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domingo, 3 de maio de 2009

Adoção direta de criança. Melhor interesse da criança. Destituição do poder familiar. Desnecessária concordância dos pais biológicos. TJMA.

03/mai/2009... Atualização 04//mai/2014...


EMENTA: 

CIVIL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE ADOÇÃO. PROCESSO JUDICIAL. REQUISITOS NECESSÁRIOS. ART. 16 E SS. DO CC. PROCESSO JUDICIAL. PERDA DO PODER FAMILIAR. ART. 1.621, § 1º DO CPC. DISPENSA DO CONSENTIMENTO. CONDIÇÕES FUNDAMENTAIS AO BEM-ESTAR, SEGURANÇA, EDUCAÇÃO, SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA AO MENOR. ATENDIMENTO. EFETIVAÇÃO DA ADOÇÃO. NÃO PROVIMENTO. I - Conforme o princípio da garantia de prioridade absoluta (art. 227, caput, da CF/88), assim como o do reconhecimento da condição peculiar da criança, os interesses dos menores sobrepõem-se a quaisquer outros e, nessa diretriz, nos processos judiciais envolvendo adoção de menores, o magistrado deve ater-se aos requisitos necessários a tanto, previstos no art. 1.618 e ss. do Código Civil, sempre dando prevalência ao bem-estar material e psicológico; II – o não atendimento dos regramentos insertos no § 1º do art. 1.621 do CC, resulta na destituição do poder familiar, a qual dispensa o consentimento dos pais para a adoção; III – o ambiente de tranqüilidade em que vivem os adotantes, aliado às condições financeiras aptas a proporcionar a garantia de condições fundamentais como, bem-estar, segurança, educação, saúde e a própria qualidade de vida ao menor, está em consonância com as exigências insertas no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei n.º 8.069/1990) e autorizam a efetivação da adoção; IV – apelação não provida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 030151/2008, em que figuram como apelante Maria do Rosário Martins dos Santos, e como apelados Vanderlei Alves Lima e Vânia Fecury Zenni, acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Membros da Terceira Câmara Cível deste Egrégio Tribunal, unanimemente e de acordo com o parecer do Ministério Público, em negarem provimento ao recurso, nos termos do voto do Desembargador Relator. Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Cleones Carvalho Cunha, José Stélio Nunes Muniz e Nelma Sarney Costa. Funcionou pela Procuradoria Geral de Justiça a Drª Sâmara Ascar Sauáia. São Luís, 05 de março de 2009. Desembargador CLEONES CARVALHO CUNHA PRESIDENTE/RELATOR

RELATÓRIO

Adoto como relatório aquele constante do parecer da Douta Procuradoria Geral de Justiça, às fls. 286/290, o qual passo a transcrever, ipsis litteris: A presente Apelação Cível foi interposta por MARIA DO ROSÁRIO MARTINS DOS SANTOS, com objetivo de impugnar sentença que julgou procedente os pedidos da Ação de Destituição do Pátrio Poder c/c Adoção ajuizada por VANDERLEI ALVES DE LIMA e VÂNIA MARIA FECURY ZENNI, determinando-se a destituição do pátrio poder da apelante e deferindo-se a adoção da menor Cássia Vitória Martins dos Santos pelos apelados. Sustenta a recorrente, em linhas gerais, que não houve consentimento materno para o pedido de adoção, que não estão presentes no caso as causas legais para a destituição do poder familiar e que a decisão ofende o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Tendo em vista o art. 198, VI do Estatuto da Criança e do Adolescente, o apelo foi recebido apenas no efeito devolutivo pelo juízo a quo (fl. 252).
Regularmente intimados, os apelados apresentaram contrarrazões, oportunidade na qual, preliminarmente, manifestaram-se pelo não-conhecimento do recurso com fundamento em sua intempestividade e, no mérito, corrobroam os argumentos expendidos ao longo do processo (fls. 262/270). Em seguida, vieram os autos à esta Procuradoria para emissão de parecer. A Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da lavra da Dr.ª Themis Maria Pacheco de Carvalho, manifestou-se pelo conhecimento e não provimento do recurso, mantendo in totum a sentença recorrida.
É o relatório.

VOTO

Inicialmente, verifico o preenchimento dos requisitos de admissibilidade recursal, posto que a ora apelante possui legitimidade e interesse em recorrer e aviou o presente recurso no prazo legal, fls. 251 e 272, estando dispensada do preparo, por ser beneficiária da Assistência Judiciária Gratuita, nos termos do dispositivo inserto no art. 4º da Lei n.º 1.060/50. Motivo pelo qual, conheço desta apelação.
A peça recursal traz à baila, em linhas gerais, como argumentos para reforma da decisão a quo, a inexistência de consentimento materno para a adoção, bem como das causas legais para destituição do poder familiar, em flagrante ofensa ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
Conforme o princípio da garantia de prioridade absoluta (art. 227, caput, da CF/88), assim como o do reconhecimento da condição peculiar da criança, os interesses dos menores sobrepõem-se a quaisquer outros e, nessa diretriz, nos processos judiciais envolvendo adoção de menores, o magistrado deve ater-se aos requisitos necessários a tanto, previstos no art. 1.618 e ss. do Código Civil, sempre dando prevalência ao bem estar material e psicológico.
Vale a pena transcrever o dispositivo em comento, in verbis:

Art. 1.618 – Só a pessoa maior de dezoito anos pode adotar.
Parágrafo único. A adoção por ambos os cônjuges ou companheiros poderá ser formalizada, desde que um deles tenha completado dezoito anos de idade, comprovada a estabilidade da família.
Art. 1.619. O adotante há de ser pelo menos dezesseis anos mais velho que o adotado. [...]
Art. 1.621. A adoção depende de consentimento dos pais ou dos representantes legais, de quem se deseja adotar, e da concordância deste, se contar mais de doze anos.
§ 1o O consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder familiar.
§ 2o O consentimento previsto no caput é revogável até a publicação da sentença constitutiva da adoção. [...]
Art. 1.623. A adoção obedecerá a processo judicial, observados os requisitos estabelecidos neste Código. [...]
Art. 1.625. Somente será admitida a adoção que constituir efetivo benefício para o adotando. Dos artigos acima transcritos, tem-se que os requisitos indispensáveis ao processo de adoção, resumidamente, são:
1º) idade mínima de dezoito anos para o adotante;
2º) diferença de dezesseis anos entre adotante e adotado;
3º) consentimento dos pais ou dos representantes legais de quem se deseja adotar;
4º) concordância deste, se contar mais de doze anos;
5º) processo judicial;
6º) efetivo benefício para o adotando.

No caso em apreço, à parte o requisito pautado na concordância do menor (se contar mais de doze anos) – o qual não se aplica à situação em comento, uma vez que a criança em questão, Cássia Vitória Martins dos Santos, conta, atualmente, com 3 anos (fl. 11), a discussão no presente feito centra-se no atendimento ao pressuposto pautado no consentimento dos pais verdadeiros daquela, bem como acerca do efetivo benefício em seu favor, uma vez que os demais restaram devidamente atendidos, conforme atestam os documentos de fls. 12/15 e 22/23.

Quanto ao primeiro aspecto – consentimento dos pais ou dos representantes legais de quem se deseja adotar, consta nos autos a declaração de fl. 13, em que a apelante, a rogo, autoriza a adoção da menor, Cássia Vitória Martins dos Santos, aceitando, consequentemente, a perda de seu poder familiar. Aqui, ressalte-se, a discussão acerca da situação fática e condições em que foi obtida essa declaração – se houve má-fé dos apelados, da enfermeira Jackelene ou mesmo da própria recorrente, está sendo devidamente apurada na seara criminal, através do Inquérito Policial n.º 33406/2006, movido em face daquela última, e que tramita na 11ª Vara Criminal da Capital, conforme atesta o sistema de acompanhamento processual desta Corte (fls. 229/231).

Mas, independentemente do desfecho dessa questão, ao presente feito interessa que, em razão de todo o relato fático da situação em que vive a apelante, desprovida de infra-estrutura necessária ao desenvolvimento social e humano, em péssimas condições habitacionais, evolvendo-se, constantemente em brigas (fls. 42 e 122), inclusive com o Sr. Boaventura, pai da criança em questão, as quais resultaram em lesões corporais, tudo isso, por si só, já seria suficiente à destituição do pátrio poder da recorrente em favor, não somente, da menor aqui abordada, mas, igualmente, das outras filhas menores, por deixar de proporcionar-lhes educação, criação saudável e adequada à idade, moral e bons costumes.
O § 1º do art. 1.621 é enfático ao prescrever que o consentimento dos pais ou dos representantes legais “será dispensado em relação à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder familiar” (grifo nosso). Isso porque, o Poder familiar constitui-se no conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante à pessoa e aos bens dos filhos menores, e encontram-se listados no art. 1.643 do CC, dentre os quais, pode-se citar: a) dirigir-lhes a criação e educação; b) exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.
E a infração a esses deveres tem conseqüências cíveis - extinção do poder familiar através de ato judicial, na forma do art. 1.638 do CC , e, inclusive, criminais, onde, nos casos específicos da criação e do dever de proporcionar educação primária aos filhos, configuram, em tese, os delitos de abandono material e intelectual.
Nesse passo, atendo-se somente à seara cível, para extinção do poder familiar - no caso das hipóteses enumeradas no art. 1.638, acima referido, basta apenas a ocorrência de uma delas, pois não são cumulativas.
Avaliando a situação em comento, dos relatórios constantes às fls. 37/44, 45/47 e 120/124, expedidos, respectivamente, pela Assistente Social, Psicólogo Forense e, por último, por novas assistente social e psicóloga forense, conjuntamente, bem como de todo o procedimento administrativo instaurado anteriormente pela 1ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude (fls. 185/231), tem-se, claramente, que a recorrente vem, reiteradamente, praticando atos contrários à moral e aos bons costumes, assim como falta aos deveres inerentes ao poder familiar, e, porque não dizer, abandono de menor. Fatos estes que, por si sós, subsumem-se à mais de uma causa de perda do poder familiar, previstas no art. 1.638 do CC.
O último relatório é o mais triste e desolador (fls. 120/124). Mostra a realidade do ambiente em que vive a apelante, desprovido de condições de habitação próprias para a moradia - principalmente para criança: sem segurança, bastante deteriorado e sem condições mínimas de higiene, tornando-o altamente insalubre e propício ao desenvolvimento de doenças infecto-contagiosas.
Por sua vez, as relações familiares que envolvem a recorrente, herança de um quadro de miséria e exclusão social passado de geração para geração, são marcadas por episódios de agressividade e de promiscuidade, onde a própria admite que desde a adolescência é usuária de drogas e continua fazendo programas para sobreviver, não tendo parceiro fixo, deixando as filhas na companhia do Sr. Boaventura, pai da menor em questão, o qual trabalha como jardineiro e pescador e acha normal essa situação da recorrente (fls. 41, 120/124 e 202/203). Esse fato, ressalte-se, por si só, põe em dúvida se, efetivamente, cuida das crianças quando a apelante não está em casa.

Ainda, a despeito de inexistir qualquer argumentação ou mesmo prova de que as outras filhas da recorrente foram vítimas de abuso, mas pelo relatado pelas profissionais forenses, vivem em situação de vulnerabilidade “em sentido amplo: em relação à saúde mental, por presenciarem cenas que certamente influenciaram negativamente na sua formação social e psicológica; e em relação à segurança, por estarem suscetíveis a abuso e/ou violência sexual, pois ficou evidente que há grande fluxo de homens transitando pela residência.” (fls. 120/124).
Daí porque, frente ao regramento inserto no § 1º do art. 1.621 do CC, o desatendimento de seus preceitos resulta na perda do poder familiar, a qual relegaria a um segundo plano toda essa discussão de ausência de consentimento da apelante para a adoção, dispensada face à destituição desse poder.
Em contrapartida, do relato emitido pela assistente social (fls. 38/44), os apelados são casados a, aproximadamente, 8 anos, possuem residência fixa em Brasília-DF, ao mesmo tempo em que mantêm um apartamento nesta Capital. E, tem a particularidade de que já possuem um filho de 6 (seis) anos de idade, o qual foi adotado através do Processo n.º 7237/2001, que tramitou na 1ª Vara da Infância e Juventude da Capital, em razão de impossibilidades naturais impedirem o casal de terem filhos biológicos.
E tudo isso repercute em outro requisito indispensável ao processo de adoção, qual seja o efetivo benefício para o adotando, o qual traduz-se no princípio do melhor interesse da criança, referido na cláusula 3.1. da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil por intermédio do Decreto n. 99.710/90.

A intenção manifestada pelos apelados parece-me legítima e, aqui, independentemente do dispositivo inserto no art. 23 do ECA , o ambiente de tranqüilidade em que vivem os recorridos, aliado às condições financeiras aptas a proporcionar a garantia de condições fundamentais, como a educação, a saúde e a própria qualidade de vida, bem como à experiência anterior de já criarem um filho adotivo, claramente adaptado à convivência de ambos, são suficientes ao êxito nessa nova adoção.
Adite-se que a menor em questão já está há quase 4 anos convivendo com os apelados, inclusive, em razão da guarda provisória deferida pelo magistrado a quo (fls. 20/21), e vem se recuperando gradativamente das enfermidades de que foi acometida, lembrando que foi levada pela enfermeira Jackeline, para a Santa Casa, por inspirar cuidados médicos, pois encontrava-se visivelmente desnutrida, conforme depoimento da própria apelante em juízo (fls. 102/103), da enfermeira (fls. 111/113) e dos atestados médicos de fls. 106/107.

Destarte, entendo que a sentença monocrática foi proferida em consonância com os ditames do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei n.º 8.069/1990), e teve por intuito preservar a tranqüilidade, o bem-estar e a segurança da menor, Cássia Vitória. Necessário, pois, que sua guarda seja mantida em definitivo com os apelados.
Ante tudo quanto foi exposto, entendo que agiu acertadamente o magistrado a quo, motivo pelo qual voto pelo não provimento do presente apelo, mantendo incólume a sentença recorrida.

É como voto.

Sala das Sessões da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 05 de março de 2009.
Desembargador CLEONES CARVALHO CUNHA RELATOR

Do Portal CC2002: (http://www.cc2002.com.br/jurisprudencia.php?id=791). Acesso 03/mai/2009.

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