4novembro2013
PROCESSO NOVO
Câmara deve rever 'prequestionamento ficto' no CPC
Por
sugestão de alguns leitores, volto a tratar, no texto desta segunda-feira
(4/11), da configuração do prequestionamento, para fins de cabimento de
recursos extraordinário e especial, à luz das variações recentes da
jurisprudência dos tribunais superiores.[1]
O
debate sobre o tema é importante, também, porque há, no projeto do novo Código
de Processo Civil, dispositivo específico, a respeito.
O
Supremo Tribunal Federal ensaia abandonar o entendimento, antes pacífico, no
sentido de que a oposição de embargos de declaração contra a decisão proferida
pelo tribunal de origem supriria a ausência de prequestionamento explícito.
Trata-se daquilo que se convencionou chamar de “prequestionamento ficto”.
Sabe-se
que, para que se considere prequestionada a questão de direito constitucional
ou federal, deve o tema ter sido examinado na decisão que se pretende impugnar,
por recurso extraordinário ou especial. Caso, embora suscitada previamente
pelas partes, haja omissão a respeito da questão, devem ser opostos embargos de
declaração.
Até
aqui, são uniformes os orientações jurisprudenciais dominantes, no Supremo
Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça.
As
divergências começam quanto aos fundamentos do recurso, quando rejeitados os
embargos de declaração, sem que seja suprida a omissão.
Prevalece,
na jurisprudência do STJ, a orientação no sentido de que, rejeitados embargos
de declaração, não poderá o recurso especial versar sobre a questão federal não
examinada no tribunal de origem, devendo a parte alegar, em seu recurso,
violação ao artigo 535, inciso II do Código de Processo Civil.
Essa
orientação, consolidada na Súmula 211 do Superior Tribunal de Justiça,[2] significou
um afastamento do que o Supremo Tribunal Federal vinha decidindo até então, com
base no que dispõe em sua Súmula 356:[3] opostos embargos de declaração,
considera-se prequestionada a questão, ainda que não suprida a omissão pelo
tribunal local.[4] Ambos os tribunais reconhecem a existência de tal
divergência.[5]
Penso
que há, aí, um grande problema: embora tenham objetos distintos, o sentido dos
artigos 102, inciso III e 105, inciso III da Constituição é o mesmo. É
inadmissível, diante disso, que os tribunais superiores adotem orientações distintas,
a respeito da configuração do prequestionamento.
Esse
estado de coisas, contudo, parece estar se modificando gradativamente.
Nos
últimos anos, alguns julgados proferidos pelo STF têm se afastado da orientação
que, antes, era pacífica, nesse tribunal, não mais admitindo o denominado
“prequestionamento ficto".[6]
Os
julgados que se posicionam nesse sentido, contudo, não deixam claras as razões
dessa aparente viragem jurisprudencial.
Consideramos
isso importante: cumpre ao Supremo Tribunal Federal deixar claro se está, ou
não havendo o abandono da orientação outrora pacífica, no sentido da
admissibilidade do “prequestionamento ficto”, bem como justificar os porquês da
mudança de orientação. O atual estado de coisas cria um injustificável ambiente
de insegurança jurídica.
De
todo modo, temos o indicativo de que o Supremo está fazendo uma releitura do
entendimento antes firmado, à luz da Súmula 356, aproximando-se da orientação
consolidada na Súmula 211 do STJ.[7]
O
projeto do novo Código de Processo Civil, ao tratar do tema, optou pelo
entendimento outrora pacífico, no Supremo Tribunal Federal: “Consideram-se
incluídos no acórdão os elementos que o embargante pleiteou, para fins de
prequestionamento, ainda que os embargos de declaração não sejam admitidos,
caso o tribunal superior considere existentes omissão, contradição ou
obscuridade”.[8]
Tal
redação foi formulada no início do ano de 2010, época em que ainda não se
esperava que a jurisprudência do STF viesse a cambiar, a respeito.
Hoje,
contudo, à luz da viragem jurisprudencial referida, considero que a Câmara dos
Deputados deveria rever a redação do dispositivo que trata do tema, no projeto
do novo CPC.[9]
Até
a próxima semana!
[1] A respeito, cf. o que escrevi no livro Prequestionamento
e repercussão geral (6. ed., Ed. Revista dos Tribunais, 2012).
Inevitavelmente, algumas das ideias antes lançadas, a respeito, na presente
coluna, acabam sendo transpostas para o presente texto.
[2] “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a
despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a
quo” (STJ, Súmula 211).
[3] “O ponto omisso da decisão, sobre o
qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso
extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento” (STF, Súmula 356).
[4] Aludindo ao referido enunciado, Alfredo
Buzaid, em decisão exarada em 1983, expôs que “através dos embargos
declaratórios se prequestiona no Tribunal de origem a questão federal, a qual
fica, portanto, ventilada, independentemente da solução dada”,
concluindo, a seguir, que “o princípio dominante é, pois, que o recurso
extraordinário deve versar sobre questão que foi oportunamentesuscitada e
defendida nas instâncias ordinárias” (Revista Trimestral de
Jurisprudência, vol. 109, p. 303). Segundo essa orientação, assim, “o que,
a teor da Súmula 356, se reputa carente de prequestionamento é o ponto que,
indevidamente omitido pelo acórdão, não foi objeto de embargos de declaração;
mas, opostos esses, se, não obstante, se recusa o tribunal a suprir a omissão,
por entendê-la inexistente, nada mais se pode exigir da parte,
permitindo-se-lhe, de logo, interpor recurso extraordinário sobre a matéria dos
embargos de declaração e não sobre a recusa, no julgamento deles, de
manifestação sobre ela” (STF, RE 210638, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1.ª T.,
j. 14/04/1998). Mais recentemente, no julgamento do AI 591391 AgR (rel. Min.
Ellen Gracie, 2.ª T., j. 10/03/2009), decidiu o STF que “a rejeição dos
embargos de declaração não impede a apreciação, neste Tribunal, da matéria
constitucional omitida pelo aresto atacado”.
[5] Decidiu o STF que “a recusa do órgão julgador em suprir
omissão apontada pela parte através da oposição pertinente dos embargos
declaratórios não impede que a matéria omitida seja examinada pelo STF, como
decorre a fortiori da Súmula 356, que é aplicável tanto ao recurso
extraordinário, quanto ao recurso especial, a despeito do que estabelece a
Súmula 211 do STJ” (STF, AI 317281 AgR, rel.Min. Sepúlveda Pertence, 1.ª T., j.
28/06/2001). No STJ, por sua vez, assim se decidiu: “A matéria versada nos
artigos apontados como violados no recurso especial não foi objeto de debate
pelas instâncias ordinárias, sequer de modo implícito, e embora opostos
embargos de declaração com a finalidade de sanar omissão porventura existente,
não foi indicada a contrariedade ao art. 535 do Código de Processo Civil,
motivo pelo qual, ausente o requisito do prequestionamento, incide o disposto
na Súmula nº 211 do STJ. O Supremo Tribunal Federal, diferentemente desta Corte
Superior, adota o chamado ‘prequestionamento ficto’, ou seja, considera
prequestionada a matéria pela simples oposição de embargos declaratórios, ainda
que eles sejam rejeitados, sem nenhum exame da tese constitucional, bastando
que essa tenha sido devolvida por ocasião do julgamento” (STJ, AgRg no AREsp
265.139/DF, rel.Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3.ª T., j. 28/05/2013).
[6] Cf., dentre outros, os seguintes julgados: “O requisito do
prequestionamento é indispensável, por isso que inviável a apreciação, em sede
de recurso extraordinário, de matéria sobre a qual não se pronunciou o Tribunal
de origem. A simples oposição dos embargos de declaração, sem o efetivo debate
acerca da matéria versada pelos dispositivos constitucionais apontados como
malferidos, não supre a falta do requisito do prequestionamento, viabilizador
da abertura da instância extraordinária” (STF, RE 661521 ED, rel. Min. Luiz
Fux, 1ª T., j. 17.04.2012); “O requisito do prequestionamento obsta o
conhecimento de questões constitucionais inéditas. Esta Corte não tem procedido
à exegese a contrario sensu da Súmula STF 356 e, por consequência, somente
considera prequestionada a questão constitucional quando tenha sido enfrentada,
de modo expresso, pelo Tribunal a quo. A mera oposição de embargos
declaratórios não basta para tanto. Logo, as modalidades ditas implícita e
ficta de prequestionamento não ensejam o conhecimento do apelo extremo” (STF,
ARE 678139 AgR, rel. Min. Rosa Weber, 1.ª T., j. 06/08/2013).
[7] Na obra antes citada, defendo que a
orientação firmada na Súmula 211 do STJ mais se ajusta à norma constitucional,
defendendo o abandono da tese do “prequestionamento ficto”.
[8] Art. 979 da versão aprovada no
Senado, correspondente ao art. 1.038 da versão ora em discussão na
Câmara dos Deputados.
[9] O projeto de novo CPC está em debate, no Plenário da
Câmara dos Deputados (cf. mais informações aqui).
José Miguel
Garcia Medina é doutor em Direito, advogado, professor e membro
da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do
anteprojeto de Código de Processo Civil. Acompanhe-o noTwitter, no Facebook e em seu blog.
Revista Consultor Jurídico, 4 de novembro de 2013
(http://www.conjur.com.br/2013-nov-04/processo-camara-rever-prequestionamento-ficto-cpc).
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