publicado em 20 de setembro de 2013 às 10:36
Assim como os réus da Ação Penal 470, mais uma vítima do escrachado partidarismo político da Procuradoria-Geral da República (PGR) nos últimos oito anos.
Em 2012, teve o seu nome aprovado por todos os líderes da Câmara dos Deputados para um segundo mandato como conselheiro do CNMP.
O então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, fez de tudo para impedir a sua aprovação. Até telefonar para parlamentares.
Depois de seis meses de absurda campanha difamatória e perseguição implacável dentro do próprio CNMP, a verdade prevaleceu, Moreira ganhou.
“Nem o Ministério Público Federal nem o Supremo Tribunal conseguiram provar as acusações”, afirma o professor Luiz Moreira. ”Foi um julgamento viciado, absolutamente de exceção.”
“O método de trabalho proposto pelo ministro-relator trouxe claro prejuízo aos direitos fundamentais do acusados, gerando consequências danosas às liberdades no Brasil e ao primado dos direitos fundamentais”, denuncia.
“Além disso, ao definir as penas, os magistrados se pautaram por critérios ideológicos e não por razões jurídicas. Assim, em vez de avançarmos na garantia dos direitos fundamentais, regredimos com o julgamento da Ação Penal 470.”
“É importante que se tenha a clareza de que o Supremo Tribunal Federal legitimou todas as ditaduras brasileiras. Seja a ditadura Vargas, seja a ditadura militar”, observa. ”Tanto que todos os ministros contrários à ditadura, como o ministro Evandro Lins e Silva, foram aposentados compulsoriamente. E os demais ministros, em vez de serem solidários a eles, foram solidários ao regime militar.”
Segue a nossa entrevista na íntegra. Conversei com o professor Luiz Moreira antes e depois do voto do ministro Celso de Mello sobre os embargos infringentes.
Viomundo – Em seu voto sobre os embargos infringentes, o ministro Celso de Mello disse que “os julgamentos do Supremo Tribunal Federal, para que sejam imparciais, isentos e independentes, não podem expor-se a pressões externas, como aquelas resultantes do clamor popular e das pressões das multidões, sob pena de completa subversão do regime constitucional dos direitos e das garantias fundamentais”. Isso sinaliza mudança no julgamento do mensalão?
Luiz Moreira – Deveria significar, mas receio que não vá acontecer. Os equívocos cometidos no julgamento da Ação Penal 470 são tantos que subverteram o papel desempenhado pelo Judiciário no Ocidente.
Viomundo – Também em seu voto Celso de Mello explicou de modo cristalino, sem deixar qualquer dúvida, a legalidade dos votos infringentes. Por que Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Luiz Fux e Cármen Lúcia fizeram parecer que era uma questão extremamente complexa?
Luiz Moreira — É uma questão tranquila, pacífica, como bem mostrou o ministro Celso de Mello. Só se tornou controversa porque o julgamento da Ação Penal 470 é absolutamente midiático.
Viomundo – No Direito, existe um princípio básico: “o réu é inocente até que se prove o contrário”. No julgamento da AP 470, todos os réus já foram considerados culpados de cara, sem provas. E, aí?
Luiz Moreira — Na estrutura ocidental, nós temos as instituições majoritárias, o poder político. São essas instituições que aferem a vontade da população. Os desejos da população são materializados pelas políticas públicas elaboradas pelo Executivo e pelas leis do Legislativo.
Viomundo – Em que sentido?
Luiz Moreira – Baseado no primado da presunção da inocência, ou seja, todo réu é considerado inocente até que o acusador demonstre o contrário.
Viomundo – Mas nem o Ministério Público nem o STF comprovaram as acusações.
Luiz Moreira – Isso mesmo. É que o STF transformou a Ação Penal 470 num silogismo, devido ao método que utilizou no julgamento.
Viomundo – No que exatamente o julgamento da AP 470 difere de outros julgamentos no STF?
Luiz Moreira — Primeiro, pelo método. O método trouxe claro prejuízo aos direitos fundamentais do acusados, gerando consequências danosas às liberdades no Brasil e ao primado dos direitos fundamentais.

Luís Moreira — Era, era.
Viomundo — Não é mais no Direito ou na AP 470?
Luiz Moreira – Na AP 470. O problemático da denúncia da Procuradoria Geral da República ao Supremo Federal é que ela é uma peça fictícia . Ela assume ares de texto literário. Ela vai gerando dúvidas, colocando questões que são verossimilhantes. Parte da suposição de que aquilo é provável que aconteça, que tenha acontecido.
Viomundo – Verossimilhança, segundo o Dicionário do Houaiss, é “ligação, nexo, harmonia entre os fatos, ideias, etc, numa obra literária, ainda que os elementos imaginosos ou fantasiosos sejam determinantes no texto”.
Luiz Moreira – Isso mesmo! A denúncia da Procuradoria Geral da República ao Supremo Tribunal se utiliza de um método literário. Um argumento meramente ficcional.
Viomundo – Por que o julgamento é viciado?
Luiz Moreira – Primeiro: pela insuficiência na atuação do Ministério Público Federal. O Ministério Público Federal não comprovou as acusações que fez.
Viomundo – Mas o ministro-relator assumiu essa peça de ficção literária como se fosse verdadeira?
Luiz Moreira – Assumiu. E o método de trabalho proposto por ele é um método que favorece a acusação em detrimento da defesa.
Viomundo — Quer dizer que o Supremo acabou sendo conivente com esse processo todo?
Luiz Moreira — O Supremo Federal para mim hoje tem dois grupos, duas frentes.
Viomundo – Pelo contrário. O ministro Lewandowski foi achincalhado pelos colegas e pela mídia…
Luiz Moreira – Ele foi achincalhado exatamente por defender os direitos fundamentais de quem quer que seja.
Viomundo –Em alguns momentos desse julgamento eu me lembrei da ditadura civil-militar no Brasil…
Luiz Moreira – Ditadura que foi convalidada pelo Supremo Tribunal Federal. A tradição libertária do Supremo é muito recente. É importante que se tenha a clareza de que o Supremo Tribunal Federal legitimou todas as ditaduras brasileiras. Seja a ditadura Vargas, seja a ditadura militar.
Viomundo – Eu cheguei a acompanhar alguns depoimentos na Auditoria Militar, na Brigadeiro Luís Antônio. A defesa não tinha direito a nada, os presos muito menos ainda. O pacote já vinha pronto, e acabou. Nesse sentido, em vez de avançar, a gente regrediu com a AP 470.
Luiz Moreira – Você está certa. Regredimos, sim.
Viomundo — E agora, professor?
Luís Moreira – O nosso sistema jurídico está precisando de uma nova engenharia constitucional. Não é possível numa democracia que haja sobreposição do Judiciário sobre os poderes políticos – Legislativo e Executivo.
Luiz Moreira: STF legitimou todas as ditaduras brasileiras

O
ex-procurador-geral da República, Roberto Gurgel, fez de tudo para impedir a
aprovação de Luiz Moreira (de óculos) como Conselheiro do Conselho Nacional do
Ministério Público (CNMP). Ao lado dele, o Corregedor Nacional do Ministério
Público Alessandro Tramujas
por Conceição
Lemes
Luiz Moreira
é professor de Direito Constitucional e Conselheiro Nacional do
Ministério Público (CNMP), indicado pela Câmara dos Deputados.
Assim como os réus da Ação Penal 470, mais uma vítima do escrachado partidarismo político da Procuradoria-Geral da República (PGR) nos últimos oito anos.
Em 2012, teve o seu nome aprovado por todos os líderes da Câmara dos Deputados para um segundo mandato como conselheiro do CNMP.
O então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, fez de tudo para impedir a sua aprovação. Até telefonar para parlamentares.
Seus
“delitos”: criticar os desmandos corporativos do Ministério Público e cobrar
dos seus integrantes o mínimo de isenção pública.
Depois de seis meses de absurda campanha difamatória e perseguição implacável dentro do próprio CNMP, a verdade prevaleceu, Moreira ganhou.
Será isso
ainda possível para alguns réus da AP 470, o chamado mensalão?
“Nem o Ministério Público Federal nem o Supremo Tribunal conseguiram provar as acusações”, afirma o professor Luiz Moreira. ”Foi um julgamento viciado, absolutamente de exceção.”
“O método de trabalho proposto pelo ministro-relator trouxe claro prejuízo aos direitos fundamentais do acusados, gerando consequências danosas às liberdades no Brasil e ao primado dos direitos fundamentais”, denuncia.
“Além disso, ao definir as penas, os magistrados se pautaram por critérios ideológicos e não por razões jurídicas. Assim, em vez de avançarmos na garantia dos direitos fundamentais, regredimos com o julgamento da Ação Penal 470.”
“É importante que se tenha a clareza de que o Supremo Tribunal Federal legitimou todas as ditaduras brasileiras. Seja a ditadura Vargas, seja a ditadura militar”, observa. ”Tanto que todos os ministros contrários à ditadura, como o ministro Evandro Lins e Silva, foram aposentados compulsoriamente. E os demais ministros, em vez de serem solidários a eles, foram solidários ao regime militar.”
Segue a nossa entrevista na íntegra. Conversei com o professor Luiz Moreira antes e depois do voto do ministro Celso de Mello sobre os embargos infringentes.
Viomundo – Em seu voto sobre os embargos infringentes, o ministro Celso de Mello disse que “os julgamentos do Supremo Tribunal Federal, para que sejam imparciais, isentos e independentes, não podem expor-se a pressões externas, como aquelas resultantes do clamor popular e das pressões das multidões, sob pena de completa subversão do regime constitucional dos direitos e das garantias fundamentais”. Isso sinaliza mudança no julgamento do mensalão?
Luiz Moreira – Deveria significar, mas receio que não vá acontecer. Os equívocos cometidos no julgamento da Ação Penal 470 são tantos que subverteram o papel desempenhado pelo Judiciário no Ocidente.
Viomundo – Também em seu voto Celso de Mello explicou de modo cristalino, sem deixar qualquer dúvida, a legalidade dos votos infringentes. Por que Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Luiz Fux e Cármen Lúcia fizeram parecer que era uma questão extremamente complexa?
Luiz Moreira — É uma questão tranquila, pacífica, como bem mostrou o ministro Celso de Mello. Só se tornou controversa porque o julgamento da Ação Penal 470 é absolutamente midiático.
A tramitação
de matérias penais que se iniciam nos Tribunais Superiores é regida pela lei nº
8038, de 1990. Ela institui normas procedimentais para processos perante o
Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal.
O que a lei
8098/90 diz no seu artigo 12?
Finda a
instrução, o Tribunal procederá ao julgamento, na forma determinada pelo
regimento interno (Lei nº 8.038, de 28
de maio de 1990 ). Ou seja, a lei 8038/90 confere aos
tribunais superiores o poder de regulamentação.
Portanto, em
ações originárias nos tribunais superiores, a admissão dos embargos será regida
pelo regimento do tribunal. Ela remete a cada tribunal a responsabilidade de
resolver a questão.
E o que diz
o regimento do Supremo Tribunal Federal?
No seu
artigo 333, ele diz que cabem embargos infringentes em ações penais, desde que
existam quatro votos pela absolvição. Então, essa matéria do ponto de vista
jurídico é pacificada.
Além disso,
em 1998, apreciando projeto enviado pelo governo FHC, que revogava esse tipo de
recurso, a Câmara dos Deputados entendeu que os embargos infringentes deveriam
ser mantidos, para preservar os direitos fundamentais.
Qual é a
pressuposição do ordenamento jurídico no Brasil? É que o Supremo Tribunal
Federal é o tribunal que garante os direitos fundamentais.
E garantir
os direitos fundamentais – diz o regimento do Supremo — significa que, se em
uma ação penal houver quatro votos pela absolvição, esses réus fazem jus a um
novo julgamento. Isso ocorre para que se forme uma maioria consistente, de modo
que o Tribunal se posicione inequivocamente pela condenação dos réus.
Viomundo – No Direito, existe um princípio básico: “o réu é inocente até que se prove o contrário”. No julgamento da AP 470, todos os réus já foram considerados culpados de cara, sem provas. E, aí?
Luiz Moreira — Na estrutura ocidental, nós temos as instituições majoritárias, o poder político. São essas instituições que aferem a vontade da população. Os desejos da população são materializados pelas políticas públicas elaboradas pelo Executivo e pelas leis do Legislativo.
A função
mais importante do Judiciário não é decidir conforme a opinião publicada e as
pressões dos lobbies. O papel do Judiciário é ter uma função garantista,
decidindo à revelia das pressões.
Qual o papel
do Judiciário quando analisa ações penais? No mínimo, afere, exige comprovação
das teses levantadas pela acusação, se posicionando ao lado dos acusados.
Viomundo – Em que sentido?
Luiz Moreira – Baseado no primado da presunção da inocência, ou seja, todo réu é considerado inocente até que o acusador demonstre o contrário.
Por isso,
manda a tradição humanista do ocidente que se proceda à absolvição dos réus se
houver dúvidas sobre a sua culpabilidade, se não estiverem cabalmente
comprovadas as acusações.
Agora o que
é estranho, muito questionável nesse julgamento, é que o Supremo Tribunal ter
assumido posição idêntica à da acusação. Ou seja, o Ministério Público exigir
que os réus comprovassem a sua inocência, quando cabe ao acusador, no caso o
próprio Ministério Público, comprovar as acusações que fez.
Viomundo – Mas nem o Ministério Público nem o STF comprovaram as acusações.
Luiz Moreira – Isso mesmo. É que o STF transformou a Ação Penal 470 num silogismo, devido ao método que utilizou no julgamento.
O método
utilizado gera uma vinculação, uma ligação do antecedente ao consequente.
Assim, se você decidiu anteriormente de um modo, essa decisão obriga a uma
determinada conclusão.
Na Ação
Penal 470, a maioria dos ministros do STF se utilizou de estrutura silogística
num julgamento em que a estrutura é radicalmente diferente de uma estrutura
lógica, porque a estrutura lógica leva a conclusões.
Ocorre que
numa ação penal essas conclusões só podem ser tomadas se se comprovarem as
acusações. Portanto, é questão de fato não sujeita a exercícios
argumentativos, como fez o STF.
Diferentemente
de um silogismo, de uma conclusão lógica, em matéria penal as dúvidas não são
resolvidas argumentativamente. E as conclusões só podem ser tomadas, não por
dedução, como ocorre nos livros de ficção, mas a partir das provas produzidas.
O que não aconteceu nesse julgamento, que foi absolutamente de exceção.
Outro
exemplo. O ministro Lewandowski, quando se iniciou a fase dos embargos
declaratórios, demonstrou de forma muito clara, muito precisa, que as penas
conferidas aos réus extrapolam o que usualmente se faz no Supremo.
São penas
que foram estabelecidas com o claro propósito de se evitar a prescrição. Então,
as penas não foram estabelecidas segundo critérios jurídicos. Mas se chegaram a
elas a partir de uma postura ideológica pela condenação de A ou de B. E isso
torna o julgamento viciado.
Viomundo – No que exatamente o julgamento da AP 470 difere de outros julgamentos no STF?
Luiz Moreira — Primeiro, pelo método. O método trouxe claro prejuízo aos direitos fundamentais do acusados, gerando consequências danosas às liberdades no Brasil e ao primado dos direitos fundamentais.
Segundo,
esse julgamento estabeleceu que, ao definir a pena, os magistrados se pautaram
por critérios ideológicos e não por razões jurídicas.
Tanto assim
o é que, como demonstrou o ministro Lewandowski, houve aumento de 60% nas penas
em relação ao que usualmente se faz no Supremo – tanto nas câmaras quanto no
plenário.
Tanto que o
ministro Teori Zavascki disse que as penas da Ação Penal 470 são claramente
exacerbadas, ou seja, aos réus dessa ação se aplicaram penas mais severas do
que em outras ações penais.
E é o que
ocorreu na questão dos embargos infringentes. O regimento do Supremo é de
1980. E a lei 8038/90, de dez anos depois. E o Supremo Tribunal
Federal já fez 48 emendas no seu regimento.
Em duas
emendas, a 36 e a47, tratou especificamente dos embargos infringentes. Em ambas
o STF não apenas manteve os embargos, como especificou melhor em que condições
eles cabem.
A emenda
regimental 47, a última que tratou dos embargos infringentes, é de fevereiro de
2012. Já eram ministros do Supremo, Celso Mello, Gilmar Mendes, Marco Aurélio,
Joaquim Barbosa, Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Dias Tofolli.
E esses
ministros sem nenhum problema, sem nenhum questionamento, validaram a
existência dos embargos infringentes. Por que só agora houve questionamento aos
embargos infringentes?

Viomundo —
Eu imaginava que para se condenar uma pessoa eram necessárias provas. Só que
quanto mais eu faço reportagens sobre a AP 470, como o caso do Fundo de
Incentivo Visanet, constato que não foi assim. Em saúde/medicina,
que é principalmente a minha área, você tem de se pautar pelas evidências
científicas naquele momento. Guardadas as proporções, eu supunha que no Direito
era mesma coisa…
Luís Moreira — Era, era.
Viomundo — Não é mais no Direito ou na AP 470?
Luiz Moreira – Na AP 470. O problemático da denúncia da Procuradoria Geral da República ao Supremo Federal é que ela é uma peça fictícia . Ela assume ares de texto literário. Ela vai gerando dúvidas, colocando questões que são verossimilhantes. Parte da suposição de que aquilo é provável que aconteça, que tenha acontecido.
Viomundo – Verossimilhança, segundo o Dicionário do Houaiss, é “ligação, nexo, harmonia entre os fatos, ideias, etc, numa obra literária, ainda que os elementos imaginosos ou fantasiosos sejam determinantes no texto”.
Foi assim
que foi feita a denúncia do ex-procurador-geral Antônio Fernando de Souza e
aceita pelo ministro Joaquim Barbosa?
Luiz Moreira – Isso mesmo! A denúncia da Procuradoria Geral da República ao Supremo Tribunal se utiliza de um método literário. Um argumento meramente ficcional.
A estrutura
da argumentação utilizada é do seguinte tipo: é plausível que isso tenha
acontecido?; é plausível que as pessoas não tenham conhecimento disso ou
daquilo?
Como
consequência vai se gerando uma série de dúvidas em torno daquele assunto
conforme o argumento verossimilhante. É possível que o ministro da Casa Civil
soubesse. Não é possível que fulano não tenha tomado conhecimento. Não é possível
que isso não tenha ocorrido.
Então a
argumentação é toda baseada nisso. Como se fosse uma peça de ficção literária.
Esse estilo
não encontra guarida numa ação penal. Esse tipo argumentação é plausível na
esfera cível, quando vai se designar os tipos de culpa, para que fique
caracterizada a responsabilização civil, isto é, por negligência, imperícia,
imprudência.
Em matéria
penal não se discute culpa. Discute-se dolo. A diferença técnica é essa.
Para se
exigir condenar José Dirceu, por exemplo, não há que se verificar se é possível
que ele soubesse. Exigem-se provas que demonstrem cabalmente a participação
dele no crime apontado. Para ele e para todos os demais réus da AP 470.
Em matéria
penal é preciso demonstrar cabalmente todas as acusações. Mas, como a AP 470
foi feita como se fosse uma peça literária, levou o julgamento ao vício, isto
é, o julgamento é nulo.
Viomundo – Por que o julgamento é viciado?
Luiz Moreira – Primeiro: pela insuficiência na atuação do Ministério Público Federal. O Ministério Público Federal não comprovou as acusações que fez.
Segundo:
porque o Judiciário não pode se pautar pelo mesmo método do Ministério Público,
que é o acusador.Na tradição jurídica ocidental, se exige a estrita comprovação
do alegado. A ficção é apenas literária, não tem valor jurídico.
Viomundo – Mas o ministro-relator assumiu essa peça de ficção literária como se fosse verdadeira?
Luiz Moreira – Assumiu. E o método de trabalho proposto por ele é um método que favorece a acusação em detrimento da defesa.
Viomundo — Quer dizer que o Supremo acabou sendo conivente com esse processo todo?
Luiz Moreira — O Supremo Federal para mim hoje tem dois grupos, duas frentes.
Uma frente
conservadora liderada por Joaquim Barbosa, na qual se inserem Marco Aurélio,
Gilmar Mendes e Luiz Fux.
E uma frente
liderada pelo ministro Lewandowski, que é uma frente garantista, que imagina o
Supremo como o tribunal dos direitos e das garantias constitucionais.
O grande
papel desempenhado pelo ministro Lewandowski, na Ação Penal 470 — e que, na
minha opinião, ainda não foi devidamente valorizado – é o de defesa dos
direitos do cidadão ante à ação do Estado.
Viomundo – Pelo contrário. O ministro Lewandowski foi achincalhado pelos colegas e pela mídia…
Luiz Moreira – Ele foi achincalhado exatamente por defender os direitos fundamentais de quem quer que seja.
Em qualquer
país civilizado, o Judiciário não se confunde com o Ministério Público, não se
confunde com a Polícia. E também não se confunde com as estruturas majoritárias,
que decidem conforme a pressão ou os interesses da maioria.
O Supremo
Tribunal decide pelos direitos fundamentais. Então há de haver por parte
do Judiciário um afastamento da pressão popular. Do linchamento,
portanto.
E o ministro
Lewandowski assumiu para ele o papel de conferir ao Supremo Tribunal Federal a
missão de se desincumbir de uma tarefa judiciária estrita, que é julgar
conforme as provas. O ministro Lewandowski é o juiz dos direitos fundamentais.
Viomundo –Em alguns momentos desse julgamento eu me lembrei da ditadura civil-militar no Brasil…
Luiz Moreira – Ditadura que foi convalidada pelo Supremo Tribunal Federal. A tradição libertária do Supremo é muito recente. É importante que se tenha a clareza de que o Supremo Tribunal Federal legitimou todas as ditaduras brasileiras. Seja a ditadura Vargas, seja a ditadura militar.
O Supremo
sempre foi vacilante no que diz respeito à tutela dos direitos fundamentais, em
garantir os direitos humanos.
Você vê que
na ditadura militar os habeas corpus eram negados. E o Supremo
dava feição jurídica ao que a ditadura militar fazia em termos de violação aos
direitos. Tanto que a Olga Benário, por exemplo, foi deportada com ordem
judicial.
Viomundo – Eu cheguei a acompanhar alguns depoimentos na Auditoria Militar, na Brigadeiro Luís Antônio. A defesa não tinha direito a nada, os presos muito menos ainda. O pacote já vinha pronto, e acabou. Nesse sentido, em vez de avançar, a gente regrediu com a AP 470.
Luiz Moreira – Você está certa. Regredimos, sim.
Hoje, a
grande disputa no Supremo é entre uma frente defensora dos direitos
fundamentais e uma frente conservadora, que se baseia no discurso da lei e da
ordem, na tradição do Bush, por exemplo.Uma tradição que o tribunal não se
esqueceu da época da ditadura.
O ministro
Lewandowski, com a sua postura, inaugura essa fase de disputa. Ele fixa a
exigência de observância dos preceitos constitucionais.
A
Constituição de 1988 inaugura no Brasil a era dos direitos fundamentais. Defesa
dos direitos fundamentais que o Supremo Tribunal Federal sempre se negou a
fazer. Todos os ministros contrários à ditadura, como o ministro Evandro Lins e
Silva, foram aposentados compulsoriamente. E os demais ministros, em vez de
serem solidários a eles, foram solidários ao regime militar.
Por isso,
insisto: o papel do Lewandowski é histórico, porque ele estabelece que o papel
do STF é garantista, como tribunal que garante os direitos fundamentais.
Neste
julgamento, o papel do ministro Lewandowski transcende os limites da Ação Penal
470, estabelecendo uma frente de direitos. E as nomeações do ministro Teori
Zavascki, que é um ministro altamente técnico, e do ministro Roberto Barroso,
fortalecem a tese do tribunal como tribunal dos direitos fundamentais.
Viomundo — E agora, professor?
Luís Moreira – O nosso sistema jurídico está precisando de uma nova engenharia constitucional. Não é possível numa democracia que haja sobreposição do Judiciário sobre os poderes políticos – Legislativo e Executivo.
É preciso
que nós achemos uma saída democrática para o impasse institucional em que
chegamos. Nós estamos vivendo num impasse. A supremacia judicial não se
coaduna com o regime democrático.
Então,
precisamos de uma saída. Dois bons modelos são o inglês e o canadense. Lá, em
certos tipos de manifestações judiciais – por exemplo, quando avançam sobre
políticas públicas emanadas do executivo e algumas normas legislativas — a
discussão volta para o parlamento e a discussão é feita pelo senado.
Do jeito que
está não dá para continuar. Nós vamos gerando impasses, próprios do mundo
moderno, que não são passíveis de resolução pelo Direito. Problemas que só
encontram solução com a política.
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