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domingo, 29 de setembro de 2013

As Transformações da Pena em um Mundo em Transição: uma Breve Reflexão sob a Perspectiva dos Direitos Humanos (César Barros Leal)

28/sete/2013

As Transformações da Pena em um Mundo em Transição: uma Breve Reflexão sob a Perspectiva dos Direitos Humanos*

Autor:
LEAL, César Barros
RESUMO: Há que se rejeitar as políticas de controle e castigo que vendem à população fórmulas mágicas de contenção da criminalidade como se fossem bulas do direito penal e advogar, paralelamente a medidas profiláticas - como as de combate à pobreza e construção de uma sociedade mais justa, com menos contrastes -, a residualidade da pena detentiva (sua extinção é hoje tão inalcançável quanto uma sociedade sem crime), bem como perseguir uma execução penal mais consentânea com os ideais de justiça e humanidade.
PALAVRAS-CHAVE: Pena. Prisão. Justiça Restaurativa. Contenção da Criminalidade.
Não pretendo nem me atrevo a abarcar esse tema em sua larga e complexa dimensão. Rechaço, pois, a hipótese de proceder a um exame detido do pensamento de um sem-número de penalistas, de diversas latitudes, escolas e ideologias, com cujos textos, alguns de difícil digestão, tenho nutrido minhas noites de insônia, perdido nos labirintos do direito criminal, dos fins e limites da pena, assim como de seus avatares em nosso mundo em transição. O que me incumbe é replantar as sementes das resistências, inquietudes e perplexidades que costumam brotar naturalmente - como o mel da primeira paixão ou o inocente sorriso de uma criança na rua ao descobrir um brinquedo atirado no lixo - na aridez de um território transbordante de verdades presumidas e não poucos embustes, esgrimidos como argumentos de autoridade, magister dixit de dogmáticas sobrepujadas pelo caminhar de Cronos. Ao fim e ao cabo, ao poeta correspondeu a síntese perfeita ao assinalar que "neste mundo de amor / nada é verdade nem é mentira, / tudo é segundo a cor / do cristal com que se olha"(1).
Meus leitores, como o fez o costarriquenho Alfredo Chirino Sánchez, juiz e professor universitário, no prefácio de um belo livro em homenagem ao Professor Henry Issa El Khoury Jacob(2), podem questionar a idoneidade do direito penal como ferramenta de controle social num locus onde prosperam o medo e a insegurança, onde o delito possui múltiplas caras, máscaras e raízes, e vigora o desafio de lhe fazer frente, sem timidez nem tréguas, com as armas do equilíbrio, da inteligência e da razão, que só se sustentam sobre as pilastras do respeito ao ideário democrático e aos direitos fundamentais, longe das proposições heterodoxas de redução da idade da responsabilidade penal, dos discursos de emergência do direito penal simbólico(3) e de suas falsas sensações de segurança; do funcionalismo radical de Günther Jakobs(4) e sua guerra ao inimigo, à não pessoa; e das agendas fundamentalistas de law and order(5) e tolerância zero.
1 A Trajetória do Direito Penal
Um extenso caminho foi percorrido desde a vingança de sangue, dos castigos corporais em praças públicas, do talião e do nascimento do cárcere, os dois últimos vistos em sua época como avanços punitivos, até as concepções contemporâneas da pena, nessa modernidade tardia a que se refere Habermas, na qual se impõem, em oposição ao maximalismo, os limites garantistas da mínima ingerência penal, proclamados por Ferrajoli e respaldados pelos juristas Alessandro Baratta e Winfried Hassemer.
Sabidamente, a história do direito penal nada mais é do que a trajetória de seu contínuo e imparável encurtamento, de sua contração (para muitos, numa perspectiva crítica a ultranza, de sua própria abolição), num processo que demanda, para seu desenrolar, com a finalidade de pôr ordem na desordem, o abandono de conceitos, teorias, velocidades, tendências e institutos que se diluíram, na jornada do tempo, em sua debilidade e inconsistência(6).
2 As Prisões de Ontem e Hoje
Num contexto de muitas sombras e cores esmaecidas sobressai o encerro, uma impropriedade histórica que falaciosamente se tem perpetuado e intensificado ao longo dos séculos (nos dias atuais são mais de nove milhões de presos no mundo, metade dos quais se encontra nos Estados Unidos, Rússia e China, sendo mais de quinhentos milhões no Brasil, consoante dados do Departamento Penitenciário Nacional, órgão do Ministério da Justiça), a despeito das evidências de seu rotundo fracasso como meio de punição, intimidação e reabilitação.
Superpovoadas, repulsivas e ruinosas em sua maioria, máxime no continente latino-americano, as prisões, insalubres e soturnas, bombas do tempo na linguagem de Elías Carranza, Diretor do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e Tratamento do Delinquente - Ilanud (já foi dito que a melhor prisão é a que inexiste), converteram-se (ou talvez deva aduzir: quase sempre o foram, desde a Rasphuis e a Spinhuis na Holanda e a House of Correction na Inglaterra, fundadas no século XVI, assim como suas congêneres em Gloucester e Oxford), mercê da indiferença dos governos e da sociedade, em desaguadouros dos males e das aporias da justiça criminal, espaços cloacais do desamparo jurídico e material, da total desatenção aos direitos humanos, onde se amontoam, em convivência promíscua e forçada, sob condições brutais e desumanas, cativos sentenciados ou não, primários e reincidentes, maiormente jovens e pobres, herdeiros da miséria social.
Os encarcerados, habitantes dessas filiais do inferno, padecem o fenômeno da pris(i)onização (o assimilar os valores, hábitos e códigos de linguagem que predominam atrás das grades(7)) e se sujeitam a todo tipo de violência, alargando-se seu ódio à coletividade que os repudia e os animaliza. Triste imagem de um sistema que tem perdido gradualmente sua legitimidade ante os equívocos da clausura, ante sua seletividade (que bisa e reforça as assimetrias sociais), além da inaptidão para assegurar a integridade física e moral de seus hóspedes e por igual de reabilitá-los, de torná-los aptos ao convívio na sociedade, em antagonismo à prevenção especial positiva.
Como se não bastara, os presos de grande poder, chefes do crime organizado, capitães do mercado de drogas, não apenas comandam a vida no interior dessas unidades, mas também seguem mantendo vínculos extramuros com o universo do delito, o que é facilitado pelo acesso a telefones celulares, a visitas (familiares, conjugais, etc.) desprovidas de monitoramento, sem que as autoridades logrem ou sequer intentem coibi-lo.
Há os que, no vácuo criado pela omissão estatal, ordenam, desde o presídio, a explosão de agências bancárias e caixas eletrônicos, a destruição de transportes públicos e a morte, como forma de retaliação ou resgate de dívidas, de desafetos, de policiais, ou até mesmo seus parentes, num círculo vicioso de enfrentamentos que dissemina o terror, ameaçando a segurança pública.
Se a privação da liberdade em regime fechado é vergonhosa, muito mais o é nos regimes mais brandos (semiaberto e aberto), quer pela inexistência de estabelecimentos penais adequados para esse objetivo (no Brasil, colônias agrícolas ou industriais e casas do albergado, respectivamente), quer pela mínima falta de controle, de vigilância, o que gera um absoluto descrédito pela impunidade que representa e favorece. Ditos regimes se transformaram, pelas enormes distorções deles resultantes (entre as quais o uso massivo de um arremedo de reclusão domiciliar que se sinonimiza com a liberdade), numa das mais grotescas mazelas de um sistema penitenciário cada vez mais precário e ineficaz, concorrendo de igual modo para o incremento da delinquência.
Nesse domínio, o confinamento solitário, que se buscou superar historicamente com a progressividade (o mergulho na história das prisões nos permite um insight muito claro desse processo), ressurgiu com toda sua força, sob o manto da legalidade, sobretudo após o ataque terrorista às Torres Gêmeas do World Trade Center em 11 de setembro de 2001 (ocasionando uma onda de endurecimento que transcendeu as fronteiras dos Estados Unidos), estando presente nas prisões de máxima segurança, estaduais e federais, que se multiplica(ra)m nos cinco continentes.
3 As Instituições de Internação de Adolescentes Infratores
No âmbito dos infratores menores de idade se assistiu em nossa região a uma mera mudança de palavras que pouco repercutiu em sua realidade. Não importa que não se empregue, em muitas partes, a palavra menor (caso do Brasil, onde se tornou proibitiva em sede criminal), e sim criança ou adolescente; não importa que, em lugar de penas, se fale de medidas socioeducativas; não importa que os termos prisão, reclusório (neologismo que proponho a partir do espanhol),estabelecimento penal, presidial ou penitenciário hajam sido substituídos por centro de internação ou estabelecimento educacional.
O que prevalece, a par da coreografia lexical, é o convencimento de que as sanções aplicáveis aos menores/adolescentes, em especial a internação, tornaram-se, em regra, tão rigorosas quanto (ou mais do que) as penas dos adultos e um testemunho do fiasco da justiça juvenil.
Devo dizer-lhes que, no transcurso dos últimos anos, visitei dezenas de instituições de recolhimento de adolescentes infratores, em vários países. Em muitas delas, o cenário, cujas precárias condições colidem com o proclamado nas normas pertinentes, é semelhante ao das prisões. Não há, portanto, como se surpreender ante as fugas reiteradas e a eclosão frequente de motins, que soem terminar na destruição parcial das unidades. A crônica de um drama anunciado. Um torpe espetáculo que se encena ano após ano ante a indiferença dos governantes.
4 As Sanções Alternativas
Apesar das críticas que as identificam como expansões da rede de controle, as alternativas penais, recomendadas na esteira da mínima intervenção, do caráter subsidiário e fragmentário do direito penal, realçado por Jorge de Figueiredo Dias e Claus Roxin, ganharam espaço e aceitação por seus resultados satisfatórios, mormente pela capacidade de potencializar a reinserção social do condenado na medida em que evitam as dores do encarceramento e o mantêm em sua família e grupo social, sem afastá-lo do trabalho e/ou da escola.
O professor do Instituto de Investigações Jurídicas da Universidade Nacional do México (UNAM), Sergio García Ramírez, que exerceu as funções de Procurador-Geral da República do México e Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, após se referir ao aumento do emprego das sanções alternativas na Europa Ocidental, agregou: "assim tem ocorrido, em rigor, onde quer que seja. As alternativas e os substitutivos são a mais relevante proposta do legislador - por sua dimensão e por seus efeitos - no regime de sanções penais (Zannotti). No final de contas, se o instrumento penal constituir - numa sociedade democrática - o último recurso do controle social, a prisão deveria ser também, uma vez abolida a pena de morte, o último recurso da punição"(8).
No livro Vigilância Eletrônica à DistânciaInstrumento de Controle e Alternativa à Prisão, pontuei: "A percepção do malogro do cárcere - 'deste cárcere que temos, porém que não queremos' -, associado às altas taxas de reclusos, que se atribui também à persistente cultura de aprisionamento, e aos imensos gastos em sua manutenção, estimulou na América Latina, em maior ou menor grau, a criação e cominação de novas sanções, não privativas de liberdade (exílio local, proibição de frequentar determinados lugares, manutenção de distância da vítima, expulsão do território nacional para estrangeiros, tratamento de desintoxicação, confiscação de bens, caução de não ofender, cumprimento de instruções, admoestação, interdição temporária de direitos, reconciliação com o ofendido, prestação de serviços comunitários, limitação de fim de semana, perda de bens, pena pecuniária, multa indenizatória, etc.), destinadas preeminentemente aos condenados por delitos de escassa entidade, de pequeno potencial ofensivo - como furtos, lesões corporais leves e fraudes - e eventualmente de mediana criminalidade"(9).
5 A Justiça Restaurativa
Não ouso deixar de mencionar aquela porta que se abriu para comedir o crescimento de um direito penal em contínua revisão. Novos bens e interesses jurídicos, de natureza individual ou coletiva, resultantes do evoluir da sociedade, de suas novas exigências, se somam aos já existentes, demandando sua proteção.
Falo de uma justiça diferente da ordinária, de cunho positivista, que se assenta sobre cinco colunas mestras de ação: o encontro (entre o ofensor, a vítima e integrantes da comunidade), a participação (de todos nas diferentes fases do processo ou fora dele), a reparação (devolução, indenização, trabalho comunitário), a reintegração (da vítima e do ofensor) e a transformação dos sujeitos enredados no delito.
Trata-se de uma "experiência consolidada nos Estados Unidos (onde se desenvolve faz mais de 30 anos), no Canadá, na Austrália e na Nova Zelândia - nações anglo-saxonas que adotam o common law (com a exceção de Quebec, que segue o sistema jurídico francês) e expandiram o modelo das Alternative Dispute Resolutions (ADR) -, porém incipiente em certas latitudes (enfocada precisamente na vítima, cuja dignidade se redescobre e se resgata, e na solução efetiva e pacífica do conflito, num processo comunicacional caracterizado pelo encontro e pela ênfase no futuro), defendida pela ONU, que se pronunciou a seu favor na Resolução nº 12 (Basic Principles on the Use of Restorative Justice Programmes in Criminal Matters), de 24 de julho de 2002, do Conselho Econômico e Social, como todo processo do qual a vítima, o delinquente e, quando convenha, quaisquer outras pessoas ou membros da comunidade que tenham sido afetados por um delito participem, conjunta e ativamente, da resolução de questões derivadas do delito, em geral com o apoio de um mediador"(10).
Nada tem a ver com o direito penal tradicional, desrespeitoso dos direitos fundamentais e que se confunde com a pedagogia do castigo, estimulada por uma parte da mídia. Ao contrário, o que se quer, na Justiça Restaurativa, é fazer com que sobrelevem valores como o diálogo, o perdão, a reparação e a paz, entre outros, em vez da culpa e da pena, cedendo lugar para o grupo comunitário, direta ou indiretamente envolvido, procurando restaurar os vínculos pessoais e sociais esgarçados pelo ato delituoso e, desse modo, robustecer a segurança cidadã.
Insta mencionar que a JR igualmente se emprega após a sentença, na execução da pena. Exemplo exitoso nesse sentido é o projeto Árvore Sicômora, desenvolvido em diversos países pela Confraternidade Carcerária Internacional (Prison Fellowship International), consistente num curso de 5 a 8 semanas em que um grupo de presos, com a presença de um facilitador, aprende lições sobre conhecimento mútuo, perda do rancor, reparação, arrependimento, escusa, responsabilização, etc., e tem no final uma reunião com vítimas de delitos não necessariamente relacionados com seus vitimários (como exemplo: sequestradores com pessoas que foram objeto de um sequestro). Tive a chance de participar de encontros restaurativos e lhe asseguro que vêm a ser uma louvável iniciativa.
6 Considerações Finais
Em definitivo, há que se rejeitar as políticas de controle e castigo que vendem à população fórmulas mágicas de contenção da criminalidade como se fossem bulas do direito penal e advogar, paralelamente a medidas profiláticas - como as de combate à pobreza e construção de uma sociedade mais justa, com menos contrastes -, a residualidade da pena detentiva (sua extinção é hoje tão inalcançável quanto uma sociedade sem crime), bem como perseguir uma execução penal mais consentânea com os ideais de justiça e humanidade.
Uma lição - de Gustav Radbruch - nos cabe guardar, e aqui concluo tomando a liberdade de transitar pelas veredas do sonho: "Não temos que fazer do Direito Penal algo melhor, senão fazer algo melhor do que o Direito Penal".
Notas
(1)Ramón de Campoamor, poeta espanhol do século XIX.
(2)SÁNCHEZ, Alfredo Chirino. Del derecho penal liberal y la política criminal para el ser humano (prólogo). In: SÁNCHEZ, Alfredo Chirino; VALVERDE, Lorena González; SOTOMAYOR, Carlos Tiffer (Org.). Humanismo y derecho penal: al Profesor Henry Issa El Khoury Jacob, liber amicorum et discipulorum, in memoriam. San José, Costa Rica: Jurídica Continental, 2007. p. 7-32.
(3)Leia-se: "(...) convirá assentir, com García-Pablos, que um direito penal simbólico carece de toda legitimidade porque manipula o medo ao delito e a insegurança, reage com um rigor desnecessário e desproporcionado e se preocupa exclusivamente com certos delitos e infratores, introduz um sem-fim de disposições excepcionais, a despeito de sua ineficácia ou impossível cumprimento e, a médio prazo, desacredita o próprio ordenamento, minando o poder intimidatório de suas prescrições" (QUEIROZ, Paulo de Souza. Funções do direito penal: legitimação versus deslegitimação do sistema penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 56). Agregue-se o comentário: "Cremer-Schäfer afirma que a estratégia para legitimar o aparelho repressivo encontra seu próprio fundamento na exasperação da insegurança, da criminalidade e do medo. A criminalidade torna-se objeto de fobia coletiva do povo. A noção de violência entra no discurso sobre a criminalidade, com o objetivo de produzir consenso, e impedir o desenvolvimento de uma resistência social a fenômenos como o desemprego, a destruição do Estado social e a pobreza, através da exclusão de determinados setores sociais (...)" (SABADELL, Ana Lucia. Segurança pública, prevenção e movimento feminista: uma aproximação ao caso alemão". In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, publicação oficial do IBCCRIM. Ano 8, n. 29, enero-marzo 2000. São Paulo: RT, p. 56).
(4)OLIVEIRA ARAÚJO, Dyellber Fernando de. As (crises e) tendências do direito penal na pós-modernidade. "Novos" estudos para vetustos problemas em tempos de globalização. In: Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal, n. 47, abr./maio 2012. Porto Alegre: Magister, p. 102.
(5)"A difusão incontrolada de fatos aterradores, como latrocínios, estupros, homicídios, chacinas, etc., a par de notícias sobre corrupções e falcatruas, produz na população uma sensação de total insegurança... Valem-se disso os partidários do 'Movimento de Lei e Ordem', advogando medidas repressivas de extrema severidade e a formulação de novos tipos criminais, o que João Marcelo de Araújo Júnior denomina 'movimento neocriminalizador'." (O direito penal contemporâneo: fundamentos. Revista do Ministério Público. Rio de Janeiro, jul./dez. 1997, 6:90 e 91. In: JESUS, Damásio de. Penas alternativas. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 4)
(6)No mesmo sentido: "(...) a pena de prisão na atualidade, para além do seu fracasso, constitui a síntese mais emblemática das punições torturantes desumanas, degradantes e cruéis (...)" (GOMES, Luiz Flávio. Penas e medidas alternativas à prisão. São Paulo: RT, 1999. p. 19-20).
(7)Para melhor compreensão: "Quando uma pessoa ou grupo de ingresso penetra e se funde com outro grupo, diz-se que ocorreu uma assimilação. O conceito tem mais adequação quanto a grupos de imigrantes e, talvez, não seja o melhor para designar o processo semelhante, que ocorre na prisão. De qualquer forma, devemos entender por assimilação o processo lento, gradual, mais ou menos inconsciente, pelo qual a pessoa adquire o bastante da cultura de uma unidade social, na qual foi colocado, a ponto de se tornar característico dela. Assim como se usa o termo americanização para descrever o maior ou menor grau de integração de um imigrante ao esquema de vida na América, o termo prisonização indica a adoção, em maior ou menor grau, do modo de pensar, dos costumes, dos hábitos, da cultura geral, da penitenciária. Prisonização é semelhante à assimilação, pois todo homem que é confinado ao cárcere sujeita-se à prisonização, em alguma extensão. O primeiro passo, e o mais obviamente integrativo, diz respeito a seu status: transforma-se, de um golpe, numa figura anônima de um grupo subordinado; traja as roupas dos membros deste grupo; é interrogado e admoestado/logo descobre que os custodiadores são todo-poderosos; aprende as classes, os títulos e os graus de autoridade dos vários funcionários; e, usando ou não usando a gíria da cadeia, ele vem a conhecer seu significado; embora possa manter-se solitário, termina por referir-se, ao menos em pensamento, aos guardas como os samangos, aos médicos como receitador de roda de jipe (aspirina) e a usar os apelidos locais para designar os indivíduos; acostuma-se a comer apressadamente e a obter alimento através dos truques usados pelos que lhe estão próximos. De várias outras maneiras, o preso novo desliza para dentro dos padrões existentes; aprende a jogar ou aprende novas maneiras de fazê-lo; adquire comportamento sexual anormal; desconfia de todos; olha com rancor os guardas e, até, os companheiros, etc. Em suma: vem a aceitar os dogmas da comunidade. Nem todos os homens sujeitam-se a todas essas transformações. No entanto, nenhum escapa a determinadas influências, que se poderiam chamar de fatores universais de prisonização, tais como: aceitação de um papel inferior; acumulação de fatos concernentes à organização da prisão; o desenvolvimento de novos hábitos, no comer, vestir, trabalhar, dormir; a adoção do linguajar local; o reconhecimento de que nada é devido ao meio ambiente, quanto à satisfação de necessidades; eventual desejo de arranjar uma 'boa ocupação' (ou, no jargão prisional carioca, uma 'faxina')" (THOMPSON, Augusto F. G. A questão penitenciária. Petrópolis: Vozes, 1976. p. 53).
(8)A esse respeito: "Posto que a solidão era absoluta, tornou-se conhecido como regime solitário ou solitary confinement. Seu rigor fez com que Enrico Ferri (1856-1929), o fundador da Sociologia Criminal, o considerasse, numa conferência sobre Lavoro e celle dei condannati, pronunciada em 1885, 'uma das aberrações do século XIX'. Os que jaziam como tanatoides, mortos em vida na tumba de suas celas, em cuja porta havia um número, eram exibidos aos visitantes, uma prática de atemorização que se mantém em muitas prisões e centros de internação de menores infratores de nosso tempo.
A comida era fornecida uma vez por dia, pela manhã. Vigorava a proibição de ver, ouvir ou falar com as demais pessoas, admissível tão somente a leitura da Bíblia e de outros textos religiosos que lhes permitisse, in foro conscientiae, arrepender-se de seus atos e reconciliar-se com a sociedade e com Deus.
Suas virtudes: garantia a ordem; impedia a interação nociva e a evasão; e empregava poucas pessoas. Seus inconvenientes: o sofrimento dos presos era excessivo; vulnerava sua saúde física e mental; e não os preparava para o reingresso ao meio social" (BARROS LEAL, César. Execução penal na América Latina à luz dos direitos humanos: viagem pelos caminhos da dor. Paraná: Juruá).
(9)RAMÍREZ, Sergio García. Crimen y prisión en el nuevo milenio. Prevenção criminal, segurança pública e administração da justiça. BARROS LEAL, César (coautor e org.). Fortaleza: Banco do Nordeste/Instituto Brasileiro de Direitos Humanos, 2006. p. 409-410. Conferência proferida no II Congresso Internacional de Prevenção Criminal, Segurança Pública e Administração da Justiça: uma visão do presente e do futuro à luz dos direitos humanos, realizado em Fortaleza no período de 24 a 27 de março de 2003, p. 119. Mais: "(...) o que se busca é limitar a prisão às situações de reconhecida necessidade, como meio de impedir a sua ação criminógena, cada vez mais forte. Os chamados substitutivos penais constituem alternativas mais ou menos eficazes na tentativa de desprisionalizar, além de outras medidas igualmente humanizadoras dessa forma arcaica de controle social, que é o Direito Penal (BITENCOURT, Cezar Roberto. Novas penas alternativas: análise político-criminal das alterações da Lei nº 9.714/98. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 4).

(10)BARROS LEAL, César. Justiça restaurativa: amanhecer de uma era. Sua aplicação em prisões e centros de internação de adolescentes infratores. Texto em construção, apresentado para fins de conclusão de pós-doutorado em direito, em 2012, na Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis, tendo como supervisor o Dr. Sérgio Urquhart de Cademartori, p. 31.
(http://www.editoramagister.com/doutrina_24881760_AS_TRANSFORMACOES_DA_PENA_EM_UM_MUNDO_EM_TRANSICAO_UMA_BREVE_REFLEXAO_SOB_A_PERSPECTIVA_DOS_DIREITOS_HUMANOS.aspx).

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