tanto o vínculo biológico quanto afetivo, de modo que a análise passa à possibilidade de desconstituição do assento de nascimento formalizado por ato voluntário, quando decorrente de suposto erro.
Entendo que ocorrendo erro a viciar o consentimento do recorrente quando do reconhecimento voluntário da paternidade, conjugado com a inexistência de vínculo biológico ou afetivo, o registro deve ser alterado por não corresponder à verdade real dos fatos.
Nesse sentido a jurisprudência da Corte Superior:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. NEGATIVA DE PATERNIDADE. PECULIARIDADES DO CASO. VÍNCULO GENÉTICO AFASTADO POR EXAME DE DNA E INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO AFETIVO. PRINCÍPIO DA VERDADE REAL. PREVALÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO.
Se, à época da realização do registro de nascimento, a filiação foi declarada tão somente com base nas afirmativas feitas pela genitora do menor, que induziram o declarante a acreditar ser o pai da criança, é possível questionar a paternidade em ação negatória, com base em vício de consentimento.
Se o vínculo biológico foi afastado por prova genética (exame de DNA) e, por depoimentos, comprovou-se a ausência de vínculo afetivo entre o declarante e o menor, não há como manter filiação em desacordo com a realidade.
Nas ações de estado, prevalece o princípio da verdade real, que deve ser afastado apenas em circunstâncias particulares e especiais, considerando-se o caso concreto.
4. Recurso especial desprovido.
(REsp 1362557/DF, Rel. Min. ANDRIGHI, Nancy, Rel. p/ Acórdão Min; João Otávio de Noronha, Terceira turma, julg. em 07/10/2014, DJe 09/12/2014)
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. VÍNCULO DECLARADO EM ANTERIOR AÇÃO INVESTIGATÓRIA. FLEXIBILIZAÇÃO DA COISA JULGADA. POSSIBILIDADE. PECULIARIDADES DO CASO. VÍNCULO GENÉTICO AFASTADO POR EXAME DE DNA. PRINCÍPIO DA VERDADE REAL. PREVALÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO.
Nas ações de estado, como as de filiação, deve-se dar prevalência ao princípio da verdade real, admitindo-se a relativização ou flexibilização da coisa julgada.
Admite-se o processamento e julgamento de ação negatória de paternidade nos casos em que a filiação foi declarada por decisão já transitada em julgado, mas sem amparo em prova genética (exame de DNA). Precedentes do STJ e do STF.
Recurso especial desprovido.
(REsp 1375644/MG, Rel. Min. ANDRIGHI, Nancy,, Rel. p/ Acórdão Min; João Otávio de Noronha, Terceira turma, julgado em 01/04/2014, DJe 02/06/2014)
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. LEGITIMIDADE ORDINÁRIA ATIVA. AÇÃO DE ESTADO. DIREITO PERSONALÍSSIMO E INDISPONÍVEL DO GENITOR (ART. 27DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE). SUB-ROGAÇÃO DOS AVÓS. IMPOSSIBILIDADE. EXAME DE DNA. RESULTADO DIVERSO DA PATERNIDADE REGISTRAL. AUSÊNCIA DE VÍNCULO DE PARENTESCO ENTRE AS PARTES. FILIAÇÃO AFETIVA NÃO CONFIGURADA. ESTADO DE FILIAÇÃO RECONHECIDO VOLUNTARIAMENTE PELO PAI BIOLÓGICO. SUPREMACIA DO INTERESSE DO MENOR. VERDADE REAL QUE SE SOBREPÕE À FICTÍCIA. ART. 511, § 2º, DOCPC. AUSÊNCIA DE NULIDADE. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INVIABILIDADE. SÚMULAS NºS 83, 211, 7/STJ E 284/STF. INCIDÊNCIA.
1. A legitimidade ordinária ativa da ação negatória de paternidade compete exclusivamente ao pai registral por ser ação de estado, que protege direito personalíssimo e indisponível do genitor (art. 27 do ECA), não comportando sub-rogação dos avós, porquanto direito intransmissível, impondo-se manter a decisão de carência de ação (art. 267, VI, do CPC), mormente quando o interesse dos recorrentes não é jurídico, mas meramente afetivo e patrimonial.
2. O estado de filiação decorre da estabilidade dos laços construídos no cotidiano do pai e do filho (afetividade) ou da consanguinidade.
3. A realização do exame pelo método DNA apto a comprovar cientificamente a inexistência do vínculo genético confere ao marido a possibilidade de obter, por meio de ação negatória de paternidade, a anulação do registro ocorrido com vício de consentimento.
4. O erro a que foi induzido o pai registral de criança nascida na constância do seu casamento com a genitora, com quem o suposto pai não estreitou afetividade suficiente para que desfrutasse da paternidade socioafetiva (posse de estado de filho), desafia a eficácia constitutiva negativa de estado pleiteada na inicial, com a consequente alteração do registro público de nascimento da criança, para fazer constar o nome do pai biológico, excluindo-se, consectariamente, o nome dos avós registrais paternos.
5. O registro público tem por princípio conferir segurança jurídica às relações civis e deve espelhar a verdade real e não fictícia.
6. É consectário da dignidade humana que os documentos oficiais de identificação reflitam a veracidade dos fatos da vida, desde que a retificação não atente contra a ordem pública.
7. O princípio da supremacia do interesse do menor impõe que se assegure seu direito ao reconhecimento do verdadeiro estado de filiação, que já é voluntariamente exercida pelo pai biológico.
8. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte.
9. A ausência de prequestionamento da matéria suscitada no recurso especial, a despeito da oposição de embargos declaratórios, impede o conhecimento do recurso especial (Súmula nº 211/STJ).
(...)
15. Recurso especial parcialmente conhecido, e nesta parte, desprovido.
(REsp 1328306/DF, Rel. Min. CUEVA Ricardo Villas Bôas, Terceira turma, julgado em 14/05/2013, DJe 20/05/2013)
Ante o exposto, dou provimento ao recurso para julgar procedente o pedido determinando a desconstituição da paternidade e seus efeitos jurídicos com a consequente retificação dos assentos de nascimento.
É como voto.
Original disponível em: (http://ibdfam.org.br/jurisprudencia/3821/%20Paternidade.%20Prova%20de%20erro.%20Socioafetividade).
Acesso em 24/jan/2016.
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