Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 24/dez/2017...
Gilmar e o juiz que o chamou de corrupto, justiceiros e falso garantismo: duas faces da moeda do golpe. Por Eugênio Aragão

POR EUGÊNIO ARAGÃO, ex-ministro da Justiça
Num país polarizado como o nosso, juízes,
em boa parte, ou se tornaram moralistas irascíveis na persecução penal,
não fazendo concessões a garantias processuais, ou passaram a reagir
frouxos feito bola de gude em boca de banguela, abandonando quaisquer
critérios, para decidir ao sabor da ocasião e da cara do freguês.
Difícil é, em nossos dias, encontrar o
magistrado equilibrado, que respeita a soberania popular no critério da
lei, ora para endurecer, ora para preservar algum pragmatismo para
garantir julgamento justo de cada um segundo suas especificidades
pessoais.
Com
o golpe parlamentar, perdemos o sentido da segurança jurídica. Os
julgados se converteram em gritos de guerra, espaços em que a visão
individual do julgador atropela o interesse público: juízes ou são do
tipo ferrabrás que decretam o estado bélico contra tudo que lhes pareça
leniente, ou são oportunistas que mobilizam sua artilharia contra as normas postas para beneficiar este ou aquele réu.
Não há meio termo, não há o uso da razão
na aplicação da lei. Usa-se com mais frequência o fígado, a bronca
contra os que pensam diferente de si.
De um lado, temos, hoje, os Moros e os
Glaucenires da vida, heróis em causa própria; do outro, Gilmar Mendes e
sua jurisprudência de ocasião. Cada um tem sua claquete.
A de Moro e de Glaucenir se confunde com a
de Bolsonaro e a de Gilmar está mais para uma metamorfose ambulante:
quando mira os petistas com uma bronca de fazer Moro corar, a direita
vibra; quando se fantasia de garantista, a esquerda intelectual o vê
como tábua de salvação no mar de fascismo revolto.
Previsíveis são apenas juízes do tipo
Moro ou Glaucenir. Não que com isso façam genuflexão para a segurança
jurídica. A insegurança de todas e todos é sua marca principal: ninguém
escapa de suas gadanhas. O primeiro a ser agredido é o Estado de Direito
e suas garantias constitucionais. Na guerra contra a “corrupção”, não
valem nada. A perspectiva de ser qualquer um colhido pelo arbítrio, como
por um raio em céu de brigadeiro, é o que torna esses juízes todo
poderosos.
Com Gilmar, depende. Trabalha sempre como
bom jogador de buraco. Não desdenha as cartas do lixo, pensando na
canastra futura. Para fazer ativo jurisprudencial a ser usado em caso de
algum amigo precisar, mostra-se benevolente com os inimigos.
Isso explica por que é capaz de soltar
José Dirceu, como solta Aécio Neves. Como bom constitucionalista que é,
sabe que benefícios extraordinários só conseguem se legitimar na
aparência de alguma isonomia.
Não que a queira, mas porque dela precisa
para arrancar seus corrompidos das gadanhas dos Moros e dos Glaucenires
da vida. Liberar José Dirceu, para ele, não passa de indesejável, porém
inevitável dano colateral. Se pudesse garantir a Aécio o Nirvana e
mandar José Dirceu para o inferno, estaria no mundo que pediu a Deus.
É bom lembrar que o golpe, de que Gilmar
foi um dos articuladores, se alimentou dessa bipolaridade social, só por
vezes escamoteada na intenção de aprofundar, jamais de afrouxar o
golpe.
Acreditar em Gilmar é tão temerário
quanto acreditar nos juízes justiceiros. São as duas faces da mesma
moeda, a que comprou a degeneração de nossas instituições e permitiu que
o arrastão de trombadinhas se alojasse no Planalto. Se hoje esse
articulador do golpe está de bem com as garantias constitucionais, é
pela necessidade de acercar os seus do poder e, logicamente, afastar
dele os que foram expulsos pelo uso fraudulento do impeachment.
Não que as contradições do golpe não
mereçam ser exploradas, mas a guerra aberta por Moros e Glaucenires
contra Gilmar não merece nosso aplauso, do mesmo jeito que o revide de
Gilmar no CNJ contra os justiceiros não é uma briga das forças
democráticas.
A estas, compete assistir ao embate, sem
nele se tornarem atores. Os que são brancos, que se devorem. Não há,
aqui, uma luta do bem contra o mal ou vice-versa. Há duas expressões do
corrompimento institucional a se degladiarem. Só isso.
Sobra para a sociedade, nessa decadência
de um judiciário que quer desapropriar a política dos políticos, a
certeza da necessidade de ampla revisão do quadro constitucional que
restabeleça a soberania popular e imponha a responsabilização tanto dos
que se portam com excesso de poder e falta de decoro na função
judicante, quanto os que desta se aproveitam para desequilibrar o jogo
democrático a favor deste ou contra aquele ator político de sua
predileção ou de sua bronca.
Original disponível em: (http://www.diariodocentrodomundo.com.br/gilmar-e-o-juiz-que-o-chamou-de-corrupto-justiceiros-e-falso-garantismo-duas-faces-da-moeda-do-golpe-por-eugenio-aragao/). Acesso em 24/dez/2017.