13 de agosto de 2011 | N° 9260
PENSO | Paulo Markun
Penso Paulo Markun Criatividade, ócio, mediocridade
Há poucas semanas, o Brasil perdeu um grande arquiteto e urbanista, que merecia ser tão aplaudido e incensado quanto Oscar Niemeyer: Fábio Penteado. Se poucos conhecem sua obra, menos ainda são os que tiveram acesso ao pequeno paraíso que ergueu numa prainha ao lado de Ganchos e de cuja varanda apreciava o vaivém dos barcos de pesca, na companhia de um copo de uísque e de uma paixão madura. Meu amigo há 40 anos, costumava matar o tempo em seu apartamento espaçoso e cheio de obras de arte em São Paulo, embora tenha estado em sua casa catarinense algumas vezes.
Tivesse nascido na Europa ou nos Estados Unidos, Fábio, que morreu aos 81 anos, seria reconhecido como um dos grandes arquitetos do século 20 por seus projetos que não cabiam nas formas em que os teóricos enquadram a arquitetura contemporânea e tinham o traço comum de privilegiar o coletivo e buscar a beleza, por diversos caminhos. Em 1972, ele resumiu seu pensamento assim:
“Talvez, o maior papel dos arquitetos nesta nossa época seja construir os novos espaços de encontro e convivência para as multidões das grandes cidades. De repente, o desenho dos edifícios quase perde o sentido se o edifício, isolado na paisagem urbana, não comunicar a participação de todas as pessoas naquilo que possa representar o viver melhor. E, certamente, os ideais de bem-estar e a paz terão de ser conquistados por toda a gente, também com a força e o poder da arte e da beleza.”
É fato que muitos projetos de Fábio Penteado continuam apenas no papel, como o Teatro de Ópera de Campinas, segundo colocado em um concurso internacional de arquitetura, e o Teatro Municipal de Piracicaba, com suas formas belas e surpreendentes. Outras edificações foram deturpadas, como o hospital da Santa Casa de São Paulo, horizontal, aberto, ventilado, uma praça de saúde, hoje transformado, no Fórum Criminal. Mas os poucos preservados em sua aparência e destinação, continuam surpreendendo e encantando.
É o caso do Centro de Convivência Cultural de Campinas, concebido em 1967-1968. Três espaços teatrais fechados e cobertos por planos inclinados de concreto oferecendo em seus telhados, digamos, arquibancadas que formam uma arena a céu aberto. Ali, sonhava meu amigo, haveria “um espaço aberto para o encontro e o convívio, onde se pode ficar à vontade, vadiar, ler, descansar, namorar, assistir a espetáculos artísticos e esportivos, participar de manifestações públicas...” Era a reação à ideia usual do teatro como território exclusivo, quase misterioso, onde só os bem nascidos podem entrar. Para ele, isso não fazia sentido: “Contra aquele teatro que só abre as portas na hora do espetáculo, um teatro que seja usado e tenha rentabilidade 24 horas por dia: se você usa o dinheiro público, deve garantir uma rentabilidade cultural, como se fosse o melhor negócio.”
Aqui na Ilha, Fábio Penteado se incomodava com muitas coisas. Dos casarões tipo Miami que certos condomínios ostentam com orgulho à ocupação medíocre do território conquistado ao mar pelos aterros das baías Norte e Sul. Mas poucas coisas o irritavam tanto quanto o trajeto burro e tacanho que os viajantes são obrigados a percorrer sempre que precisam usar o aeroporto. Percurso incapaz de atender ao movimento intenso e que só será melhorado à custa de um estrago enorme nas casas e manguezais que o circundam. Ele sonhava com uma linha de barcos rápidos e lentos, que partiriam da base aérea bem ao lado, e que poderia transportar milhares de pessoas rumo a alguns pontos de desembarque: Estreito, Beira-Mar, Cacupé, Santo Antônio de Lisboa, Jurerê, Canasvieiras. Algo semelhante às linhas que cruzam a baía de Sydnei, na Austrália.
O que a trajetória desse urbanista radical tem a ver com a nossa ilha? Nada, infelizmente. Fábio nunca foi ouvido pelas autoridades locais. Faz sentido, já que não cultuava o ócio, não nasceu na Itália nem se dispôs a oferecer seus préstimos em palestras, eventos, seminários e colóquios privados.
Para Fábio, o tempo acabou. E o de Florianópolis está terminando. A pesquisa do Ipea em regiões metropolitanas identificou apenas duas com crescimento populacional maior na última década: Manaus, com 2,5% ao ano, em média, e Goiânia com 2,26%. Floripa ocupa o não muito honroso terceiro lugar, empatada com Aracaju: 2,15%, quase o dobro da média nacional.
Estamos crescendo numa velocidade preocupante, mas a cidade não constrói equipamentos e pontos de encontro para as multidões. Basta ver o tapa dado no calçadão da Beira-Mar, para ficar num exemplo apenas. Nosso plano diretor rendeu muita conversa, mas segue sendo adulterado em surdina por projetos específicos e pouco debatidos. E a transformação da cidade, que perde seu encanto provinciano está na cara de todos nós: viadutos e mais viadutos, incapazes de liquidar com os engarrafamentos; condomínios de luxo sem tratamento de esgoto; bares e lojas que apostam no turismo sazonal e chinfrim. Numa palavra? Mediocridade.
Fábio Penteado já não pode colaborar para mudar nosso destino urbano, mas certamente outros arquitetos catarinenses ou brasileiros estão prontos a empregar seus talentos para que a nossa cidade se encontre com o futuro, sem jogar fora o que tem de peculiar e atraente.
Disponível no Portal do Diário Catarinense: (http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a3446917.xml&template=3916.dwt&edition=17727§ion=1323). Acesso em: 28/ag/2011.
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