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sábado, 3 de janeiro de 2015

Sartori e a retomada do Receituário Neoliberal no Rio Grande do Sul (Sandro Ari Andrade de Miranda)

03/jan/2015...

SARTORI E A RETOMADA DO RECEITUÁRIO NEOLIBERAL NO RIO GRANDE DO SUL

Publicado em 2 de janeiro de 2015 

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Autor: Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, mestre em ciências sociais.

Durante todo o processo eleitoral, em 2014, o candidato Sartori (PMDB), agora empossado Governador do Estado, não apresentou as suas propostas de Governo. Utilizou a imagem aparente de homem do povo para conduzir uma estratégia de campanha que trilhou entre o niilismo pleno e a demagogia, o que acabou sendo favorecido pela tradição eleitoral local de alternar Governos, e por certa dificuldade da gestão de Tarso Genro (PT) para comunicar as realizações de uma administração que, de fato, apresentou elevado grau de eficiência.

Passado os fogos de 2015, e assumindo o comando do Piratini, o novo Governo dá o tom do que pretende fazer: “arrastar o Estado por 04 anos de receituário neoliberal, com a restrição de investimentos e o corte das despesas correntes”. Receita antiga, velha, surrada e, principalmente, fracassada. Tanto Britto, quanto Yeda aplicaram as mesmas medidas e tiveram governos trágicos. Fernando Henrique levou o país quase à bancarrota.

Portanto, não devemos esperar nada de construtivo no discurso de austeridade do novo Governador Gaúcho. Aliás, austeridade de fachada, pois antes mesmo da sua posse o novo comandante do Piratini deu pleno apoio à elevação dos salários dos dirigentes do Estado, e à criação de “aposentadoria especial” para Deputados Estaduais.

Mais do que isto, austeridade com cheiro de irresponsabilidade, pois foi o anunciado “calote de 6 meses no pagamento de contratos por meio de Decreto” e isto é, sim, uma imensa irresponsabilidade administrativa. Sartori cria uma falsa expectativa de auditoria nos contratos administrativos para cortar despesas correntes, o que pode conduzir a prestação de serviços públicos essenciais, como saúde, educação e segurança pública, a uma situação de calamidade.

Nada impede o novo Governo de auditar contratos. Aliás, se o interesse fosse realmente ético, já poderia ter solicitado a medida ao Tribunal de Contas do Estado e à Controladoria Geral do Estado – a CAGE ainda durante a transição. Mas não, Sartori preferiu utilizar um discurso vazio e populista, causando pânico da economia regional, para operar uma ação que trilha a lógica do abuso de poder. Também poderia, perfeitamente, auditar contratos sem suspender pagamentos, sem colocar empregos em risco, e sem ameaçar a continuidade de serviços públicos. Mas nenhuma destas medidas teria o mesmo impacto na mídia.

Ocorre que não avisaram Sartori que ele assumiu um Governo limitado pela Lei e pela Constituição, e que não pode sair por aí atirando contra o funcionamento do Estado sob o risco conduzi-lo a uma crise financeira sem precedentes.

Aqui um importante esclarecimento, Sartori “não está suspendendo contratos do Governo anterior”, como afirmam os seus amigos de mídia, mas “suspendendo o pagamento de serviços continuados, regidos pela Lei 8.666/1993, e essenciais ao bom funcionamento da máquina pública”.

Isso quer dizer que podemos ter a suspensão do pagamento de serviço de limpeza, tecnologia da informação, abastecimento, segurança patrimonial, assessoramento administrativo, dentre outros. Sem nenhum elemento de motivação racional, sem nenhuma base jurídica sólida, apenas um discurso para a torcida de austeridade. Leia-se: esta torcida contém apenas meia dúzia de teóricos do apocalipse conservador, e membros da mídia monopolista.

É evidente que o Estado pode suspender pagamentos, só que de forma concreta e motivada. Por exemplo: se a empresa não realizou a totalidade dos serviços, ou se há indícios de superfaturamento numa obra, a administração pode, sim, suspender o pagamento dos contratos. Mas não pode fazê-lo de forma genérica, muito menos sem enumeração e identificação dos elementos que motivaram a suspensão. A motivação é a base de todos os atos administração.

Aliás, não pode ser adotada qualquer motivação, esta deve seguir a lógica do razoável, e mostrar congruência com os princípios do direito administrativo. Além disso, a medida deve ser proporcional à ação. Assim, não podem ser suspensos os pagamentos se não existirem claros indícios de irregularidades ou, ainda, inexecução comprovada do objeto. Logo, a suspensão dos pagamentos por mero discurso, sem motivação razoável, é um típico ato de abuso de poder. Portanto, uma ilegalidade.

Sartori poderia ainda diminuir o quantitativo dos objetos, ou suspender alguns contratos de natureza não essencial. Jamais suspender os pagamentos, ainda mais por tempo tão elevado.

O que a medida do novo governo pode resultar é numa oneração desnecessária e ilegal da despesa pública, através do pagamento de juros de mora e de atualização monetária. Ou seja, ao contrário de reduzir a despesa, o Decreto de Giovani Feltes vai aumentar a dívida pública. Mais do que isto, após 90 dias de atraso nos pagamentos as empresas poderão pedir a rescisão dos contratos, sem contar a indenização pelos danos causados à sua imagem e ao seu patrimônio.

Assim, as primeiras consequências do corte nas despesas públicas será a descontinuidade dos serviços e, novamente, como aconteceu nos desgovernos de Britto e de Yeda, quem pagará o custo desta conduta será a população e o erário.

No rastilho de pólvora riscado pelo novo Secretário Estadual da Fazenda temos o corte do pagamento de diárias de viagem para fora o Estado, nada mais do que simples fumaça, talvez para esconder o custo da elevação em mais de 70% dos salários dos Secretários Estaduais, e de 40% do Governador do Estado.

Mas a coisa tende a ser mais grave, com a suspensão de concursos e da contratação de novos servidores. Trata-se de um retrocesso frente à política de valorização do quadro de servidores e do serviço público, instituída por Tarso Genro.

Se os sinais iniciais do Governo Estadual tiverem sequência, preparem-se, de nada adiantou a renegociação da dívida realizada nos últimos meses de Governo do PT. O Rio Grande do Sul terá quadro anos em crise administrativa, e com o sério risco de caminhar, novamente, para trás. Não vai demorar muito para começar o discurso de privatizações e, como esperado, a colocação da CORSAN e do Banrisul na agenda de entrega.


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