Acessos

sábado, 10 de outubro de 2009

Impenhorabilidade. Processual Civil. Execução de Tít. Extrajudicial. Penhora On Line. Saldo bancário de origem alimentar. CPC, art. 649, IV...

01/09/2009
Execução de título extrajudicial. Penhora. Bloqueio em conta corrente. Saldo de natureza alimentar. Ofensa ao artigo 649, IV, CPC. Medida extrema. Desprovimento.


Tribunal de Justiça do Mato Grosso -

TJMT. QUINTA CÂMARA CÍVEL AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 54408/2009 - CLASSE CNJ - 202 - COMARCA CAPITAL AGRAVANTE: BANCO BRADESCO S.A AGRAVADO: MARCO ANTÔNIO DA SILVA AGRAVADOS: M. ANTONIO DA SILVA E OUTRO(s) Número do Protocolo: 54408/2009 Data de Julgamento: 12-8-2009 EMENTA EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL - PENHORA - BLOQUEIO EM CONTA CORRENTE - SALDO DE NATUREZA ALIMENTAR - OFENSA AO ARTIGO 649, IV, CPC - MEDIDA EXTREMA - DESPROVIMENTO.

O artigo 649, IV, do CPC restringe em afirmar que são absolutamente impenhoráveis os vencimentos, subsídios, soldos e salários destinados ao sustento do devedor e sua família. No entanto, há viabilidade da penhora das verbas mencionadas no referido dispositivo, desde que o credor demonstre cabalmente a ausência de prejuízo à subsistência do devedor, ao orçamento familiar e a sua natureza sovina.

R E L A T Ó R I O

EXMO. SR. DES. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Egrégia Câmara:

Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto pelo Banco Bradesco S.A. visando reformar a decisão proferida pela douta Juíza de Direito da 2ª Vara Especializada em Direito Bancário da Comarca da Capital, que acolheu as razões apresentadas pelo agravado e determinou o desbloqueio efetivado via BACEN-JUD entendendo ser o dinheiro oriundo de verba salarial.
O agravante sustenta a reforma da decisão argumentando ser perfeitamente possível a constrição de valores, posto que os créditos não são de origem alimentar. Defende que a lei protege o salário do indivíduo e não o seu saldo em conta corrente, de forma que após integralizar o montante na conta corrente pode ser indiscutivelmente penhorado.
A fl. 105-TJ indeferi o pleito liminar.
As informações aportaram à fl. 114-TJ noticiando o cumprimento do art.526 e a manutenção da decisão por seus próprios fundamentos. A contra minuta foi apresentada às fls. 116/129-TJ requerendo o desprovimento do recurso aviado.
É o relatório.

V O T O

EXMO. SR. DES. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA (RELATOR) Egrégia Câmara:

Trata-se de ação de execução por título executivo extrajudicial, cujo objeto é um contrato de financiamento de capital de giro, interposta pelo agravante em desfavor do agravado. Noticiam os autos que após a citação edilícia e nomeada curadora especial, foi determinado pela judicante singular o bloqueio de valores na conta corrente do agravado, via BACEN-JUD, retendo a quantia de R$1.159,25 (mil cento e cinqüenta e nove reais e vinte e cinco centavos).
Após a manifestação do agravado, a juíza singular determinou a liberação do valor, entendendo ser de origem alimentar o saldo bloqueado.
Reside ai a indignação do agravante. Argumenta que não foram observadas as regras aplicáveis ao caso, posto que não houve constrição de salário, mas sim de valores constante na conta corrente do agravado. Aduz que a lei protege o salário do indivíduo e não o seu saldo em conta corrente, de forma que quando integraliza o montante na conta corrente pode ser penhorado.
Pois bem.
Diz o art. 649, IV do CPC: "São absolutamente impenhoráveis: ... IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios, as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos do trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3º deste artigo".
Verifica-se, por conseguinte, que a lei não exige nenhum requisito para a impenhorabilidade dos salários, mas, também, não faz exceção quanto à possibilidade de penhora do saldo disponível na conta com natureza de poupança e não alimentar. A norma se restringe em afirmar que "SÃO ABSOLUTAMENTE IMPENHORÁVEIS", não deixando nenhuma margem de interpretação ao julgador.
Coaduno do raciocínio lógico de que à pessoa física devem ser garantidas condições mínimas de habitação e alimentação, razão pela qual se impõe parcial proteção ao patrimônio, para que não perca as condições de sustento. In casu, apesar das razões esposadas, os documentos colacionados pelo agravado são capazes de demonstrar que o valor constrito possui origem alimentar, vez que proveio do resultado do seu labor.
Assim, tenho que não merece guarida o presente recurso, a uma porque, como já salientado, a ordem jurídica majoritária segue o entendimento acerca da impenhorabilidade dos salários, seja pela ótica legal, doutrinária ou jurisprudencial e a duas porque é de extrema dificuldade provar que o saldo em conta corrente tem natureza sovina, sem comprometimento do orçamento familiar.
Assim, por mais que estendêssemos pela penhorabilidade do salário com natureza parcimoniosa, impossível seria a sua constrição, tendo em vista a impossibilidade de a parte adversa trazer todos os gastos familiares despendidos pelo devedor.
Em verdade, o risco de subtrair do devedor, ora agravado, quantia que lhe é protegida por lei em razão da fragilidade da identificação dos créditos é de grande monta, motivo pelo qual se justifica a preservação da dignidade material da pessoa do devedor.
A jurisprudência desta Egrégia Corte segue na mesma esteira:

"MANDADO DE SEGURANÇA - AÇÃO DE COBRANÇA - PENHORA DE VENCIMENTOS - IMPOSSIBILIDADE - ORDEM CONCEDIDA. Tendo em vista que o salário é verba de caráter alimentar, não poderá sofrer indisponibilidade, conforme preceitua o art. 5º, LIV, e 7º, X, segundo os quais: "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal, e são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa." (MSI n. 88.241/2006, Rela. Desa. Maria Helena Gargaglione Povoas, 1ª TCCR, j. 5-6-2007)

"AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO - SISTEMA BACEN JUD - PENHORA ON LINE - VENCIMENTOS - SERVIDOR PÚBLICO - IMPOSSIBILIDADE (ART. 649, IV, CPC) - RECURSO, PROVIDO, PARCIALMENTE. Os vencimentos dos servidores públicos são impenhoráveis, conforme dispõe o artigo 649, IV, do Código de Processo Civil." (RAI n. 62.32/2007, Rel. Des. José Silvério Gomes, 4ª Câm. Cív., j. 3-12-2007)

"AÇÃO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS - DIFERENÇAS SALARIAIS - PENHORA - INCIDÊNCIA - PRECLUSÃO - NOVA FAMÍLIA CONSTITUÍDA - RECURSO DE AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. O velho brocardo jurídico de que o direito não socorre quem dorme encontra-se imperante e sempre utilizado. A impenhorabilidade de salários pode se estender à diferença de verbas salariais pretéritas não reclamadas a tempo." (RAI n. 15.338/03, Rel. Des. Licinio Carpinelli Stefanim, 1ª Câm. Cív., j. 3-11-2003)

"AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO - PENHORA SOBRE SALÁRIO - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO PROVIDO. A impenhorabilidade do salário está prevista no artigo 649, inciso IV, do Código de Processo Civil, sendo norma de ordem pública e que atinge a integralidade do mesmo, ainda mais quando a espécie dos autos demonstra que não houve penhora em poupança constituída com o acúmulo da remuneração em conta corrente do devedor." (RAI n. 31.954/2007, Rel. Juiz Antonio Horácio da Silva Neto, 3ª Câm. Cív., j. 16-7-2007)

Os Tribunais Superiores não discrepam deste entendimento:

"Execução. Penhora de créditos decorrentes da prestação de serviços profissionais. Art. 649, IV, do Código de Processo Civil. 1. Os rendimentos do trabalho profissional como médico estão alcançados pela regra do art. 649, IV, do Código de Processo Civil, sendo, portanto, impenhoráveis. 2. Recurso especial conhecido e provido." (STJ, REsp 599602/PR, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Meneses Direito, j. 7-12-2004)

"CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. EXECUÇÃO. PENHORA. PERCENTUAL EM CONTA-CORRENTE. VENCIMENTOS. PREQUESTIONAMENTO. PRESENÇA. I. Indevida penhora de percentual de depósitos em conta-corrente, onde depositados os proventos da aposentadoria de servidor público federal. A impenhoralibilidade de vencimentos e aposentadorias é uma das garantias asseguradas pelo art. 649, IV, do CPC. II. Agravo desprovido." (STJ, AgRg no REsp 969549, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 18-9-2007)

Como já mencionado alhures, não me adéquo à inflexibilidade da norma, sendo que, quando ficar cabalmente demonstrado que o orçamento familiar não sofrerá nenhuma instabilidade em decorrência da penhora, poderá, frente ao caso concreto, ser admitido o bloqueio em conta corrente, porém, definitivamente não é o caso dos autos.
Ademais, se a penhora on line é tida como medida extrema, com mais razão a sua utilização para bloqueio de saldo em conta corrente utilizada para recebimento de salário, o que é absolutamente repugnado por todas as fontes secundárias do direito processual civil. Assim sendo, comprovado que o saldo existente na conta corrente do agravado advém de proventos, subsídios de caráter alimentar, e não demonstrado que o numerário depositado tem natureza de poupança, sem danificar a subsistência do devedor, é imperial a aplicabilidade do art. 649, IV do CPC, para manter a decisão a quo que determinou o imediato desbloqueio do saldo penhorado na conta corrente do ora agravado. Assim, a decisão foi bem posta, devendo permanecer incólume.
Por esses motivos, NEGO PROVIMENTO ao presente recurso. É como voto.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. LEÔNIDAS DUARTE MONTEIRO, por meio da Câmara Julgadora, composta pelo DES. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA (Relator), DES. LEÔNIDAS DUARTE MONTEIRO (1º Vogal) e DES. SEBASTIÃO DE MORAES FILHO (2º Vogal), proferiu a seguinte decisão:
RECURSO IMPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME.
Cuiabá, 12 de agosto de 2009.
DESEMBARGADOR LEÔNIDAS DUARTE MONTEIRO - PRESIDENTE DA QUINTA CÂMARA CÍVEL DESEMBARGADOR CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA - RELATOR
Publicado em 21/08/09

Nenhum comentário: