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quarta-feira, 12 de junho de 2013

O berrante. Como José Batista Júnior pretende domar a boiada política (Murilo Ramos)


POLÍTICA EM PERFIL - 12/06/2013 08h16 - Atualizado em 12/06/2013 08h16
TAMANHO DO TEXTO

O berrante

Como o empresário José Batista Júnior, um dos homens mais ricos do Brasil, pretende domar a boiada da política

MURILO RAMOS


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SEM POEIRA O empresário José Batista Júnior. “Tenho couro grosso e disposição de sobra” (Foto: Daniela Toviansky/Valor)
Na adolescência, quando, do alto de sua mula, tocava os bois da família por fazendas e estradas em Goiás, José Batista Júnior, ou Júnior da Friboi, como é conhecido hoje um dos maiores bilionários do Brasil, terminava o dia marrom. Naquela faina de peão, nada escapava à poeira do Cerrado: camisas, calças, chapéus, cintos, sapatos – tudo ficava imundo. Júnior acompanhava a retaguarda da comitiva, na culatra, onde cercava os animais propensos a desgarrar-se do rebanho. Era um goleiro de bois. Atento, observava que o líder dos boiadeiros sempre chegava ao local de repouso, no final do dia, com as roupas limpinhas. O líder ia à frente das reses, tocando seu berrante, longe da poeira levantada pelo caminhar dos animais. Júnior atinou que, se aprendesse a tocar berrante, deixaria de comer poeira. Foi o que fez, depois de pelejar com o artefato por noites consecutivas. Há duas semanas, no dia 15 de maio, quase 40 anos depois de domar a buzina de chifre, Júnior carregava um berrante durante a cerimônia que oficializou sua filiação ao PMDB, em Goiânia. O berrante, para Júnior, tornara-se uma espécie de amuleto, um símbolo da tenacidade que lhe permitiu construir, em poucas décadas, a maior empresa exportadora de carne de mundo. Ficou muita poeira para trás.


O berrante ressoou alto no auditório da Assembleia Legislativa de Goiás. Uma boiada de centenas de cabos eleitorais estava em júbilo. Seguravam faixas de apoio, gritavam palavras de ordem, faziam barulho – providenciavam o espírito de comício e consagração que o momento (e o patrão) exigia. “Tá do lado de cá, Júnior Friboi é PMDB. Tá com Iris (Rezende, dono do partido no Estado), tá com a gente, tá com Goiás e com você”, repetia, a todo volume, o jingle sertanejo preparado para a ocasião. Tudo ali levava a crer que não se tratava de um mero evento local. Júnior se cercara dos melhores marqueteiros e operadores políticos do país, para se assegurar de que debutaria na política com a devida fanfarra. Estavam lá, entre outras estrelas da política nacional, o vice-presidente da República, Michel Temer, do PMDB, e o governador de Brasília, Agnelo Queiroz, do PT. Testemunhavam a metamorfose do Júnior empresário no Júnior político, e, com ela, o nascimento de sua candidatura ao governo de Goiás, em 2014.



A criatura nascia meio sem jeito para a coisa. Mas com clara disposição para aprender rápido. Pegou o microfone e cumpriu o primeiro item no manual do político em campanha – beijar criancinhas. Botou seu filho mais novo, José Batista Neto, de 4 anos, no colo. Disse à plateia que pensa no futuro das crianças. Júnior ainda não domina a arte de exibir crianças e discursar ao mesmo tempo. Segurava o filho apenas com o braço esquerdo. Erro de novato: políticos mais experientes usam os dois. Júnior sentiu o peso da política e teve de soltar o filho rapidamente. Em seguida, veio, inexorável, o segundo item do manual: bater nos adversários. Nesse caso, era fácil, fácil. Seu adversário na eleição do próximo ano será o atual governador de Goiás, Marconi Perillo, do PSDB. Apesar das ligações com o bicheiro Carlos Cachoeira, ele quer mais um mandato. “Goiás está cansado do jogo do bicho, do patrimônio mal explicado, da arapongagem, do jogo sujo”, disse Júnior, animando a boiada.

Aos 53 anos, Júnior é o orgulho de Goiás. Sua incrível trajetória, da culatra da boiada ao topo do PIB brasileiro, tem, em abundância, os elementos de superação e sucesso que, nas mãos de bons marqueteiros, transformam-se facilmente em votos. Hoje, o grupo JBS, como é conhecido o império de Júnior, tem frigoríficos, um banco, empresas de laticínios, higiene e limpeza, cosméticos, indústria de papel e celulose, escola e até um canal de televisão, o Rural. O grupo faturou R$ 70 bilhões no ano passado. Emprega 200 mil pessoas e exporta para mais de 200 países. Júnior não revela sua fortuna pessoal, na casa dos muitos bilhões. Mas dá a entender que gastará quanto for preciso para liderar a boiada na política. Ele está tão determinado que, ao menos oficialmente, afastou-se dos negócios. Cuidará apenas da campanha.


Por que um bilionário, no auge da carreira e do prestígio, resolve largar tudo para tentar a sorte na política? Por que alguém que dedicou a vida a ganhar dinheiro decide, subitamente, gastar muito do que ganhou numa aventura que costuma render apenas caros dissabores? Não é algo tão incomum, certamente, embora a maioria dos que embarcam nessa arrependa-se rápido. Os encantos do poder, entretanto, são muitos, seja na Itália de Silvio Berlusconi, seja no Brasil de Júnior Friboi. “Estou realizado empresarialmente. Agora quero retribuir ao Estado de Goiás tudo o que proporcionou a minha família. Além de tudo, tenho dom político. Sou uma pessoa conciliadora e de liderança. Desde criança, sempre liderei os grupos de amigos. Independentemente do lugar onde esteja, sou um líder no que diz respeito ao carisma, à lealdade. O que é liderança? É transmitir confiança”, disse Júnior no final de fevereiro, em seu escritório de Brasília, numa casa espaçosa e arejada no Lago Sul, bairro nobre da capital federal.

OS PRECURSORES 1. O rei da soja Blairo Maggi no dia das eleições. Sua carreira foi fugaz 2. Carreata em apoio a Camilo Cola, dono da Itapemirim, eleito e reeleito deputado 3. Antonio Ermírio, dono da Votorantim, em campanha em 1986. Derrotado nas urnas, e (Foto: Divulgação (2) e Vidal Cavalcanti/ Folhapress)
Na ocasião, trajando uma camisa social azul, estufada por uma barriga saliente, calça jeans justa e botina preta, Júnior, com cabelo avermelhado, falava serenamente sobre os planos de candidatar-se ao governo goiano. Mas não pelo PMDB. Pelo PSB, partido do governador de Pernambuco, Eduardo Campos. “Ninguém mais quer o PMDB nem o PSDB. Goiás precisa de renovação. Estou na hora certa e no momento certo. Sairei candidato pelo PSB”, disse. “O PSB, em Goiás, é um partido em ascensão.” Júnior aprendia a fazer política, como se veria no mesmo dia. Logo depois de declarar amor pelo PSB, procurou Marcelo Mello, um de seus melhores amigos e importante articulador do PMDB goiano. Mello também é diretor da Companhia Nacional de Abastecimento, a Conab, vinculada ao Ministério da Agricultura. Júnior queria ajuda para pular a cerca.


Não demorou. Menos de dois meses depois, Júnior anunciou sua filiação ao PMDB. Fora alertado por marqueteiros de que, em Goiás, as chances de alguém ser eleito governador fora da órbita PSDB-PMDB são ínfimas. Júnior percebeu que, no seu acordo com o PSB, Campos ganhava um bilionário e um palanque no Centro-Oeste para sua candidatura presidencial – e Júnior ganhava apenas possibilidade de fazer feio na sua estreia na política. Bastou uma mãozinha de Temer para que Júnior aderisse ao PMDB e garantisse mais um palanque para a campanha à reeleição da presidente Dilma Rousseff.



Apesar de ser um candidato com potencial, Júnior terá dificuldades. Iris Rezende domina o PMDB em Goiás e reluta em aceitá-lo como parceiro. “As coisas no PMDB são discutidas. Dinheiro só não resolve. Ele (Júnior) precisa ser escolhido e sabe disso”, diz o presidente do PMDB no Estado, Samuel Belchior. “Não adianta ele ficar viajando para os Estados Unidos e para a Austrália (onde o grupo da família tem empresas). Ele quer ser governador de Goiás ou do mundo?” Júnior está descobrindo um truísmo: quem bate leva. “O Júnior não tem plano de governo para Goiás. Ele troca de partido igual troca de roupa (referência às filiações no PTB, PSB e PMDB nos últimos anos)”, afirma Jayme Rincón, assessor de Perillo. A aventura de Júnior também representa um risco ao JBS. Todos os negócios do grupo sofrerão escrutínio implacável dos adversários políticos. Nos últimos anos, a empresa tem sido acusada de práticas de cartel e de ser favorecida pelo governo federal, por meio de empréstimos bilionários concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES. A JBS foi a maior contribuidora individual da campanha de Dilma em 2010.



Júnior diz estar preparado para a pancadaria eleitoral. “Tenho couro grosso e disposição de sobra”, afirma. Ninguém duvida. Nos anos 1980, em Brasília, Júnior entregava carnes durante as madrugadas. “Nunca tive preguiça. Eu tinha a chave dos açougues. Deixava as peças de carne, e os donos podiam vender o produto fresco logo de manhãzinha. Os açougues que não compravam da gente recebiam a carne dos outros fornecedores só na metade da manhã – e vendiam na hora do almoço, quando as donas de casa já deviam estar com o almoço pronto”, diz. Júnior chegou a morar com a família numa graxaria, local onde são processados subprodutos da carne, como o sangue dos animais. O tempo passou, a graxaria ficou na lembrança, e Júnior se mudou para os Estados Unidos em 2007, para comandar de lá o avanço do grupo pelos principais mercados do mundo. “Perguntavam de onde a gente era, e eu dizia: from Goiás. Ou ‘frog’ (abreviatura de from Goiás)”, diz. Conquistar o mundo foi fácil para Frog. Difícil mesmo será conquistar Goiás. 

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