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quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Herança. União Estável. Caso em que Cônjuge sobrevivente é herdeiro único. Bens adquiridos onerosamente durante união. Falecido não deixou descendentes nem ascendentes. Deixou apenas colaterais. STJ.

Postagem 05/ago/2015...


Decisão monocrática:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.045.516 - SP (2008/0072562-0)
RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO
RECORRENTE : JOAO SILVINO BORGES
ADVOGADA : MARIA APARECIDA SORGI DA COSTA E OUTRO(S)
RECORRIDO  : MARIA PUQUERI DA SILVA
ADVOGADOS : LAÉRCIO A MACHADO E OUTRO(S)
ANTÔNIO BEZERRA LIMA E OUTRO(S)
DECISÃO
Trata-se de recurso especial interposto com fundamento no art. 105, III, "a" e "c", da Constituição Federal, em face de acórdão do Eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado: "União estável - Provado que o companheiro falecido deixou um único bem, adquirido na constância da união estável e mediante esforço comum, deverá ser deferida à totalidade da herança ao companheiro supérstite, quando concorre com colaterais, proibindo-se, com a não incidência do art. 1790, III, do CC, de 2002, o retrocesso que elimina direitos fundamentais consagrados, como o de equiparar a companheira e a esposa na grade de vocação hereditária [com preferência aos colaterais] - Aplicação do inciso III, do art. 2º, da Lei 8971/94 e 226, § 3º, da CF - Provimento do Agln. 507.284-4/6 e não provimento do Agln. 499.826-4." (e-STJ, fl. 57). O recorrente, em suas razões recursais, além de dissídio jurisprudencial, alega violação aos arts. 1.790, 1.845 e 1.846 do Código Civil, sustentando, em síntese, que "o referido acórdão, concebido nos termos assinalados, além de contrariar expressamente o citado dispositivo legal, diverge frontalmente da doutrina e jurisprudência, que uniformizaram o entendimento de que a companheira participa na sucessão do outro concorrendo com outros parentes sucessíveis, no caso os irmãos do falecido, entendimento esse devidamente fundamentado e comprovado pela r. decisão de primeira grau e jurisprudência nela contida, desse Tribunal e de outros Tribunais" (e-STJ, fl. 94). 
O Ministério Público Federal, no parecer acostado às fls. 143/146 (e-STJ), opinou pelo não provimento do recurso especial.
É o relatório. Passo a decidir.
A Corte de origem ao dirimir a controvérsia acerca da sucessão da companheira entendeu que o art. 1.790, III, do Código Civil não se coaduna com o texto constitucional, razão pela qual determinou que a recorrida recolhesse a totalidade da herança deixado pelo de cujus.
Confira-se:
"Sobre a partilha, é importante anotar que o Código Civil, ao dispor que a companheira não se equipara à esposa, para fins de prioridade na grade de vocação hereditária [art. 1829, III] em relação aos colaterais, cometeu involução. Isso porque os direitos dos companheiros foram paulatinamente sendo reconhecidos e bem recepcionados pela sociedade, na medida em que não se desconhece o que se passa verdadeiramente, ou seja, que a nossa sociedade é mesclada por uniões informais e casamentos de papel, formando, ambos, a base da família brasileira. O art. 226, § 3º, da CF, deu o maior passo para a isonomia, facilitando a publicação das Leis 8971/94 e 9278/96, garantindo aos companheiros direitos similares aos dos cônjuges. Como afirmou ZENO VELOSO 'as famílias constituídas pelo afeto, pela convivência, são merecedoras do mesmo respeito e tratamento dados às famílias matrimonializadas. A discriminação entre elas ofende, inclusive, fundamentos constitucionais' [Novo Código Civil Comentado, coordenação Ricardo Fiúza, Saraiva, 5a edição, 2006, p. 1485].
A doutrina é unânime em reconhecer o retrocesso imposto pelo art. 1790, III, do CC. O preclaro CARLOS ROBERTO GONÇALVES considerou a nova disciplina um retrocesso em virtude do art. 2º, III, da Lei 8971/94, admitindo que a norma deverá ser alterada, como consta do Projeto 6960/2002, que, no inciso III, volta a conferir ao companheiro a totalidade da herança, quando o morto não tiver ascendentes ou descendentes [Direito Civil Brasileiro - Direito das Sucessões, vol. VII, 2007, p. 177]. NEY ALMADA assegura que a regulamentação atual comete injustiça ao companheiro que se esforça
para construir patrimônio, porque terá que suportar a divisão com parentes distantes, cujo intercâmbio afetivo se esgarçou no tempo [Sucessões, Malheiros, 2006, p. 131].
O recurso de agravo interposto por João Silvino e outros [n. 499.826-4/0] não merece provimento, cabendo prover o que foi interposto por Maria Puqueri [n. 507.284.4/6] para homenagear o princípio que proíbe o retrocesso, conforme doutrina desenvolvida por Vital Moreira e Gomes Canotilho, seguida por INGO WOLFGANG SARLET ['A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica', in Revista de Direito Constitucional e Internacional, n. 57, outubro/dezembro de 2006, RT, p. 18]:
"Basta lembrar aqui a possibilidade de o legislador, seja por meio de uma emenda constitucional, seja por uma reforma no plano legislativo, suprimir determinados conteúdos da Constituição ou revogar normas legais destinadas à regulamentação de dispositivos constitucionais, notadamente em matéria de direitos sociais, ainda que com efeitos meramente prospectivos. Com isso, deparamo-nos com a noção que tem sido "batizada" pela doutrina - entre outros termos utilizados - como proibição (ou vedação) de retrocesso".
Cabe registrar que Maria recolheria. toda a herança deixada por Aparecido, se o óbito dele ocorresse antes de janeiro de 2003. Como a morte se deu na vigência do novo Código, a companheira perdeu o lugar que detinha [e que a esposa continua detendo] á frente dos colaterais na vocação hereditária.
Embora sua situação não estivesse garantida por contrato ou pela coisa julgada, considera-se que o novo estatuto civil é manifestamente retrocessivo, destruindo a perspectiva jurídico-subjetiva dos direitos consolidados em favor dos companheiros.
A sociedade anseia por uma ordem jurídica segura e estável e não devemos tolerar que a Constituição proteja direitos sociais, reconhecendo-os e aquinhoando-os com a tutela jurídica, para que o legislador infraconstitucional, em seguida, os aniquile, como se tais conquistas fossem passíveis de serem rebaixadas. CRISTINA QUEIROZ em estudo comparativo de precedentes dos Tribunais Constitucionais europeus [0 principio da não reversibilidade dos direitos fundamentais sociais, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 69], afirmou o seguinte:
"Concretamente, a proibição do retrocesso social determina, de um lado, que uma vez consagradas legalmente as prestações sociais, o legislador não pode depois eliminá-las sem alternativas ou compensações. Uma vez dimanada pelo Estado, a legislação concretizadora do direito fundamental social, que se apresenta face a esse direito como um lei de protecção (Schutzgesetz), a acção do Estado, que se consubstanciava num dever de legislar, transforma-se num dever mais abrangente: o de não eliminar ou revogar essa lei".
O juiz está autorizado a negar vigência ao texto que estréia flagrantemente desatualizado e com sonora e gritante incompatibilidade com a formulação axiológica das leis que compõem o ordenamento jurídico e que estão estruturadas na observância de tratamento idêntico aos companheiros e cônjuges, quando atuam com ideologia familiar e com propósitos comuns na construção de patrimônio. Como o retrocesso é uma unanimidade [podem ser inseridos no rol dos doutrinadores citados, GISELDA MARIA FERNANDES NOVAES HIRONAIKA - Concorrência do companheiro e do cônjuge na sucessão dos descendentes, Novo Código Civil - Questões controvertidas, vol. 1, Método, 2003, p. 429 e SILVIO DE SALVO VENOSA - Direito Civil - Direito das Sucessões, 6a edição, 2006, p. 145], cumpre não o admitir, para que a ordem jurídica não retroceda.
Assim, nos termos do art. 20, 111, da Lei 8971/94 e do art. 226, § 3º, da CF, dá-se provimento ao AgIn. 507.284-4/6, para determinar que Maria Puqueri da Silva recolha a totalidade da herança pela morte de Aparecido Pereira Gomes, negado provimento ao Agln. 499.826-4, lavrando-se, oportunamente, o auto de adjudicação." (e-STJ, fls. 60/63). Como se vê, do excerto acima reproduzido, o Tribunal de origem enfrentou a controvérsia acerca da sucessão da companheira com base em fundamentos de natureza constitucional e infraconstitucional. O recorrente, no entanto, não interpôs o necessário recurso extraordinário para impugnar o fundamento constitucional, suficiente, por si só, para manter o aresto local. Aplica-se, destarte, a orientação consolidada na Súmula nº 126/STJ:
"É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário." Nesse sentido, os seguintes precedentes:
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO INEXISTENTE. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. APLICAÇÃO. SÚMULA Nº 126/STJ. REEXAME DE FATO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7/STJ.
1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte.
2. Aplicável a Súmula nº 126 do Superior Tribunal de Justiça quando há no acórdão recorrido fundamento constitucional não atacado por recurso extraordinário.
3. Rever questão decidida com base no exame das circunstâncias fáticas da causa esbarra no óbice da Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça.
4. Agravo regimental não provido."
(AgRg no REsp 1452510/PR, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/11/2014, DJe 13/11/2014). "AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC) - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO - DECISÃO MONOCRÁTICA NEGANDO PROVIMENTO AO RECURSO. IRRESIGNAÇÃO DA CASA BANCÁRIA.
1. Tribunal de origem que, no tocante à capitalização de juros, inadmitiu a cobrança do encargo com base em fundamentos distintos e autônomos, constitucionais e infraconstitucionais, aptos a manterem,
por si próprios, o acórdão objurgado. Incidência da Súmula 126 do STJ, ante a não impugnação por recurso extraordinário da matéria constitucional.
2. Agravo regimental desprovido, com aplicação de multa." (AgRg no AREsp 548.236/PR, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 07/10/2014, DJe 20/10/2014). "PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI MUNICIPAL. VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS. ACÓRDÃO ASSENTADO EM FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL. NÃO INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SÚMULA 126/STJ.
1. Infere-se dos autos que, não obstante a existência de fundamento constitucional, conforme se pode observar da leitura do acórdão impugnado, o recorrente limitou-se a interpor recurso especial, deixando de interpor o extraordinário, de competência do Supremo Tribunal Federal.
2. É inviável o conhecimento do recurso especial, pois, mesmo que fosse dado provimento no que concerne à matéria infraconstitucional, subsistiria a matéria constitucional, na qual não pode este tribunal adentrar, sob pena de invasão da competência do Supremo Tribunal Federal, o que atrai a incidência da Súmula 126 do Superior Tribunal de Justiça. Agravo regimental improvido." (AgRg no REsp 1422298/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/04/2014, DJe 14/04/2014).
Ante o exposto, com fundamento no art. 557, caput, do CPC, nego seguimento ao recurso especial.
Publique-se.
Brasília (DF), 02 de fevereiro de 2015.
MINISTRO RAUL ARAÚJO
Relator
(Ministro RAUL ARAÚJO, 27/02/2015).

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