17maio2013
DIREITO SEM PAPEL
Processo eletrônico precisa de governança nos tribunais

O
fortalecimento de um diálogo entre todas as entidades de classe para a defesa
das prerrogativas dos advogados junto aos tribunais na discussão do processo
eletrônico sempre foi uma tarefa muito árdua. A cada dia que me debruço sobre
este tema, amadureço a convicção de que uma razão que pode colocar em risco a
adesão dos interessados quanto ao uso do processo eletrônico se deve ao fato de
que os Tribunais não estão alinhados aos princípios de gestão de governança da
tecnologia de informação.
Entende-se
por este conceito um conjunto de processos, costumes, políticas, leis,
regulamentos e instituições que regulam a maneira como uma empresa é dirigida, administrada
ou controlada. O termo inclui também o estudo sobre as relações entre os
diversos atores envolvidos, os chamados stakeholders ,
e os objetivos pelos quais a organização se orienta. No caso da Justiça, os
principais atores tipicamente são o Judiciário e todos os personagens que atuam
cotidianamente ao seu redor.
Ou
seja, os demais participantes da governança corporativa incluem além dos
representantes dos tribunais, os advogados, Ministério Público, partes
interessadas, procuradores, defensores públicos, serventuários, peritos e a
comunidade em geral.
A
governança na tecnologia da informação é uma área de estudo com múltiplas
abordagens. Uma das principais preocupações é garantir a aderência dos
principais atores a códigos de conduta pré-acordados, através de mecanismos que
tentam reduzir ou eliminar as diferenças de padrões tecnológicos entre cada um
deles. Também se debruça sobre os conflitos de interesse, o que
resultaria na diminuição ou eliminação de diferentes normas para regulamentar
uma prática processual como a transmissão de peças por exemplo.
A
governança corporativa visa diminuir os eventuais problemas que podem surgir na
relação entre gestores e os demais atores do processo e, consequentemente,
diminuir o risco de custos e a dificuldade no aprendizado dos procedimentos
processuais automatizados.
Este
tema tem ganhado mais relevância desde 2001, particularmente devido aos
espetaculares colapsos de grandes corporações norte-americanas como a Enron Corporation e Worldcom. Em 2002, o governo federal norte-americano aprovou a Lei
Sarbannes-Oxley, com o propósito de restaurar a confiança do público
na governança corporativa. Com isto, todas as empresas que tem ações vendidas
na bolsa de Nova York, por exemplo, são obrigadas a se sujeitar a padrões
internacionais quanto a gestão de dados, para aderir a padrões de harmonia de
processos transparência e segurança entre si.
Os
pilares básicos da governança de são: participação, Estado de Direito,
transparência, responsabilidade, orientação por consenso, igualdade e inclusividade,
efetividade e eficiência e prestação de contas (accountability).
No
caso da Justiça, a participação deve ser compreendida pela assertiva de que
todos os atores devem participar permanentemente, direta ou indiretamente, por
meio de seus representantes legítimos das atividades relacionadas ao processo
eletrônico. A participação implica a existência de liberdade de expressão e de
associação de um lado, e uma sociedade civil organizada de outro lado.
Embora
o princípio possa parecer utópico, é perfeitamente possível desde que existam
normas claras e específicas que garantam os termos propostos e existam
iniciativas do Estado visando à sustentação dos termos.
Entende-se
por Estado de Direito, o pilar que demanda da boa governança uma estrutura
legal e justa, que se aplica a todos os cidadãos do Estado, independentemente
de sua riqueza financeira, poder político, classe social, profissão, raça e
sexo.
Quanto
à transparência, além da "a obrigação de informar", o órgão gestor do
processo eletrônico deve cultivar o "desejo de informar", sabendo que
da boa comunicação — interna e externa, particularmente quando espontânea,
franca e rápida — resulta um clima de confiança, tanto internamente, quanto nas
relações da organização com terceiros. A comunicação não deve restringir-se ao
desempenho econômico-financeiro, mas também deve contemplar os demais fatores,
sobretudo os ativos intangíveis que norteiam a gestão e conduzem à criação de
valor.
É
sempre bom lembrar que o legislador brasileiro colocou em prática a Lei de Responsabilidade Fiscal, que deve ser estendida aos
tribunais, de forma a induzir o gestor público à transparência de seus atos.
Essa transparência pode ser melhorada significativamente com instrumentos como
a demonstração do resultado econômico e da efetividade das atividades
correlatas. Também contribui para a melhora a divulgação de estatísticas sobre
o número de autos ativos, baixados dentro de um determinado exercício, seja por
natureza da ação ou outros critérios de referencia que possam formar
conhecimento a partir da manipulação dos dados.
A
responsabilidade demanda que os tribunais cultivem a missão de que existem para
servir os membros da sociedade como um todo — e não apenas um grupo de
privilegiados. Ou seja, suas atividades, que serão automatizadas com o uso da
tecnologia da informação, devem ser construídas para atender as demandas dos
atores processuais para lhes causar conforto e produtividade. As decisões
orientadas a um consenso devem ser tomadas levando-se em conta que os diferentes
grupos relacionados com o processo eletrônico necessitam de forma permanente
mediar seus diferentes interesses.
O
objetivo da boa governança é a busca de consenso nas relações sociais, de modo
a alcançar uma concordância sobre qual é o melhor caminho para a sociedade como
um todo. Tive a oportunidade de participar de um foro que foi criado no CNJ,
com a presença de vários representantes dos tribunais, OAB, Procuradoria-Geral
da República, Ministério Público e outros órgãos visando interpretar os artigos
da Lei 11.419/2006. Entretanto, o consenso sobre alguns temas não chegou a se
tornar efetivo, pois não existiam regras claras sobre qual seria o critério de
aprovação das sugestões perante aquela Corte. Com isso, todo trabalhou se
esmaeceu com o passar do tempo e não chegou a ser convertido em mudanças
objetivas.
O
curto período de gestão de cada tribunal é um dos maiores empecilhos ao
estabelecimento da governança, pois os cargos ocupados pelos gestores de
tecnologia da informação nos tribunais são de confiança. Diante disso, é comum
presenciar a desconstrução de uma equipe que estava envolvida num projeto de
desenvolvimento e implantação de processo eletrônico quando ocorrer a mudança
do presidente de um determinado Tribunal. Com isso, o projeto fica comprometido
em relação a prazos e efetivação de mudanças gerando mais insegurança quanto
aos bons resultados que precisam ser alcançados. A tecnologia da informação nos
tribunais é um braço estratégico que precisa ficar imune a estas mudanças.
Essa
forma de obter decisões requer uma perspectiva de longo prazo para que ocorra
um desenvolvimento humano sustentável. Essa perspectiva também é necessária
para conseguir atingir os objetivos desse desenvolvimento. A boa governança
deve assegurar igualdade de todos os grupos perante os objetivos dos atores
processuais, que são os principais usuários do sistema de informatização. As
decisões devem assegurar que todos sintam que façam parte das decisões sobre a
construção de um modelo sistêmico e não se sintam excluídos em seu caminho para
o futuro.
A
boa governança deve garantir que os processos e os tribunais devam produzir
resultados que vão ao encontro das necessidades da sociedade ao mesmo tempo em
que fazem o melhor uso possível dos recursos à sua disposição. Também deve
possibilitar que os recursos naturais sejam usados sustentavelmente e que o
ambiente seja protegido.
Da
mesma forma, é necessário que o CNJ continue exercendo a função de fiscalizador
das atividades relativas ao processo eletrônico nos tribunais, evitando a
proliferação de inúmeros padrões tecnológicos, procedimentos sistêmicos de
práticas processuais nem sempre em conformidade legal. A boa prática de
governança demanda que os tribunais devem ser fiscalizados em seus atos,
decisões e atividades, inclusive quanto ao processo eletrônico.
Alexandre
Atheniense é advogado especialista em Direito Digital,
associado de Rolim Viotti & Leite Campos Advogados e coordenador da
pós-graduação em Direito de Informática da ESA OAB-SP. Acompanhe meuBlog. Siga-me no Twitter. Assine meu Facebook.
Revista Consultor Jurídico, 17 de maio de 2013
(http://www.conjur.com.br/2013-mai-17/direito-papel-processo-eletronico-governanca-tribunais).
Nenhum comentário:
Postar um comentário