Postagem 10/dez/2015...
Reconhecimento Voluntário de Paternidade Socioafetiva
Autor:
Reconhecimento Voluntário de Paternidade Socioafetiva
Autor:
LOMEU, Leandro
Resumo:
Revela-se a possibilidade jurídica do reconhecimento voluntário de
paternidade socioafetiva perante o Oficial de Registro Civil,
contemplando a Carta Magna, a rigor o princípio da igualdade da
filiação, que ilide qualquer forma discriminatória entre filhos. A
igualdade no direito da filiação está assegurada também no art. 20 do
Estatuto das Crianças e Adolescentes, bem como no art. 1.596, do Código
Civil, que estabelecem os mesmos direitos e qualificações entre filhos,
proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Perante tal igualdade, consagrada está a máxima que não há hierarquias
entre filiações, ou tipos de paternidade, seja biológica, afetivas ou
civil. A paternidade tem como fundamento a afetividade, a convivência
familiar e a vontade livre de ser pai. O direito registral deve
desempenhar este molde constitucional admitindo o reconhecimento
extrajudicial da paternidade socioafetiva de filho maiores e capazes.
Tem que ser selado, registrado, carimbado
Avaliado, rotulado se quiser voar!
Se quiser voar...(1)
(O Carimbador Maluco - Plunct, Plact Zum. Raul Seixas)
1. Estado e Afetividade
A
família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado, tal é a
predição da Constituição Federal. Neste quesito, percebe-se um
sustentáculo do próprio estado democrático de direito, ou seja, quando o
Estado protege a Família, erige arrimos sobre si mesmo. Daí podemos,
por idas e vindas, afirmar que a proteção familiar oriunda do Estado é
sempre um dos elementos nucleares garantidores do próprio Estado
Democrático. O Estado que abriga a família, logo é um Estado que se
resguarda e protege a democracia.
É nítido este
caráter protetor do Estado ao avaliarmos a guarida oferecida as crianças
e adolescentes na Carta Constitucional, ao afirmar que é "dever da
família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e
ao jovem", todos os direitos elencados no art. 227, da Constituição
Federal. Convoca-se estas três entidades, família, sociedade e Estado,
para protegerem o seu próprio futuro. Desta forma, formata-se um tripé
que garante a ordem social.
Um grande exemplo deste
Estado que deve sempre buscar atender os anseios familiares,
encontra-se registrado na própria Constituição Federal, no § 3º, do art.
226, que estabelece: "Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a
união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a
lei facilitar sua conversão em casamento." Vontade.
Se
avaliarmos a norma constitucional, qual é a razão do trecho: para
efeito da proteção do Estado. Bastava que o constituinte fosse direto. É
reconhecida união estável... Nestes moldes, ratificamos, a guisa de
exemplo, com este trecho da Constituição Federal, que o Estado deve sim,
proteger, com urgência, as pluralidades familiares e os ajustes desta
família que não estagna.
Há tempos a doutrina e
jurisprudência nacional tem pregado, e porque não, consolidado, sobre a
importância da socioafetiva como princípio nuclear do Direito das
Famílias. Apesar de termos somente, por uma vez, a palavra afeto,
registrada no Código Civil. Tal termo, inserido na codificação como uma
das formas de se averiguar qual genitor seria o guardião do filho, em
casos de guarda unilateral, tal é a redação do art. 1.583.
Apesar
desta mísera citação acerca do afeto em nosso Código Civil, outras
legislações mais recentes já têm se inclinado nesta direção, vertente
esta que é sem volta para o Direito das Famílias, louvado que seja
assim.
Abro margem, para grifar e que se faça
ressoar em altas vozes, ainda em nossos dias, o que João Baptista
Vilela, prega por longos anos: "Já notaram os senhores o quão pouco se
fala de amor em sede de direito de família, como se este não fosse seu
ingrediente fundamental?"
E conclui: "O amor está
para o direito de família assim como o acordo de vontades está para o
direito dos contratos."(2) Esta citação deve ser sempre diretriz para os
que lidam com o Direito das Famílias.
Quando
olhamos para trás pensamos até que afeto e direito eram palavras
antônimas. Havia um engessamento de questionamentos, onde se dizia
diretamente ou entrelinhas: O Direito não pode quantificar o afeto. Não
se pode responsabilizar o abandono afetivo. Filhos do amor?! Filho deve
ser jurídico, está registrado?
Apesar de sabermos
que não basta amoldar a vida à norma; é necessário humanizar o direito e
não apenas ver aplicadas as leis, por lidar com a vida das pessoas,
seus afetos e suas mágoas, elementos tão íntimos e subjetivos; o direito
deve ser mais célere, menos moroso. O Estado deve assegurar a
felicidade, sempre que possível.
O Estado ao
garantir o reconhecimento voluntário de paternidade socioafetiva
enaltece o princípio da igualdade entre filhos, bem como assegura o
direito à felicidade e a pluralidade das relações familiares.
2. Reconhecimento Voluntário de Paternidade Socioafetiva
É
permitido o reconhecimento voluntário de paternidade perante o Oficial
de Registro Civil, na forma do art. 1.609 do Código Civil, esta
possibilidade deve ser também perfeitamente estendida às hipóteses de
reconhecimento voluntário de paternidade socioafetiva, já que a Carta
Magna contemplou o princípio da igualdade da filiação, não podendo
existir qualquer forma discriminatória entre filhos.
A
igualdade no direito da filiação está assegurada também no art. 20 do
Estatuto das Crianças e Adolescentes, bem como no art. 1.596, do Código
Civil, que estabelecem os mesmos direitos e qualificações entre filhos,
proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Perante
tal igualdade, consagrada está a máxima que não há hierarquias entre
filiações, ou tipos de paternidade, seja biológica, afetivas ou civil. A
paternidade tem como fundamento a afetividade, a convivência familiar e
a vontade livre de ser pai.
Nada mais justo do que
permitir que o pai socioafetivo possa ter o direito de registrar o seu
filho, oriundo da afetividade, em condições de igualdade ao pai
biológico. Aliás, esta premissa preconceituosa, de quem deve ir ao
cartório registrar o filho é o pai biológico não encontra embasamento no
teor legal do art. 1.607, nem mesmo no art. 1.609 do Código Civil.
Ambos afirmam que os pais, podem registrar o filho, sendo tal ato
irrevogável. Nas entrelinhas, as leituras que se faziam erroneamente
eram: o pai biológico é que deve registrar o seu filho.
Afinal,
quem é o pai? Objetivamente, "a paternidade reside antes no serviço e
no amor que na procriação"(3). Juridicamente, a paternidade está
alicerçada na socioafetiva, revelada através da posse de estado de
filiação, que nos remete à clássica tríade nomen, tractus e fama.
Assim, para que haja a posse de estado, é necessário que o menor
carregue o nome da família, seja tratado como filho e que sua condição
oriunda da filiação seja reconhecida socialmente(4).
Autorizar
o reconhecimento voluntário da paternidade socioafetiva de pessoas que
encontram-se registradas somente com o nome materno (sem paternidade
estabelecida, diretamente, e perante o Oficial de Registro Civil de
Pessoas Naturais, é oportunizar a proteção às famílias brasileiras, é
garantir o direito de filiação e o tratamento de igualdade
constitucionalmente instituído. O reconhecimento espontâneo da
afetividade em cartório enaltece a verdade real, que deve também ser a
verdade registral.
É ainda revelar e entender que
paternidade pode ser natural ou civil, conforme resulte de
consangüinidade ou outra origem, entendendo que esta outra origem
essencializa a afetividade, e a afetividade deve ser registrada. Afinal,
as situações "de fato"(5) devem ser consagradas tanto quanto as
situações "de direito", uma vez evidencializadas.
Recentemente,
no IX Congresso Nacional de Direito de Família, promovido pelo
Instituto Brasileiro de Direito das Famílias, tivemos a oportunidade de
aprovar nove Enunciados Programáticos. O Enunciado nº 06/2013,
estabelece que "do reconhecimento jurídico da filiação socioafetiva
decorrem todos os direitos e deveres inerentes à autoridade parental".
Assim, também, destacamos o registro civil espontâneo da parentalidade
socioafetiva. Reconhecimento jurídico não significa reconhecimento
judicial. Frisa-se, nestes moldes, perfeito o enunciado nos registros de
pais e filhos afetivos e todos os seus direitos conexos.
Enfatiza-se
que em sede de segurança jurídica e em cumprimento ao devido processo
legal, o registro voluntário extrajudicial somente será possível se o
filho não possuir a paternidade registral estabelecida, e, ainda,
inexistir processo judicial em trâmite no qual se discuta acerca da
paternidade. Ressaltando que o reconhecimento da paternidade
socioafetiva não obstaculiza a discussão judicial sobre a verdade
biológica.
Alcança-se com o enraizamento deste
direito o mesmo patamar da igualdade jurídica dos filhos biológicos, em
sede registral. Apontando para o vindouro, pode-se imaginar na
multiparentalidade voluntária a perfeita interação jurídica, registral e
consolidada de pais registrais biológicos e afetivos.
Brilhantemente
o músico Raul Seixas já rabiscava o Estado legalista, ortodoxo de
algumas áreas do Direito hodierno, na letra da música "O carimbador
maluco (plunct, plact, zum)". Pelo olhar musical podemos criticar alguns
Direitos engessados onde tudo tem que ser selado, carimbado, rotulado,
se quiser voar. Outrora, a lei está; o fato move-se. Resta, portanto,
parafrasear: "Carimbamos" o reconhecimento voluntário de paternidade
socioafetiva. Para o seu foguete (registro voluntário e extrajudicial da
paternidade socioafetiva) viajar pelo universo (Direito). É preciso ter
o "carimbo" dando o sim, sim, sim, sim(7)...
Notas:
(1)
Artigo e trecho da música dedicado a Bianca Bittencourt Lomeu, filha
socioafetiva por opção, apesar de ser biológica. Estimando que os laços
afetivos sobrevaleçam cada vez mais nossos laços biológicos, e que este
seja o anseio jurídico-parental em nosso país.
(2) VILlELA, João Baptsita. Repensando o Direito de Família. In: Nova Realidade do Direito de Família. Rio de Janeiro: COAD, Tomo 2, SC Editora Jurídica, 1999, p. 52/59.
(3) VILLELA, João Baptista. A desbiologização de paternidade. In: Revista Forense, Rio de Janeiro, n. 71, p. 45. jul./set.1980
(4) PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais e norteadores para a organização jurídica da família. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Paraná, 2004, p. 131-132.
(5)
"As situações de fato são espécies análogas de uma situação jurídica
devidamente reconhecida e regulamentada pela lei, porém, faltam-lhe
determinados requisitos que as tornam carecedoras de condições legais
para sua acessão, em princípio, na vida do direito. Sua existência é
concreta em vários pontos das relações humanas, mas por insuficiência da
sistemática ortodoxa em absorver a carência contida nessa situações
acaba criando uma cisão entre o mundo real e o mundo jurídico", conforme
lições de Danielle Machado Soares. Condomínio de Fato. Editora Renovar, p. 27.
(6)
Os sins começaram a eclodir através dos Provimentos publicados pelas
Corregedorias-Gerais de Justiça do Estado do Maranhão (Provimento nº
21/2013), Pernambuco (Provimento nº 09/2013) e Ceará (Provimento nº
15/2013). Estima-se a publicação de normativo pelo Conselho Nacional de
Justiça com o objetivo de esclarecimento e uniformização da temática em
sede nacional, uma vez que o CNJ possui competência de expedir
normativos destinados ao aperfeiçoamento das atividades dos serviços
notariais e registrais, conforme art. 8º, inc. X, do Regimento Interno
do Conselho Nacional de Justiça.
Original disponível em: (http://www.lex.com.br/doutrina_27042741_RECONHECIMENTO_VOLUNTARIO_DE_PATERNIDADE_SOCIOAFETIVA.aspx).
Acesso em 10/dez/2015.
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