Acessos

quarta-feira, 10 de março de 2010

Usucapião. Posse clandestina. Bem alienado fiduciariamente. Usucapiente adquiriu posse de automóvel cedida clandestinamente pelo mutuário fiduciário. Improcedência. STJ.

10/03/10 17:20... Atualização 24/dez/2013...


04/03/2010 - 08h01 DECISÃO

Transferir veículo com alienação fiduciária à revelia da financeira é ato clandestino

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) pacificou o entendimento de que a transferência a terceiro de veículo gravado como propriedade fiduciária, à revelia do proprietário (credor), constitui ato de clandestinidade incapaz de induzir posse (art. 1.208 do Código Civil de 2002), sendo por isso impossível a aquisição do bem por usucapião.

Em caso idêntico, a Terceira Turma do STJ já havia decidido que a posse de bem por contrato de alienação fiduciária em garantia não pode levar a usucapião pelo adquirente ou pelo cessionário deste, pois a posse pertence ao fiduciante que, no ato do financiamento, adquire a propriedade do bem até que o financiamento seja pago. Agora, em precedente relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, a Quarta Turma do STJ consolidou tal entendimento.

Segundo o relator, com a decisão pacificada pelas duas turmas de Direito Privado do STJ, o Judiciário fecha as portas para o uso indiscriminado do instituto do usucapião: “A prosperar a pretensão deduzida nos autos – e aqui não se está a cogitar de má-fé no caso concreto -, abrir-se-ia uma porta larga para se engendrar ardis de toda sorte, tudo com o escopo de se furtar o devedor a pagar a dívida antes contraída. Bastaria a utilização de um intermediário para a compra do veículo e a simulação de uma “transferência” a terceiro com paradeiro até então “desconhecido”, para se requerer, escoado o prazo legal, o usucapião do bem”.

Em seu voto, Luis Felipe Salomão reiterou que como nos contratos com alienação fiduciária em garantia o desdobramento da posse e a possibilidade de busca e apreensão do bem são inerentes ao próprio contrato, a transferência da posse direta a terceiros deve ser precedida de autorização porque modifica a essência do contrato, bem como a garantia do credor fiduciário.

Para o ministro, embora o artigo 1.261 do Código Civil - “se a posse de coisa móvel se prolongar por cinco anos produzirá usucapião, independentemente de justo título e boa-fé” - não exija título nem boa-fé, o artigo 1.208 do mesmo código dispõe que “não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância, assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade”.

Portanto, quando o bem garante da dívida é transferido a terceiro pelo devedor fiduciante, sem consentimento do credor fiduciário, deve a apreensão do bem pelo terceiro ser considerada como ato clandestino, por ser praticado às ocultas de quem se interessaria pela recuperação do bem, destacou o relator.

O caso julgado

No caso em questão, Thais de Melo Lemos ajuizou ação de usucapião de bem móvel contra o Banco Ford S/A, sustentando que, em dezembro de 1995, adquiriu um automóvel de Luis Fernando Gomes Pereira, o qual, por sua vez, adquiriu o veículo mediante alienação fiduciária em garantia prestada em favor do banco Ford.
Alegou que diante da inércia da instituição financeira, exerce a posse tranqüila e de boa-fé do bem desde a sua aquisição.

O banco contestou, alegando, em síntese, a impossibilidade de declaração da usucapião, já que sobre o automóvel incide gravame de alienação fiduciária e remanesce, ainda, um débito de aproximadamente R$ 40 mil em aberto.

O Juízo de Direito da 14ª Vara Cível do foro central da comarca de Porto Alegre julgou o pedido procedente e declarou a aquisição do domínio por parte da autora, mediante usucapião, determinando a expedição de registro desembaraçado de qualquer gravame.

A sentença foi confirmada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que entendeu que independentemente de justo título e boa-fé é possível deferir a pretensão quando já implementado o prazo de cinco anos de posse direta decorrente de contrato de alienação fiduciária.
Concluiu, ainda, que a inércia da instituição financeira em reaver o bem de sua propriedade enseja o reconhecimento da posse por usucapião.

O banco Ford recorreu ao STJ. Por unanimidade, a Quarta Turma acolheu o recurso para julgar improcedente o pedido de usucapião.
 
(Resp 881270).
 
...Disponível no Portal do STJ: (http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=96171). Acesso em: 10.mar.2010.

É a seguinte a Ementa:

DIREITO CIVIL. USUCAPIÃO. BEM MÓVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AQUISIÇÃO DA POSSE POR TERCEIRO SEM CONSENTIMENTO DO CREDOR. IMPOSSIBILIDADE. ATO DE CLANDESTINIDADE QUE NÃO INDUZ POSSE. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.208 DO CC DE 2002. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.
1. A transferência a terceiro de veículo gravado como propriedade fiduciária, à revelia do proprietário (credor), constitui ato de clandestinidade, incapaz de induzir posse (art. 1.208 do Código Civil de 2002), sendo por isso mesmo impossível a aquisição do bem por usucapião.
2. De fato, em contratos com alienação fiduciária em garantia, sendo o desdobramento da posse e a possibilidade de busca e apreensão do bem inerentes ao próprio contrato, conclui-se que a transferência da posse direta a terceiros – porque modifica a essência do contrato, bem como a garantia do credor fiduciário – deve ser precedida de autorização.
3. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 881270/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/03/2010, DJe 19/03/2010).

Nenhum comentário: