A Escola da Exegese: origem, características e contribuições
Os defensores da Escola da Exegese não aceitavam a existência de lacunas na lei, pois, por ser fruto da razão, ela alcançaria todo o ordenamento jurídico.
Resumo: Trata-se de um artigo científico que pretende fornecer breves apontamentos acerca da Escola da Exegese e a sua influência no ordenamento jurídico contemporâneo. Neste texto, faz-se, primeiro, uma breve explanação acerca das origens da hermenêutica e de todo o caminho percorrido, ao longo da história, até a sua introdução na ciência do direito. Após isso, são reservadas duas páginas para explicações sobre a Escola da Exegese, como as suas características fundamentais e a influência que ela teve em seu contexto histórico. Posteriormente, serão feitos apontamentos a respeito das contribuições da Escola da Exegese para o ordenamento jurídico francês pós-revolucionário e a sua influência nos ordenamentos jurídicos atuais, inclusive no brasileiro. Por fim, a última parte deste artigo é reservada para considerações finais sobre esta corrente, resumindo os principais pontos deste texto.
Palavras-Chave: Hermenêutica; Escola da Exegese; Código Napoleônico
Sumário:I.As origens da hermenêutica. II. A Escola da Exegese. III. As contribuições da Escola da Exegese. IV. Considerações finais. V. Referências Bibliográficas.
I. As origens da hermenêutica
Com o intuito de dar ao leitor um conhecimento mais amplo acerca do conteúdo principal deste artigo, reservaremos esta parte do texto para tecer comentários sobre as origens da hermenêutica.
A ciência da interpretação teve origem na teologia pagã de algumas civilizações da Idade Antiga. Dentre elas, podemos destacar a civilização grega.[1] Nos templos helênicos, era comum a existência de feiticeiros e adivinhos que abriam o ventre de animais mortos na tentativa de realizar previsões acerca do destino das pessoas. Segundo o professor Glauco Barreira, “esse procedimento estava em sintonia com a concepção cosmológica e determinista que se tinha do mundo. Desse modo, a crença no destino “‘tornava’ os acontecimentos futuros inevitáveis [...]”[2]. Neste contexto, a hermenêutica era utilizada em duas situações distintas. Na primeira, ela era usada pelos feiticeiros e adivinhos para interpretarem as mensagens referentes ao destino das pessoas. Na segunda, pelos próprios assistentes destes feiticeiros, que precisavam interpretar os pronunciamentos destes adivinhos, visto que eles faziam previsões com uma linguagem demasiadamente abstrata.
Com a ascensão do cristianismo[3], a hermenêutica passou a ser utilizada para a interpretação da Bíblia. Surgiram, nessa época, os primeiros intérpretes do livro sagrado cristão. Após a confecção do Novo Testamento, foram criadas várias ramificações do cristianismo original e, com elas, várias formas de se interpretar a Bíblia. Tal fato proporcionou o desenvolvimento da hermenêutica bíblica. Na gênesis dessa hermenêutica, destacaram-se duas correntes: A Escola de Alexandria e a Escola de Antioquia. A respeito dessas correntes hermenêuticas, Glauco Barreira afirma:
Entre os cristãos, inicialmente, existiam duas grandes escolas de hermenêutica bíblica: a Escola de Alexandria e a Escola de Antioquia. A primeira, tinha Clemente e Orígenes como seus grandes corifeus. Estes procuravam conciliar a mensagem cristã com a filosofia grega e, para a consumação de tal objetivo, alegorizavam os relatos históricos contidos na Escritura. Enquanto isso, os seguidores da Escola da Antioquia, prestigiando a compreensão mais óbvia dos textos, favoreciam uma interpretação mais literal. Acreditavam que, na Bíblia, existiam alegorias, no entanto, distinguiam a interpretação das Escrituras alegóricas da interpretação alegórica da Escritura.[4]
Podemos perceber, portanto, que a Escola de Antioquia possuía traços semelhantes com o que viria a ser a Escola da Exegese, pois ambas defendiam uma interpretação mais literal dos textos que essas correntes estudavam. Entretanto, é válido ressaltar que essas escolas possuíam motivos distintos para defenderem essa interpretação literal.
Durante a Idade Média, surgiram alguns célebres intérpretes do livro sagrado cristão, como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, que deram grandes contribuições para a hermenêutica teológica cristã. Após isso, com o advento da Reforma Protestante, cresceu o número de igrejas independentes da Igreja Católica e, com isso, aumentou o número de interpretações diferentes da Bíblia. Tal fato propiciou um desenvolvimento, nunca antes visto, da hermenêutica bíblica e o surgimento de vários filósofos que eram estudiosos do livro sagrado cristão. Podemos perceber, pois, que a introdução da hermenêutica no campo da filosofia era somente questão de tempo.
A ciência da interpretação foi introduzida na filosofia por Friedrich Schleiermacher. Tal fato ocorreu devido à forma de interpretação da Bíblia que este filósofo sustentava. Na sua visão, o livro sagrado dos cristãos deveria ser interpretado “como um simples texto de natureza histórico-literária[...]”[5]. Segundo Schleiermacher, esse tipo de acepção de sentido do texto poderia e deveria ser utilizada na interpretação de qualquer obra. Ao fazer tal afirmação, esse autor abriu caminho para a introdução da hermenêutica na filosofia e, posteriormente, no direito.
Durante o período de inserção da hermenêutica no direito, ganhou força um movimento que propunha a codificação do direito. Tal movimento era formado por jusconsultos que eram muito influenciados por vários ideais iluministas. Dentre eles, podemos destacar: o princípio da certeza do direito, o da autoridade e o da separação de poderes. Todas essas idéias proporcionaram as bases teóricas para a criação do Código Napoleônico, que, ressalta-se, ainda está em vigor na França, e para o surgimento do movimento hermenêutico conhecido como a Escola da Exegese. Podemos citar com um dos motivos para a grande difusão, no meio acadêmico, das ideias desta corrente científica a obrigatoriedade do ensino deste código nas universidades francesas. A respeito da obrigatoriedade do ensino dos ideais exegistas na França do início do século XIX, Bonnecase (1924, p.19 apud BOBBIO, 1961, p.82) afirma:
Deduz-se do discurso de Blondeau que o governo imperial quase que ordenou a exegese [grifo nosso], tendo as Faculdades de Direito por primeiro objetivo lutar contra as tendências filosóficas que se manifestavam, precariamente, aliás, na maior parte do tempo, no curso de legislação das escolas centrais[6]
Percebemos pela parte grifada o quanto era importante, para Napoleão Bonaparte, o ensino dos preceitos exegistas nas universidades. Tal fato justifica-se pelos ideais da Escola da Exegese proporcionarem um controle maior da população pelo Estado, contribuindo para a noção de que “o Direito e o Código Civil eram uma das formas de dominação de que Napoleão dispunha.”[7]. Além disso, é válido ressaltar que alguns dos principais expoentes da Escola da Exegese, como Alexandre Duranton, Charles Aubry e Frédéric Charles Rau, eram professores universitários na França pós-revolucionária.
Na próxima parte deste artigo, daremos mais explicações a respeito das características da corrente supracitada, contribuindo, assim, para um maior entendimento do leitor acerca da importância histórica da Escola da Exegese.
Leia mais: http://jus.com.br/revista/texto/23137/a-escola-da-exegese-origem-caracteristicas-e-contribuicoes#ixzz2Dp8EnVw0
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