3março2013
SEGUNDA LEITURA
Os resultados da nova Suprema Corte do Reino Unido
O
Reino Unido é uma monarquia constitucional da qual fazem parte a
Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte, 14 territórios
ultramarinos e, ainda, exerce sua influência sobre diversos pequenos países,
localizados em ilhas e no passado por ele dominados, como Trinidad Tobago no
Caribe, que no conjunto formam uma confederação (Commonwealth).
No
passado, o chamado Império Britânico chegou a dominar boa parte do mundo,
levando seu sistema de governo e de Justiça a países tão diferentes como Índia,
Quênia, Guiana e Estados Unidos. Neles, o sistema judicial baseia-se na Common
Law, que nas palavras de René David “é uma regra que visa dar solução a um
processo e não formular uma regra geral de conduta para o futuro” (Os
grandes sistemas do Direto Contemporâneo, Martins Fontes, p. 19).
O
Reino Unido não tem Constituição escrita, como os Estados Unidos e o Brasil.
Todavia, possui uma Constituição não-escrita, histórica e flexível. Nas
palavras de Rafael da Silva, “as Constituições não-escritas, por sua vez, não
se baseiam em um único documento escrito, mas em um conjunto de atos emanados
pelo Parlamento, assim como pelos costumes e convenções fixadas ao longo da
história” (em A Nova Corte Suprema do Reino Unido e o Controle da Constitucionalidade).
Nele
não havia uma Suprema Corte nos moldes como conhecemos. Os conflitos, em última
instância, eram decididos pelo Comitê de Apelações da Câmara dos Lordes, ou
seja, pelo Parlamento. Os poucos parlamentares com poder jurisdicional tinham
comprovada experiência em funções judiciárias. Mas, um Tribunal dentro do
Legislativo gerava desconfiança.
Tal
motivo levou a que se criasse, no ano de 2005, através do Ato de Reforma
Constitucional, a Suprema Corte do Reino Unido (UKSC). Todavia, ela só foi
instalada em outubro de 2009, face às inúmeras providências necessárias.
Entre elas, a escolha e adaptação do edifício que a abriga, edificado em 1913
no Middlesex Guildhall, próximo ao Parlamento e à Abadia de Westminster,
estrategicamente no centro histórico de poder.
A
Corte é composta por 12 Justices, aproveitados da Câmara dos
Lordes, onde exerciam funções jurisdicionais. Seus sucessores são nomeados
através de um complexo processo, sendo que o último deles, Justice Robert
Carnwath, nomeado em abril de 2012, pertencia a um Tribunal de Apelação.
A
UKSC pouco semelhança tem com o nosso STF. A começar pelo número de
processos. Enquanto no Brasil milhares de ações originárias ou em grau de
recurso chegam ao Supremo, na Corte do Reino Unido, de 1º de abril 2011 a
31 de março de 2012 foram recebidas apenas 249 apelações, julgadas 64,
rejeitadas 156 e cinco tiveram decisões diversas (The Supreme Court Anual
Report and Accounts, 2011-2012, p. 22).
A
apelação é interposta perante o Tribunal de origem e, se não admitida,
permite-se à parte formular requerimento à UKSC. As custas situam-se ente 800 e
1.000 libras, ou seja, em torno de R$ 2.400,00 a R$ 3.000,00. A
tramitação dos recursos não está prevista em lei processual, rege-se pela The Supreme Court
Rules 2009.
A
UKSC tem missão, valores e objetivos bem definidos. A missão é assegurar o
cumprimento justo e efetivo das regras de Direito e a administração da Justiça.
Quanto aos valores, elegem a imparcialidade, transparência, profissionalismo,
responsabilidade, eficiência, acessibilidade e influência. Os objetivos
estratégicos são oito, sendo o primeiro deles manter a independência de seus
juízes, de forma que eles estejam protegidos, no seu trabalho, de pressões
externas. O sexto chama a atenção. Coloca como prioridade manter a diversidade
dos servidores da Corte, que representem jurisdições de todo o Reino Unido.
A
jurisdição da Corte baseia-se em casos de grande interesse público. O impacto
de suas decisões não se destina apenas às partes envolvidas, mas sim a toda a
sociedade que, direta ou indiretamente, é afetada por elas. Ela recebe
apelações da Inglaterra, País de Gales, Irlanda do Norte e Escócia ― deste país
excluídas as criminais.
Além
de conhecer das apelações que preencham tais requisitos, a UKSC tem um relevante
papel na análise da compatibilidade de sua legislação com as regras (Diretivas)
emitidas pela União Europeia e a Convenção Europeia de Direitos Humanos. Neste
particular ela representa uma autêntica Corte Constitucional.
Ressalte-se
que o Ato Constitucional que criou a UKSC determina que suas regras sejam
simples e expressas com clareza, tornando a Corte rápida e eficiente. A
discussão de aspectos processuais é desestimulada. Recebida a apelação,
marca-se a sessão, podendo as partes sugerir, de comum acordo, quanto tempo
levará o julgamento. Normalmente, eles duram dois dias. A Corte não julga
às sextas-feiras, dia destinado ao preparo de novos casos. Os Justices sentam-se
em uma mesa reta, defronte aos advogados. Eles decidem usualmente em Turmas de
cinco, que podem aumentar para sete ou nove julgadores em casos mais complexos.
Como
resultado do pequeno número de recursos conhecidos, a Corte Suprema tem apenas
42 funcionários. Cada Justice tem uma secretária e um
assistente. A remuneração dos servidores varia, sendo o menor de cerca de R$
1.250 e o maior de R$ 27.500, vencimentos estes do Diretor-Geral (Chief
Executive). A preocupação com o meio ambiente é exteriorizada na economia
de recursos naturais. Os gastos de energia elétrica são controlados por
estatísticas e diminuíram 33% no período 2010-2011. Recentemente, foram
instalados detectores nos gabinetes dos Justices e o ar condicionado só liga
quando alguém entra no gabinete.
Junto
à Suprema Corte funciona um órgão denominado Judicial Committee of the
Privy Council – JCPC, que é a última instância para os recursos dos
Tribunais Ultramarinos e países da Confederação. Dele fazem parte dez Justices da
Suprema Corte. As apelações para a JCPC só são recebidas se houver permissão na
Constituição do país de origem ou se o Tribunal que julgou a admitir. De 1º de
janeiro de 2011 a 31 de março de 2012 foram recebidas 49 apelações e 32
foram julgadas (Annual Report, p. 31). Vejamos um caso decidido pelo
JCPC.
Max
Tido, natural das Bahamas foi acusado de matar, em 30 de abril de 2002,
Donnell Conover, uma adolescente de 16 anos. Donnel teria sido
persuadida, através de um telefonema, a sair de sua casa, à 1h20 da madrugada,
sendo horas depois assassinada. O telefonema havia sido dado de um restaurante
e Max foi identificado como seu autor. Além disso, ele tinha maus antecedentes.
Tal fato influenciou a decisão do juiz, que o condenou à pena de morte.
Julgando
o caso, o JCPC decidiu que a pena de morte só se justifica em casos extremos,
que causem revolta, e que seja evidente e impossibilidade de recuperação do
acusado. No caso, o assassinato foi considerado terrível, mas não havia provas
de ter sido planejado, nem que tivesse sido praticado com violência
incomum. Por tal motivo a JCPC deu provimento ao recurso, para que os autos
fossem a novo julgamento na Suprema Corte das Bahamas, recomendando que em
casos de pena de morte o réu fosse submetido a exame psiquiátrico.
Esta
é uma visão panorâmica da UKSC e do JCPC do Reino Unido, órgãos que tendem a
consolidar sua importância ao longo do tempo, influenciando a jurisprudência de
outros países, tal qual ocorre hoje com a Suprema Corte norte-americana.
Vladimir Passos
de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região,
onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.
Revista Consultor Jurídico, 3 de março de 2013
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