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sábado, 30 de abril de 2011

Direitos Humanos. TJRS. Vítima de torturas da Ditadura será indenizado pelo Estado, Direito é Imprescritível

30 de abril de 2011 13h52
Ativistas: 2ª indenização para vítima da ditadura é um marco
Flavia Bemfica
Direto de Porto Alegre

Entidades e militantes de direitos humanos em todo o País comemoraram nesta semana a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) em relação ao caso de Airton Joel Frigeri. A 5ª Câmara Cível do TJ gaúcho condenou o Estado a indenizar Frigeri em R$ 200 mil, por danos morais, em função de ter sido torturado durante o regime militar (1964-1985). O crime ocorreu em 1970, quando a vítima tinha 16 anos. Para os que tratam da questão dos direitos humanos, a decisão é considerada inovadora porque ocorre mesmo após ele ter sido indenizado em R$ 30 mil em 1998, com base na Lei Estadual RS 11.042/97.

A lei prevê a concessão de indenizações a presos ou detidos por motivos políticos entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979 e que tenham sofrido maus tratos que acarretaram danos físicos ou psicológicos enquanto estavam sob guarda e responsabilidade, ou sob poder de coação de órgãos ou agentes públicos estaduais. O tribunal considerou que o ressarcimento efetuado pela lei 11.042 não se deu em razão dos prejuízos morais, mas sim em função dos danos físicos e psicológicos.

O entendimento abre um precedente tratado como um marco para os ativistas. Nas esferas estaduais e federal, os pedidos de reparações ganharam corpo nos últimos anos. Porém, integrantes de movimentos em defesa dos direitos humanos afirmam que a maioria não enfatiza a questão do dano moral provocado pela tortura.

A Comissão da Anistia, por exemplo, instalada pelo Ministério da Justiça em 2001, analisa pedidos de indenizações de pessoas que tenham sido impedidas de exercer atividades econômicas por motivação exclusivamente política no período de 18 de setembro de 1946 até 5 de outubro de 1988. "Fizeram uma Comissão de Anistia que examina coisas que não são propriamente relativas à tortura. Sou absolutamente contrário a essa anistia de duas mãos porque ninguém pode se auto anistiar", disse o jurista e presidente da Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos (FidDH), Hélio Bicudo.

Para Bicudo, a decisão do caso Frigeri pode funcionar como a "ponta de um iceberg". "Não abre um precedente apenas para a época. Ela tem repercussão nos dias atuais porque, enquanto conversamos, a tortura segue acontecendo". O presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos no Rio Grande do Sul (MJDH), Jair Krischke, tem entendimento semelhante. "É um marco importantíssimo, que repercute nos dias atuais. É claro que esta é uma ação cível, indenizatória, ela não é criminal. Também é totalmente diferente das reparações com caráter indenizatório, mas de viés trabalhista", disse.

O caráter "inovador" da decisão do TJ é reforçado por outros pontos, sendo que um deles trata da questão da prescrição. Em 1998, ao considerar insuficiente a reparação recebida, Frigeri ingressou na Justiça. Em setembro do ano seguinte, a 2ª Vara Cível Especializada em Fazenda Pública de Caxias do Sul julgou extinta a ação, por considerar que o prazo estava prescrito. Foi dessa sentença que ele recorreu ao Tribunal de Justiça. Agora, tão logo o caso ganhou repercussão, a Procuradoria-Geral do Estado divulgou nota na qual afirma que não recorrerá da decisão no que diz respeito à prescrição.

"Para tortura não há prescrição porque ela mata duas vezes a humanidade: a da vítima e a do torturador. É dantesca, irreal, irracional e aplicada por prazer. Nenhum indivíduo pode se esconder atrás de um cargo público para praticar o mal e o Estado não pode fazer exatamente o contrário daquilo que existe para fazer", afirmou o relator da ação no tribunal gaúcho, desembargador Jorge Luiz Lopes do Canto.

Comissão Nacional da Verdade

Outro ponto diz respeito ao fato de a decisão acontecer em meio a todo o debate referente à criação da Comissão Nacional da Verdade. O PL 7376/10, de autoria do Executivo, que cria a Comissão (com o objetivo de esclarecer casos de violação de direitos humanos - entre eles torturas, mortes, desaparecimentos e ocultação de cadáveres - ocorridos entre 1946 e 1988), está parado na Câmara desde maio do ano passado.

"As Forças Armadas não podem pagar pelos erros de pessoas, mas não custaria reconhecer que as pessoas cometeram crimes. É importante para os nossos dias porque a tortura é o processo mais vil que pode haver dentro de alguém", disse o juiz do Tribunal Militar do Rio Grande do Sul João Carlos Bona Garcia, que teve sua história já transformada em filme (Em Teu Nome, lançado em 2010). Ex-preso político, Bona Garcia não esqueceu os detalhes de sua passagem pelas salas de tortura. "No meu caso, o oficial torturava junto com um médico, para não deixar a gente morrer. E seu prazer era evidente. Ele torturava ouvindo música clássica".

Por fim, o caso pode ajudar nos levantamentos. Não há no Brasil projeções sobre o alcance da tortura. A Comissão da Anistia trabalha com um universo de 68 mil processos. Mais de 50 mil pessoas foram presas, mas muitos podem nunca terem contado suas histórias. "Tomando por base os processos da Comissão da Anistia e mais o número de prisões, acredito que possam ter sido torturadas entre 50 mil e 60 mil pessoas no período. Este caso mesmo do Frigeri, não estava nos registros", disse Krischke.

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