13/jan/2015...
Autor:
Contribuição Social Prevista no Artigo 1º da Lei Complementar nº 110/01: Do Novo Debate Acerca da Constitucionalidade
Autor:
ANDREOLI, Angela Patrícia Ferreira
12/01/2015
SUMÁRIO: I. Introdução, II. Ações Diretas de Inconstitucionalidade 2556-2 e 2568-6 - III. Da perda de motivação da necessidade pública legitimadora da contribuição social prevista no artigo 1º da Lei Complementar nº 110/01 - IV. Ações Diretas de Inconstitucionalidade 5050, 5051 e 5053 - V. Da finalidade social específica das contribuições -VI. Da conclusão - VII. Referências Bibliográficas
I - Introdução
Diversas empresas, por meio de suas entidades de classe ou individualmente, questionam a constitucionalidade da contribuição social prevista no artigo 1º da LC 110/01, devida pelos empregadores em caso de despedida sem justa causa, à alíquota de 10% (dez por cento) sobre o montante de todos os depósitos relativos ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS realizados durante a vigência do contrato de trabalho.
Tal contribuição foi instituída pela LC 110/01 e regulamentada pelo Decreto nº 3.914/01, com o objetivo de equilibrar as contas vinculadas do FGTS, após o reconhecimento, pelo Poder Judiciário (1), de que os saldos destas contas foram corrigidos em valor menor do que o devido, durante o período em que vigoraram os planos econômicos denominados "Plano Verão" e "Plano Collor I" e que, consequentemente, o FGTS seria obrigado a complementar tais atualizações.
Tendo em vista a insuficiência dos valores arrecadados pelo FGTS para cobrir os custos com o pagamento dos expurgos inflacionários dos Planos Verão e Collor I, foi firmado um acordo entre o Governo Federal (representado pelo Ministro do Trabalho), os trabalhadores (representados pelas centrais sindicais com assento no conselho curador do FGTS) e os empregadores (representados pelas confederações com assento no conselho curador do FGTS) (2), que culminou na publicação da LC 110/01.
Neste cenário, os trabalhadores concordaram em receber a complementação das citadas atualizações de forma parcelada, mediante a assinatura de termo de adesão e declaração dos titulares da conta do FGTS de que não pleiteariam tais complementações em juízo. (3)
Já os empregadores deveriam arcar com o pagamento de duas contribuições sociais previstas nos artigos 1º e 2º da LC 110/01.
Tendo em vista a finalidade específica da contribuição em análise, o artigo 3º, § 1º, da LC 110/01 dispõe que o produto de sua arrecadação deve ser transferido para a Caixa Econômica Federal e incorporado ao FGTS.
No presente trabalho trataremos apenas da contribuição social prevista no artigo 1º da LC 110/01.
II - Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 2556-2 e 2568-6
Na época da publicação da LC 110/01, a sua constitucionalidade foi questionada no STF, por meio das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 2.556 e 2.568, que foram analisadas de forma conjunta.
No julgamento do pedido liminar das citadas ADIs, em outubro de 2002, o STF analisou a natureza jurídica da contribuição prevista no artigo 1º da LC 110/01, concluindo tratar-se de exação de natureza tributária, em virtude de sua adequação ao conceito de tributo previsto no artigo 3º do CTN, qual seja, prestação pecuniária, compulsória, em moeda, que não constitui sanção de ato ilícito, instituída por lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. (4)
Além disso, concluiu que se trata de uma contribuição enquadrada na sub-espécie contribuições sociais gerais, que se submetem à regência do artigo 149 da CF e não ao artigo 195 da referida Carta, pois os valores não ingressam nas contas do Tesouro Nacional, mas são destinados a atender as finalidades sociais previstas no artigo 7º, III, da CF.
Em 13.06.2012 tais ADIs foram julgadas parcialmente procedentes, mediante o reconhecimento da constitucionalidade da contribuição prevista no artigo 1º da LC 110/01, desde que respeitado o prazo de anterioridade para início das respectivas exigibilidades (art. 150, III, b da Constituição).
III - Da perda de motivação da necessidade pública legitimadora da contribuição social prevista no artigo 1º da LC 110/01
Em decorrência de causas supervenientes, dentre elas a perda da motivação da necessidade pública legitimadora da contribuição em análise, a sua constitucionalidade continuou a ser debatida, mesmo após o julgamento das ADIs 2.556 e 2.568.
Assim, passou-se a questionar a constitucionalidade dessa contribuição social, tendo em vista o cumprimento do acordo firmado em 2001, ou seja, a arrecadação suficiente de valores para custear o pagamento dos expurgos inflacionários dos Planos Verão e Collor I pelo FGTS.
Por parte do Poder Legislativo, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei Complementar nº 200/2012, que tinha como objetivo acrescentar um parágrafo ao artigo 1º da LC 110/01, para estabelecer um prazo para a extinção da contribuição social em análise, mas tal projeto foi vetado pela Presidente da República.
Vale destacar que a Presidência da República, em sua mensagem de veto nº 301, publicada no DOU de 25.07.2013, afirmou expressamente que a extinção da contribuição em análise geraria um impacto superior a três bilhões de reais por ano nas contas do FGTS. Afirmou, ainda, que a ausência de tais valores reduziria os investimentos em programas sociais, em particular o Programa Minha Casa, Minha Vida (5).
Diante de tais declarações, não restam dúvidas de que o objetivo para o qual esta contribuição foi criada já foi há muito cumprido e os valores atualmente arrecadados são utilizados pelo Estado para investimentos em diversos programas sociais.
Além da afirmação da Presidência da República, existem outros documentos que demonstram que os valores arrecadados pela contribuição em análise já equilibraram as contas do FGTS, tais como:
- Relatório de Gestão do FGTS - 2006 (6)
Do cronograma estabelecido pela LC 110/01, já foram cumpridas, integralmente, as etapas que incluíam os trabalhadores com valores a receber até R$ 8.000,00. Daqueles com valores superiores a R$ 8.000,00, o cronograma encerra-se em janeiro de 2007.
Os valores creditados no período de 2002 a 2006 somaram R$ 38.132.833 mil, dos quais R$ 32.424.423 mil foram sacados pelos trabalhadores.
- Relatório de gestão FGTS - 2007 (7)
O Governo Federal determinou, no ano 2000, o atendimento aos pleitos dos trabalhadores que à época dos Planos econômicos detinham contas vinculadas do FGTS com saldo.
Diante desse fato, foi constatada a necessidade de o Fundo de Garantia constituir "funding" suficiente ao pagamento desses Créditos Complementares, a época estimado em R$ 40 bilhões.
Em janeiro de 2007, a CAIXA realizou o crédito da sétima e última parcela do FGTS, no valor de R$ 626,3 milhões para 334 mil contas vinculadas, nas contas de todos os trabalhadores que firmaram Termo de Adesão às condições contidas na Lei Complementar 110/01, cumprindo na sua plenitude o Maior Acordo do Mundo, como ficou conhecido.
E os números são significativos: foram fornecidos mais de 113,8 milhões de extratos, de aproximadamente 122 milhões de contas vinculadas, que estavam em 78 Bancos e 28 sistemas diferentes; recepcionadas 32,2 milhões de adesões; realizados em torno de 85,4 milhões de créditos, envolvendo o montante de R$ 40,3 bilhões. Desse total, R$ 32,4 bilhões ingressaram na economia por meio dos saques realizados pelos trabalhadores.
Essa conquista constituiu-se num dos maiores desafios da história da CAIXA, que realizou com maestria a coordenação e a execução das principais atividades necessárias à elaboração e ao cumprimento da mencionada Lei.
- Ofício nº 38/2012/SUFUG/GEPAS (8) - emitido pela Gerência Nacional de Administração do Passivo do FGTS em 08.02.2012, para o Secretário-Executivo do Conselho Curador do FGTS.
Segundo tal documento a CEF, gestora do FGTS, defende o fim da exigibilidade da contribuição social prevista no artigo 1º da LC 110/01 a partir de julho de 2012, tendo em vista a arrecadação suficiente de valores para cobrir os custos com o pagamento dos expurgos inflacionários dos Planos Verão e Collor I.
IV - Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 5050, 5051 e 5053
Desta feita, a constitucionalidade da citada contribuição voltou a ser debatida perante o Poder Judiciário por meio das ADIs 5050, 5051 e 5053, protocoladas em outubro de 2013, que propõem outros três fundamentos que não foram analisados no julgamento das ADIs 2.556 e 2.568, sendo eles (9):
(i) inexistência de fundamento constitucional de validade para a instituição da Contribuição Social Geral sobre a totalidade dos depósitos em conta vinculada do FGTS de titularidade de empregado demitido sem justa causa, em flagrante desrespeito à relação taxativa de materialidade prevista artigo 149, parágrafo 2º, inciso III, alínea "a" da CF.
(ii) esgotamento da finalidade que justificou a instituição desta contribuição social, haja vista a arrecadação de recursos suficientes para arcar com as despesas do pagamento dos expurgos inflacionários.
(iii) utilização do produto da arrecadação da contribuição social para reforço do superávit primário, valores retidos pelo Tesouro Nacional em vez de serem incorporados ao FGTS.
O relator das ADIs propostas em 2013, Ministro Luís Roberto Barroso, não concedeu a medida liminar postulada, mas determinou a aplicação do rito previsto no artigo 12 da Lei nº 9.868/99, que permite em casos de relevância econômica e social que os processos sejam submetidos diretamente ao Plenário do Tribunal, o qual poderá optar por julgar definitivamente a ação, após serem prestadas as informações devidas.
O relator considerou, ainda, a possibilidade de que o próprio STF volte a analisar a constitucionalidade da lei declarada constitucional em julgamento anterior, mediante a alteração no contexto fático que envolve a contribuição social prevista no artigo 1º da LC 110/01.
Vale destacar que o argumento relativo à perda superveniente de objeto da contribuição social prevista no artigo 1º da LC 110/01 em razão do cumprimento de sua finalidade não foi examinado no julgamento das ADIs 2.556 e 2.568, conforme se demonstra pela transcrição de parte do voto do Ministro Joaquim Barbosa proferido na ADI 2.568:
Senhores Ministros, após a liberação destas ações diretas de inconstitucionalidade para julgamento, a entidade-requerente solicitou o adiamento do exame da matéria. Deferi o pedido e concedi audiência aos representantes da entidade-requerente, para exposição de informações relevantes acerca da situação do financiamento dos gastos governamentais com o FGTS. Em síntese, a requerente expôs que a finalidade da exação fora alcançada, pois a União teria ressarcido integralmente todos os beneficiários do FGTS cuja lesão foi reconhecida no julgamento do RE 226.855.
Entendo que a nova linha de argumentação não tem cabimento no estágio atual destas ações diretas de inconstitucionalidade. Com efeito, por se tratar de dado superveniente, a perda da motivação da necessidade pública legitimadora do tributo não era objeto da inquirição, e, portanto a Corte e os envolvidos no controle de constitucionalidade não tiveram a oportunidade de exercer poder instrutório em sua plenitude. Descabe, neste momento, reiniciar o controle de constitucionalidade, nestes autos, com base no novo paradigma. Isto sem prejuízo de novo exame pelas vias oportunas.
V - Da finalidade social específica das contribuições em análise
Na nova discussão sobre a constitucionalidade proposta perante o STF por meio das ADIs 5050, 5051 e 5053, o argumento mais relevante refere-se à finalidade específica que ensejou a criação da contribuição em análise.
Como se sabe, as contribuições são classificadas como uma espécie de tributo autônomo, tendo como principal característica a definição de destinação específica do produto arrecadado.
Neste caso, a constitucionalidade das contribuições pode ser confirmada por meio da comprovação da necessidade pública atual do dispêndio vinculado, ou seja, motivação, bem como pela eficácia dos meios escolhidos para alcançar tal objetivo.
Conforme ensina Roque Antônio Carrazza (10):
Não basta, como é fácil perceber, que a contribuição seja corretamente instituída; é preciso, ainda, que o produto de sua arrecadação tenha destinação apta a atingir a finalidade que motivou sua criação.
Em suma, é a destinação do produto da arrecadação que preserva a natureza constitucional das contribuições. Esta determinação existe para proteger o contribuinte de arbitrariedades, como, por exemplo, do desvio do produto arrecadado ou da ausência, in concreto, do motivo que ensejou a criação desta figura exacional.
Importante assinalar, por igual modo, que a destinação das contribuições deve ser dada pela própria lei instituidora, sendo inconstitucional eventual delegação que esta, a propósito, venha a fazer, ainda que a outra lei, como por, exemplo, a orçamentária.
Vale destacar que a contribuição social prevista no artigo 1º da LC 110/01, assim como as demais contribuições sociais, são sempre vinculadas a uma finalidade social específica, conforme ensina Fábio Zambitte Ibrahim (11):
Cabe lembrar que, de acordo com o STF, as contribuições sociais ainda podem subdividir-se em contribuições sociais para a seguridade social e gerais. (...) As contribuições sociais gerais seriam aquelas vinculadas a outra finalidade social diferente da seguridade, como o salário-educação e contribuição criada pela LC 110/01.
No mesmo sentido, o posicionamento de Leandro Paulsen e Andrei Pitten Velloso (12):
As contribuições especiais constituem instrumentos para a realização de fins determinados, aos quais estão indissociavelmente vinculadas. São esses fins que autorizam a sua instituição e justificam a carga tributária diferenciada imposta aos seus sujeitos passivos.
Com efeito, do caráter finalístico das contribuições decorre uma consequência indiscutível: o condicionamento da sua validade jurídica à presença da causa que motivou a sua instituição, ou se preferir, à efetiva necessidade de serem promovidas as atividades públicas que são vocacionadas a financiar (presença da finalidade).
Assim, o principal argumento utilizado como fundamento das ADIs nºs 5050, 5051 e 5053 é o fato superveniente de que o montante arrecadado por meio da contribuição prevista no artigo 1º da LC 110/01 já superou o valor devido a título de correção dos Planos Verão e Collor I.
Além disso, tais valores não são mais repassados para o FGTS, mas utilizados para financiar projetos sociais, ou seja, tal contribuição continua a ser cobrada até os dias de hoje, mas totalmente desvinculada do fim para o qual foi criada.
VI - Conclusão
Diante do exposto, resta evidenciado que a contribuição instituída pelo artigo 1º da LC 110/01 exauriu a sua finalidade original e a manutenção da citada contribuição serve para movimentar a economia brasileira, mediante aplicação de tais recursos em diversos projetos sociais.
Assim, caberá ao STF analisar novamente a contribuição social prevista no artigo 1º da LC 110/01, aferindo a sua constitucionalidade por meio da necessidade pública atual desta arrecadação, bem como pelo respeito aos limites constitucionais e legais que a caracterizam.
VII - Referências Bibliográficas
AMARO. Luciano da Silva. Direito Tributário Brasileiro. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 1999.
BALERA, Wagner. Noções Preliminares de Direito Previdenciário. São Paulo. Quartier Latin, 2010, 2ª edição.
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo. Malheiros Editores. 2012, 28ª edição.
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 17ª edição, Editora Impetus.
PAULSEN, Leandro e VELLOSO, Andrei Pitten. Contribuições. Teoria Geral - contribuições em espécie. 2ª editora, Editora Livraria do Advogado.
Relatório de Gestão do FGTS - exercício 2006 acesso em 07.03.2014
Relatório de Gestão do FGTS - exercício 2007 acesso em 07.03.2014
Notas
(1) STF - Recursos Extraordinários nºs 248.188/SC e 226.855/RS.
(2) Exposição de Motivos da Lei Complementar nº 110/01
(3) Artigo 6º da Lei nº 110/01.
(4) Decisão liminar - ADI 2.568-6 - Relator Ministro Moreira Alves - STF - 09.10.2002.
(5) Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Msg/Vet/VET-301.htm - acesso em 07.03.2014
(6) Relatório de Gestão do FGTS - exercício de 2006 - Disponível em: http://downloads.caixa.gov.br/_arquivos/fgts/relatoriogestao/Relatorio_de_Gestao_do_FGTS_2006.pdf - acesso em 07.03.2014
(7) Relatório de Gestão do Agente Operador do FGTS - exercício de 2007 - Disponível em < http://downloads.caixa.gov.br/_arquivos/fgts/relatoriogestao/Relatorio_de_Gestao_do_FGTS_2007.pdf> acesso em 15.03.2014.
(8) STF - documento que instrui a ADI 5053 - Disponível em : http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=4477992 - acesso em 07.03.2014
(9) STF - peça inicial da ADI 5050
(10) Curso de Direito Constittucional Tributário. 28ª edição, Editora Malheiros. 2012, p. 660 e 661.
(11) Curso de Direito Previdenciário. 17ª ed., Editora Impetus, pág. 88.
(12) Contribuições. Teoria Geral - Contribuições em espécie. 2ª ed., Editora Livraria do Advogado. pág. 44
Disponível em: (http://www.lexmagister.com.br/doutrina_26367222_CONTRIBUICAO_SOCIAL_PREVISTA_NO_ARTIGO_1_DA_LEI_COMPLEMENTAR_N_110_01_DO_NOVO_DEBATE_ACERCA_DA_CONSTITUCIONALIDADE.aspx).
Acesso em: 13/jan/2015.
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