21/jan/2015...
Acórdão na íntegra:
Acórdão Assinado
Inteiro teor
Acórdão na íntegra:
Apelação Cível n. 2011.027455-1, de Indaial
Relator: Des. Luiz Fernando Boller
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. DEMANDA
AJUIZADA POR EMPRESA DE FOMENTO MERCANTIL. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM.
INSURGÊNCIA DA AUTORA. INADIMPLÊNCIA DOS
TÍTULOS DE CRÉDITO APONTADOS PARA DESCONTO. ALTERCAÇÃO DE QUE PARTE DELES
PADECE DE MÁCULA, O QUE ENSEJARIA O DIREITO DE REGRESSO AOS FATURIZADOS PARA
SALDAR AQUELES SEM LASTRO EFICAZ. ALEGAÇÃO GENÉRICA E DESTITUÍDA DE SUBSTRATO
PROBATÓRIO. ART. 333, INC. I, DO CPC.
REVELIA DOS RÉUS, ADEMAIS, QUE NÃO DISPENSA A
ADEQUADA INSTRUÇÃO PROCESSUAL E APONTE ESPECÍFICO DAS CÁRTULAS INQUINADAS POR
VÍCIOS. CONSEQUENTE HIGIDEZ DAS CAMBIAIS. ASSUNÇÃO DE RISCO QUANTO À
SOLVABILIDADE DESTAS. CIRCUNSTÂNCIA INERENTE A PRÁTICA DE FACTORING.
RESPONSABILIDADE DOS APELADOS QUE SE ENCERRA COM A CESSÃO DO CRÉDITO À
APELANTE, MORMENTE PELO DEVIDO DESÁGIO NA AQUISIÇÃO DOS TÍTULOS.
"É cediço que em um contrato de factoring a faturizadora adquire o
crédito da faturizada originário de uma compra e venda a prazo ou de prestação
de serviços, assumindo os riscos do inadimplemento desta obrigação, sendo
remunerada por uma taxa, comissão ou percentual firmado entre as partes. Ou
seja, a assunção do risco é inerente ao negócio jurídico existente entre as
partes. Em razão disso, mesmo que presente cláusulas que autorizem e/ou
obriguem a recompra dos títulos em caso de inadimplemento, como no presente
caso, tais condições não podem ser opostas à parte faturizada, sob pena de
desnaturar o negócio jurídico havido entre partes, ou seja, torná-lo nulo"
(Apelação Cível n. 2013.078695-9, de Joinville, rel. Des. Subst. Guilherme
Nunes Born, j. 28/08/2014).
CLÁUSULAS DE RECOMPRA E DE SOLIDARIEDADE DOS
FIADORES, INCOMPATÍVEIS COM A ESPÉCIE CONTRATUAL. PRECEDENTES DO STJ.
MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO CONHECIDO E
DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2011.027455-1, da comarca de Indaial (2ª Vara Cível), em que é apelante Elo Fomento Mercantil Ltda., e apelados Aviplast Indústria, Comércio e Representações Ltda.
e outro:
A Segunda Câmara de Direito
Comercial decidiu, por votação
unânime, conhecer do recurso, negando-lhe provimento. Custas legais.
O
julgamento, realizado nesta data, foi presidido pela Excelentíssima Senhora
Desembargadora Rejane Andersen, com voto, e dele participou o Excelentíssimo
Senhor Desembargador Robson Luz Varella.
Florianópolis, 20 de janeiro de 2015.
Luiz Fernando Boller
Relator
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação cível interposta por Elo Fomento Mercantil Ltda., contra sentença prolatada pelo juízo da 2ª Vara da comarca de Indaial, que nos autos da ação de Cobrança nº 031.05.000563-5 (disponível
em <http
://esaj.tjsc.jus.br/cpopg/show.do?processo.codigo=0V0050ZBA0000&processo.foro=31>, acesso nesta data),
ajuizada contra Aviplast-Indústria, Comércio e Representações Ltda. e Acle
Abdala José, julgou improcedente o pleito exordial, nos seguintes termos:
[...] Julgo o litígio no estado em que
se encontra, tendo em vista se apresentar a situação processual prevista no
art. 330, inciso I, do Código de Processo Civil.
O pedido
não procede.
Com
efeito, verifica-se que a partes deram ensejo a operação de fomento mercantil (factoring),
cujo risco para a faturizadora é inerente ao negócio, sendo inválida cláusula
em sentido contrário, notadamente aquela que transfere ao faturizado a
responsabilidade pela solvabilidade do título adquirido pela primeira.
Neste
sentido:
"Está pacificado o
entendimento de que 'O contrato de fomento mercantil difere do desconto
bancário, justamente, no que concerne ao direito de regresso, uma vez que, no
primeiro, o cessionário (faturizado) não se responsabiliza pela quitação do
título, em caso de inadimplemento por parte do emitente.
Atribuir ao faturizador
direito de regresso perante o faturizado, nos casos em que não lograr êxito na
cobrança dos títulos, seria equiparar a atividade de factoring
àquela desempenhada pelas instituições financeiras quando firmam com seus
clientes contrato de desconto de títulos, o que é vedado pelo ordenamento
jurídico, já que as sociedades que desempenham atividade de fomento mercantil
não integram o sistema financeiro nacional.
Ademais, o deságio cobrado
pelas faturizadoras possui o condão de remunerar o risco que assumem ao
adquirir crédito perante empresas, sem a garantia do efetivo adimplemento'
(Apelação Cível n. 2006.028160-8, de Orleans, rel. Des. Gastaldi Buzzi)
Nessas condições nulas são
as garantias prestadas de aval e penhor."
(Apelação Cível n. 2006.003734-2/Paulo Roberto).
"O factoring
distancia-se de instituição financeira justamente porque seus negócios não se
abrigam no direito de regresso e nem na garantia representada pelo aval ou
endosso [...]" (REsp n. 582.034/Direito).
Por fim,
o regresso, excepcionalmente, somente poderia se verificar em caso de títulos
sem causa ou nulos juridicamente, hipóteses não demonstradas no caso concreto e
que era ônus da autora, nos termos do art. 333, inciso I, do Código de Processo
Civil.
Ante o
exposto, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO, extinguindo o processo, com resolução do
mérito, na forma do art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil.
Condeno a
autora nas despesas processuais, deixando de condenar ao pagamento de
honorários, uma vez que não houve apresentação de resposta por parte dos réus
(fls. 200/202).
Malcontente, a Elo Fomento Mercantil Ltda. sustentou,
inicialmente, que "deve sim o devedor do contrato de
facturização ser responsável pela inadimplência das obrigações assumidas"
(fl. 208), inclusive no tocante à "recompra dos títulos quando não
pagos ou com origem viciada" (fl. 209), obrigação extensiva,
igualmente, ao fiador Acle Abdala José.
Exaltou, mais, que na
inicial haviam cambiais não pagas e algumas com origens viciadas, "o
que não foi contestado em momento algum" (fl. 209), subsistindo assim
a pretensão do crédito postulado na origem - com o devido cotejo do montante já
pago pela avalista -, termos em que bradou pelo conhecimento e provimento do
reclamo, com a reforma da sentença (fls. 206/213).
Recebido o recurso nos efeitos suspensivo e
devolutivo (fl. 115), a apelada Elisandra Huebes, conquanto intimada, deixou
transcorrer in albis o prazo para apresentar contrarrazões (fl. 219),
que também não foram apresentadas pelos apelados Aviplast-Indústria, Comércio e Representações
Ltda. e Acle Abdala José,
eis que, por não terem constituído procuradores, deixaram de ser intimados para
contrarrazoar.
Ascendendo
a esta Corte, foram os autos por sorteio distribuídos ao Desembargador Jorge
Luiz de Borba (fl. 221), após por transferência ao Desembargador Raulino Jacó
Brüning, depois ao Desembargador Substituto Dinart Francisco Machado, na
sequência ao Desembargador Getúlio Corrêa, vindo-me conclusos em razão do
superveniente assento nesta Segunda Câmara de Direito Comercial.
É, no essencial, o relatório.
VOTO
Conheço
do recurso porque, além de tempestivo, atende aos demais pressupostos de
admissibilidade.
A Elo Fomento Mercantil Ltda. pretende que a Aviplast-Indústria, Comércio e Representações
Ltda. e Acle Abdala José, sejam compelidos ao pagamento da quantia de R$
41.613,57 (quarenta e um mil, seiscentos e treze reais e cinquenta e sete
centavos), devida em razão de relação contratual de fomento mercantil
estabelecida, cujo objeto consistia na compra, pela recorrente, dos títulos de
crédito apontados pela empresa apelada (fls. 09/15).
Acerca da aventada modalidade de relação
comercial, Fábio Ulhoa Coelho delineia indispensáveis conceitos para incursão
da celeuma, senão vejamos:
[...] Quando a sociedade empresária
concede crédito aos consumidores ou aos adquirentes de seus produtos ou
serviços, passa a ter uma preocupação empresarial a mais: a administração da
concessão do crédito, que compreende controle dos vencimentos, acompanhamento
da flutuação das taxas de juros, contatos com os devedores inadimplentes,
adoção de medidas assecuratórias do direito creditício, etc. Além disso, o
empresário, ao conceder crédito, assume o risco de insolvência do devedor.
Claro que, em tese, a sociedade empresária não está obrigada a abrir crédito a
quem procura seus produtos ou serviços. Contudo, a competição econômica, por
vezes, não lhe dá outra alternativa. Se não criar facilidades de pagamento a consumidores
ou adquirentes, a sociedade empresária pode perdê-los para os concorrentes. O
contrato de fomento mercantil - que pode ser referido também pela expressão
faturização, proposta por Fábio Konder Comparato (1978) - tem a função
econômica de poupar o empresário das preocupações empresariais decorrentes da
outorga de prazos e facilidades para pagamento aos consumidores ou adquirentes.
Pelo contrato de fomento mercantil, um
dos contratantes (faturizador) presta ao empresário (faturizado)
o serviço de administração do crédito, garantindo o pagamento das faturas por
este emitidas. A faturizadora assume, também, as seguintes obrigações: a)
gerir os créditos do faturizado, procedendo ao controle dos vencimentos,
providenciando os avisos e protestos assecuratórios do direito creditício, bem
como cobrando os devedores das faturas; b) assumir os riscos do
inadimplemento dos devedores; c) garantir o pagamento das faturas
objeto de faturização (Curso de Direito Comercial. 3 ed. vol. 3. Saraiva: São
Paulo, 2002. p. 134/135 - grifei).
Com efeito, na espécie contratual em apreço,
sobressai evidente que quando o empresário (faturizado) vende seus
créditos ao comprador dos títulos (faturizador), desonera-se da
obrigação quanto ao adimplemento dos títulos de crédito negociados, declinando
ao cessionário, por consequência, a obrigação pela busca e satisfação da
importância transacionada, exsurgindo, daí, o risco da atividade, dada a
possiblidade das respectivas faturas não serem quitadas a bom modo.
De outra banda, não desconheço que na
prefalada modalidade contratual podem acontecer circunstâncias que refogem à
mera inadimplência, pois, a faturizadora, ao assumir a carta de títulos dos
faturizados, eventualmente acaba avocando títulos sem lastro eficaz, comumente
denominados "notas frias" ou, ainda, tem que suportar o ônus
de adimplir cambiais inquinadas por vícios.
A esse respeito, escorreita a sedimentação
jurisprudencial no sentido de que "a cessão e a transferência de
títulos sem origem, em contrato de fomento mercantil, gera responsabilidade
pessoal da faturizada, consoante expressa previsão contratual."
(Apelação cível n. 2008.061548-9, de Indaial, rel. Des. Jânio Machado, j.
1-6-2012) (TJSC, Apelação Cível n. 2013.083994-4, de Joinville, rela. Desa.
Rejane Andersen, j. 11/03/2014).
Legitimando tal entendimento, dos julgados do Superior
Tribunal de Justiça haure-se que:
DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL. CONTRATO
DE FACTORING. CESSÃO DE CRÉDITO PRO SOLUTO. ARTS. 295 E 296 DO
CÓDIGO CIVIL. GARANTIA DA EXISTÊNCIA DO CRÉDITO CEDIDO. DIREITO DE REGRESSO DA FACTORING
RECONHECIDO.
1. Em regra, a empresa de factoring
não tem direito de regresso contra a faturizada - com base no inadimplemento
dos títulos transferidos -, haja vista que esse risco é da essência do contrato
de factoring. Essa impossibilidade de regresso decorre do fato de que a
faturizada não garante a solvência do título, o qual, muito pelo contrário, é
garantido exatamente pela empresa de factoring.
2. Essa característica, todavia, não
afasta a responsabilidade da cedente em relação à existência do crédito, pois
tal garantia é própria da cessão de crédito comum - pro soluto. É por
isso que a doutrina, de forma uníssona, afirma que no contrato de factoring
e na cessão de crédito ordinária, a faturizada/cedente não garante a solvência
do crédito, mas a sua existência sim. Nesse passo, o direito de regresso da factoring
contra a faturizada deve ser reconhecido quando estiver em questão não um mero
inadimplemento, mas a própria existência do crédito.
3. No caso, da moldura fática
incontroversa nos autos, fica claro que as duplicatas que ensejaram o processo
executivo são desprovidas de causa - `frias´ -, e tal circunstância
consubstancia vício de existência dos créditos cedidos - e não mero
inadimplemento -, o que gera a responsabilidade regressiva da cedente perante a
cessionária.
4. Recurso especial provido (REsp
1289995/PE, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 20/02/2014).
Portanto, conclui-se ser possível perscrutar
a responsabilidade dos faturizados pelas cambiais repassadas à faturizadora,
desde que demonstrada a inexistência de lastro eficaz para emissão dos títulos.
Dito isto, denoto que na inicial, a Elo Fomento Mercantil Ltda. assentou que "diante da inércia da requerida em recomprar
os títulos negociados ou ainda aqueles que apresentaram
vícios de origem, a requerente, vem por meio desta, cobrar
judicialmente os títulos abaixo descritos, conforme verifica-se pelos Termos
Aditivos que seguem anexo" (fl. 04 - grifei).
Contudo, em que pese tal assertiva, deixou de
esquadrinhar devidamente quais as cártulas, e em que circunstâncias se deram os
"vícios de origem" alegadamente suscitados, pairando sua
dedução na mera ambiguidade, dado o semântico apontamento de que "não
recomprou os títulos ou apresentaram vícios" (grifei).
Neste contexto convém destacar, a propósito, que nos termos do art. 333 do
Código de Processo Civil, à autora incumbe a prova dos fatos constitutivos de
seu direito, ao passo que a ré cabe a prova dos fatos extintivos, modificativos
e impeditivos do direito daquela.
Para Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart,
A produção de prova não é
um comportamento necessário para o julgamento favorável. Na verdade, o ônus da
prova indica que a parte que não produzir prova se sujeitará ao risco de um
resultado desfavorável. Ou seja, o descumprimento desse ônus não implica,
necessariamente, um resultado desfavorável, mas no aumento do risco de um
julgamento contrário, uma vez que, como precisamente adverte PATTI, uma
certa margem de risco existe também para a parte que produziu a prova (Manual
do Processo de Conhecimento, 4. ed., Editora: RT, 2005, p. 266).
Ao
abordar o tema, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, apregoam que:
Não existe obrigação que corresponda ao descumprimento do
ônus. O não atendimento do ônus de provar coloca a parte em desvantajosa
posição para a obtenção do ganho de causa. A produção probatória, no tempo e na
forma prescrita em lei, é ônus da condição de parte.
[...] o ônus da prova é regra de juízo, isto é, de
julgamento, cabendo ao juiz, quando da prolação da sentença, proferir
julgamento contrário àquele que tinha o ônus da prova e dele não se
desincumbiu. O sistema não determina quem deve fazer a prova, mas sim quem
assume o risco caso não se produza (Código de Processo Civil comentado e
legislação extravagante, 10. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2008, p. 608).
Nesta esteira de
raciocínio, Moacyr Amaral dos Santos leciona que:
Como a
simples alegação não é suficiente para formar a convicção do juiz (allegatio
et non probatio quasi non allegatio), surge a imprescindibilidade da prova
da existência do fato. E dada a controvérsia entre autor e réu com referência
ao fato e às suas circunstâncias, impondo-se, pois, prová-lo e prová-las,
decorre o problema de saber a quem incumbe dar a sua prova. A quem incumbe o
ônus da prova? Esse é o tema que se resume na expressão ônus da prova (Primeiras
Linhas do Direito Processual Civil, Editora: Saraiva, 17ª ed., 1995, v. 2, p.
343/344).
E Humberto Theodoro Júnior acentua que:
Quanto ao ônus da prova, a
ação monitória não apresenta novidade alguma. Prevalecem as regras gerais do
art. 333 do Código de Processo Civil, ou seja, ao autor compete provar o fato
constitutivo de seu direito e ao réu incumbe a prova do fato impeditivo,
modificativo ou extintivo daquele direito.
A prova a cargo do autor
tem de evidenciar, por si só, a liquidez, certeza e exigibilidade da obrigação,
porque o mandado de pagamento a ser expedido liminarmente tem de individuar a
prestação reclamada pelo autor e não haverá oportunidade para o credor
completar a comprovação do crédito e seu respectivo objeto. Além disso, o mandado
de pagamento só pode apoiar-se em obrigação cuja existência não reclame
acertamento ulterior e cuja atualidade já esteja adequadamente comprovada
(Curso de Direito Processual Civil. 43 ed. Rio de Janeiro: Forense. p.
338-340).
No caso em prélio, constato que inexiste
qualquer elemento capaz de justificar a ocorrência de ilicitude na emissão dos
títulos, ônus que, nos termos do art. 333, inc. I, do Código de Processo Civil,
incumbia à insurgente.
Além disso, a revelia dos réus
Aviplast-Indústria, Comércio e Representações Ltda. e Acle Abdala José não
induz necessariamente o acolhimento da assertiva lançada pela autora, de que
parte das cambiais apresentam vícios, pois não foi apontado especificamente
quais seriam estas
nulidades, revelando-se ser pura dedução genérica.
Gize-se que a petição inicial é a peça vestibular do
processo, por meio da qual a atividade jurisdicional é provocada. Nela são
fixados os limites e contornos da lide, e onde a autora, portanto, deveria ter
externado adequada e especificadamente a sua pretensão.
Por conta disso, o art. 282 do Código de Processo Civil
estatui que, além de outros requisitos, a exordial indicará os fatos e
fundamentos jurídicos do pleito, bem como o pedido, com as suas especificações.
A propósito, discorrendo sobre o tema, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de
Andrade Nery apregoam que:
O direito em si, em tese e abstratamente considerado, não
pode ser o fundamento imediato do pedido: afirmar-se ser titular de um direito
não é suficiente para justificar o ingresso em juízo, pois é necessário que se
diga o motivo pelo qual (fundamentos de fato) o direito está ameaçado ou
violado. Por isso é que a causa de pedir imediata (próxima) são os fundamentos
de fato, vale dizer, o que imediatamente motivou o autor a deduzir sua
pretensão em juízo (Código de Processo Civil Comentado. 10. ed. rev. ampl. e
atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 550).
Desta
forma, a leitura da peça portal não permite concluir sequer qual a causa de
pedir, pois deduzida de forma genérica, atraindo para o caso a inarredável assertiva de
que as cambiais permanecem intatas.
Assim, estando hígidos os títulos, deve
igualmente permanecer íntegra a responsabilidade da faturizadora em suportar a
inadimplência das aventadas cártulas, risco que, como dito, é inerente a
prática de factoring, a qual encontra no deságio justamente a
remuneração para tal periclitação.
Neste sentido, dos arestos de nossa Corte
colhe-se que:
APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO.
CONTRATO DE FOMENTO MERCANTIL. PRETENSÃO DIRECIONADA CONTRA A CLIENTE-CEDENTE.
SENTENÇA QUE ACOLHE A PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM.
REBELDIA DA FACTORING. CLÁUSULA DE RECOMPRA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA
DE DIREITO DE REGRESSO ANTE A NATUREZA DA OPERAÇÃO. EVENTUAL INADIMPLEMENTO
DEVE SER EXIGIDO DO DEVEDOR ORIGINÁRIO. "O objetivo principal de uma
sociedade de factoring consiste na compra de direitos oriundos do
faturamento de uma empresa - denominada cedente - a qual se formaliza por um
instrumento de cessão de crédito pro soluto, em caráter definitivo, sem
a criação, portanto, de obrigações passivas, ou seja, exigibilidades para a
cedente. Desse modo, a transferência dos títulos representativos dos direitos
creditórios para a empresa de fomento - o factor - se dá mediante
endosso pleno em preto, ficando o cedente responsável tão-somente pela
existência do crédito, ao tempo da cessão, sem a subsistência de qualquer
vinculação com a obrigação que deu origem aos títulos" (RHC n.
6394/RS, j. 9-6-1997). VÍCIO DOS TÍTULOS. INOVAÇÃO RECURSAL. TESE NÃO
CONHECIDA. RECURSO EM PARTE CONHECIDO E DESPROVIDO (Apelação Cível n.
2012.075701-0, de Itajaí, rel. Des. Subst. Altamiro de Oliveira, j.
11/03/2014).
Bem como:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. FACTORING.
CONDIÇÕES DA AÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. CONTRATO DE FACTORING FIRMADO
ENTRE AS PARTES. AQUISIÇÃO DE DUPLICATAS MERCANTIS POR PARTE DA FATURIZADORA
(AUTORA). INADIMPLEMENTO DOS DEVEDORES. REGRESSO CONTRA A FATURIZADA E SEUS
GARANTES (REQUERIDOS). IMPOSSIBILIDADE. INCOMPATIBILIDADE COM A NATUREZA DO
PACTO FIRMADO ENTRE AS PARTES. PRÁTICA INCOMPATÍVEL COM A ATIVIDADE DE FOMENTO
MERCANTIL. RISCO ASSUMIDO PELA FATURIZADORA EM RAZÃO DO DESÁGIO PAGO AO
ADQUIRIR AS CÁRTULAS. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA EMPRESA FATURIZADA E DOS
GARANTES. PEDIDO JURIDICAMENTE IMPOSSÍVEL. É cediço que em um contrato de factoring
a faturizadora adquire o crédito da faturizada originário de uma compra e venda
a prazo ou de prestação de serviços, assumindo os riscos do inadimplemento
desta obrigação, sendo remunerada por uma taxa, comissão ou percentual firmado
entre as partes. Ou seja, a assunção do risco é inerente ao negócio jurídico
existente entre as partes. Em razão disso, mesmo que presente cláusulas que
autorizem e/ou obriguem a recompra dos títulos em caso de inadimplemento, como
no presente caso, tais condições não podem ser opostas à parte faturizada, sob
pena de desnaturar o negócio jurídico havido entre partes, ou seja, torná-lo
nulo (Apelação Cível n. 2013.078695-9, de Joinville, rel. Des. Subst. Guilherme
Nunes Born, j. 28/08/2014).
De outro vértice, constato que tanto a
cláusula de recompra, quanto a almejada responsabilização solidária do fiador,
não condizem com a pretensão encartada pela suplicante, porquanto, atribuir à
empresa de fomento mercantil o direito de regresso perante o cessionário - e
seu garantidor, devedor solidário -, nas hipóteses em que não lograr êxito na
cobrança das cambiais, seria igualar a atividade de factoring àquela
desempenhada exclusivamente pelas instituições bancárias - quando firmam
contrato para desconto de títulos -, o que é obstado pelo ordenamento jurídico
pátrio, já que não integram o Sistema Financeiro Nacional.
Nesse rumo, dos julgados do Superior Tribunal
de Justiça sobeja que:
COMERCIAL - `FACTORING´ -
ATIVIDADE NÃO ABRANGIDA PELO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL - INAPLICABILIDADE DOS
JUROS PERMITIDOS AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS.
I - O `FACTORING´ DISTANCIA-SE
DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA JUSTAMENTE PORQUE SEUS NEGÓCIOS NÃO SE ABRIGAM NO
DIREITO DE REGRESSO E NEM NA GARANTIA REPRESENTADA PELO AVAL OU ENDOSSO. DAI
QUE NESSE TIPO DE CONTRATO NÃO SE APLICAM OS JUROS PERMITIDOS AS INSTITUIÇÕES
FINANCEIRAS. E QUE AS EMPRESAS QUE OPERAM COM O `FACTORING´ NÃO SE
INCLUEM NO AMBITO DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.
II - O EMPRÉSTIMO E O DESCONTO DE
TÍTULOS, A TEOR DE ART. 17, DA LEI 4.595/64, SÃO OPERAÇÕES TÍPICAS, PRIVATIVAS
DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS, DEPENDENDO SUA PRÁTICA DE AUTORIZAÇÃO
GOVERNAMENTAL.
III - RECURSO NÃO CONHECIDO (REsp
119.705/RS, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 07/04/1998).
Na mesma linha:
AGRAVO REGIMENTAL - AÇÃO DECLARATÓRIA
- NULIDADE DE NOTAS PROMISSÓRIAS - EMPRESA DE FACTORING - REALIZAÇÃO DE
EMPRÉSTIMOS E DE DESCONTO DE TÍTULOS COM GARANTIA DE DIREITO DE REGRESSO -
IMPOSSIBILIDADE - PRÁTICA PRIVATIVA DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS INTEGRANTES DO
SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL - PRECEDENTES DESTA CORTE - INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO
N. 83 DA SÚMULA/STJ - ADEMAIS, ENTENDIMENTO OBTIDO DA ANÁLISE DO CONJUNTO
FÁTICO-PROBATÓRIO - REEXAME DE PROVAS - ÓBICE DO ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA/STJ -
MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA - AGRAVO IMPROVIDO (AgRg no Ag 1071538/SP, rel.
Min. Massami Uyeda, j. 03/02/2009).
Donde nosso Areópago não destoa:
APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS À EXECUÇÃO -
DUPLICATAS - FACTORING. TÍTULOS EXECUTIVOS QUE COMPORTAM OS REQUISITOS
LEGAIS, NÃO HAVENDO QUE SE FALAR EM AUSÊNCIA DE EXEQUIBILIDADE - PREENCHIMENTO
DOS PRESSUPOSTOS DO ART. 2º, DA LEI 5.474/68. AVALISTA - ILEGITIMIDADE PASSIVA
RECONHECIDA - INVIÁVEL A PRESTAÇÃO DE GARANTIA NO CONTRATO DE FACTORING.
"Nada tem a reclamar o factor se não recebe o crédito adquirido,
desde que existente, o mesmo quando da sua transferência. Pela formação do factoring,
por sua natureza e história, não podendo voltar-se o facturizador contra o
vendedor do crédito, se não há vício em sua origem ou formação, garantia
nenhuma pode tomar deste. Não é válida a fiança, e muito menos admite-se o
aval no endosso. Inteiramente sem efeito garantias reais, como a hipoteca ou
o penhor" (RIZZARDO, Arnaldo. Contratos e Obrigações Comerciais,
Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1990, p. 91). [...] Recurso conhecido e
parcialmente provido (Apelação Cível n. 2007.006670-0, de Pinhalzinho, rel.
Des. Subst. Guilherme Nunes Born, j. 21/10/2011 - grifei).
E, ainda,
APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO.
TÍTULOS NEGOCIADOS EM OPERAÇÃO DE FACTORING INSOLVENTES. NULIDADE
DAS GARANTIAS CONTRATUAIS PRESTADAS (AVAL, FIANÇA PESSOAL E CLÁUSULA
DE RECOMPRA). CONTRATO DE DESCONTO DE TÍTULOS. ATIVIDADE EXCLUSIVA DE
INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SUCUMBÊNCIA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO
(Apelação Cível n. 2012.076052-9, de Joinville, rel. Des. Lédio Rosa de
Andrade, j. 20/11/2012 - grifei).
Por derradeiro, em arremate:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA DE
DUPLICATAS MERCANTIS. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. IRRESIGNAÇÃO DA SOCIEDADE
EMPRESÁRIA AUTORA. CÁRTULAS NEGOCIADAS POR MEIO DE CONTRATO DE FOMENTO
MERCANTIL (FACTORING). PRETENSÃO DIRECIONADA CONTRA A CLIENTE-CEDENTE.
CLÁUSULA DE RECOMPRA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE DIREITO DE REGRESSO ANTE A
NATUREZA DA OPERAÇÃO. EVENTUAL INADIMPLEMENTO DEVE SER EXIGIDO DO DEVEDOR
ORIGINÁRIO. As tais `cláusulas de recompra´ transformam o negócio em
verdadeiro desconto bancário, o qual é privativo das instituições bancárias, e
como a factoring não integra o Sistema Financeiro Nacional, não está
autorizada a realizar empréstimos, menos ainda na modalidade `desconto´.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO (Apelação Cível n. 2010.045445-5, de Criciúma,
rel. Des. Subst. Altamiro de Oliveira, j. 08/10/2013).
Dessarte,
pronuncio-me no sentido de conhecer do recurso, todavia negando-lhe provimento.
É como penso. É como voto.

Disponível em: (http://app6.tjsc.jus.br/cposg/pcpoSelecaoProcesso2Grau.jsp?cbPesquisa=NUMPROC&dePesquisa=20110274551&Pesquisar=Pesquisar#).
Acesso em: 21/jan/2015.
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