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quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Sexo explícito e cinema (Luís Antônio Giron)

28/11/2013 09h27 - Atualizado em 28/11/2013 11h06

Sexo explícito e cinema

Por que obras como o filme "Azul é a cor mais quente", com suas cenas de lesbianismo, ainda chocam o público - e os atores

LUÍS ANTÔNIO GIRON
O sexo continua a fazer sucesso de escândalo no cinema – e, pelo jeito, nunca irá sair de cena. Os exemplos recentes são dois. Circula pelas redes sociais o trailer oficial do filme Ninfomaníaca, do cineasta dinamarquês Lars von Trier, protagonizado por Charlotte Gainsbourgh. Mostra cenas de sexo da protagonista, uma ninfomaníaca que narra suas aventuras com parceiros negros e brancos, masculinos e femininos, em dupla ou em grupo. O vídeo foi banido do Youtube por conter, segundo o site, “cenas de sexo explícito”. O filme não precisava de melhor promoção. Estreia no Brasil em 10 de janeiro e posso garantir que o público irá comparecer às salas de cinema, fazendo ar sério e intelectual para ver Charlotte fazer o diabo.
O segundo exemplo é o longa-metragem Azul é a cor mais quente (versão idiota macaqueada dos Estados Unidos que desconsidera o título original francês, La vie d’Adèle), dirigido pelo franco-argelino Abdellatif Kechiche e estrelado por  Adèle Exarchopoulos no papel-título e Léa Seydoux como Emma. O filme ganhou em maio a Palma de Ouro de Cannes e causou escândalo tanto por uma cena de sexo de seis minutos entre as duas protagonistas (uma delas, Adèle, menor de idade, na vida real e no filme) como pela reclamação que as atrizes fizeram do diretor durante o festival. Segundo elas, Abdel, como é conhecido, tratou-as como “prostitutas” e impôs que elasrepetissem a cena de sexo incessantemente. “Ele é genial, mas é um sádico”, disse Léa Seydoux. A reclamação não parece ser um golpe publicitário, até porque Adèle recuou depois que o filme se consagrou – e agora chama o diretor de gênio. O filme, que entrou em cartaz na Europa em outubro e estreia no Brasil dia 6 de dezembro, já está fazendo furor. Traz de fato cenas fortes de lesbianismo, embora a intenção do diretor seja mais “nobre”: seguir os passos de uma menina na França contemporânea que descobre a sexualidade e precisa lidar com o mundo real, ainda feito de tabus e disfarces.
Por que os chamados filmes de arte continuam a causar sensação, se o ato sexual aparentemente se banalizou? Afinal, clicar em um site pornográfico e assistir a cenas de sexo é um ato que já se tornou cotidiano. Quem nunca? É a coisa mais fácil e mais disponível do mundo. Milhões de sites desse tipo enxameiam na internet. Qual a razão da força maior que o sexo tem na obra de arte?
Não vou entrar no debate moralista, porque estamos em pleno século XXI. É ocioso abordar a tolerância do espectador. Ou mesmo a tolerância dos atores. Lamento que Léa Seydoux tenha se chocado ao ver as cenas de sexo de que participa, sendo ela uma atriz, talvez imatura para ter entrado na proposta de Abdel. Vou me cingir apenas à questão da arte e do sexo explícito.
Alguns dirão que o sexo na arte é explícito para elevar a sensibilidade do espectador e não para excitar o seu baixo-ventre.  Acho sa afirmação duvidosa. Até mesmo a expressão “sexo explícito” é um eufemismo que dá nobreza à utilização da pornografia em obras de arte. O sexo não é explícito, o sexo é sexo. Pode ser para valer ou simulado, mas é sexo. Abdel, Léa e Adèle juram que as cenas foram simuladas. Não consegui descobrir, pois existe um limite tênue entre fingir e fazer, especialmente em cenas de amor. Sexo não se resume no ato propriamente dito, ele começa antes e termina depois. Há duas diferenças entre um filme pornográfico e um de arte: os pornográficos não tem arte, são realizados com o objetivo único de excitar o espectador; os filmes de arte também querem excitar o espectador, mas o fazem com beleza, encanto e ambiguidade. É difícil distinguir verdade e simulação em um filme artístico – e este é o jogo que potencializa os sentidos e excita tanto o corpo como  principalmente a imaginação. Daí os filmes artísticos serem chamados de eróticos em vez de pornográficos. Erotismo não é um termo nobre nem um eufemismo. Em arte, o erotismo não atenua o tal sexo explícito, que é o sexo. Na verdade, potencializa-o.
Artistas lançam mão de todo os recursos que tem a seu dispor. Sexo, explícito ou não, é um desses elementos encontráveis no mundo. A arte trabalha com a matéria bruta. O que importa não é o tema abordado nem o material disponível, e sim no produto resultante. Lembro do impacto que o público sentiu ao ver Império dos sentidos (1976), do cineasta japonês Nagisa Oshima, também ele vencedor de Cannes. Os casal de atores, Tatsuya Fuji e Eiko Matsuda, passa quase o filme inteiro fazendo sexo de verdade, com cenas de perversão. Mas até nesse filme radical – e maravilhoso – a simulação se faz presente. Oshima mostrou que atores podem atuar quando estão fazendo sexo. Porque o sexo é apenas uma parte do espetáculo. A atuação, a simulação, a máscara, tudo isso se sobrepõe à crueza de um ato sexual. O cinema de arte usa o 'pornô' (melhor dizendo, o sexo propriamente dito) para amplificar o efeito. É uma maneira de aumentar o poder da imagem.
Se, como afirmam os psicanalistas, o cérebro é o mais poderoso órgão sexual humano, então a arte sempre parecerá pornográfica aos preconceituosos. Arte e erotismo e arte e sexo são sinônimos.
Luís Antônio Giron escreve às quintas-feiras
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Disponível em: (http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/luis-antonio-giron/noticia/2013/11/bsexob-explicito-na-arte.html).

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