Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 30.mai.2020...
Lawfare é uma realidade mundial e sem ideologias
*Artigo originalmente publicado nesta terça-feira (31/12) no jornal O Globo.
Não podemos concordar com a posição de O Globo em editorial publicado em 25/12 — que tenta negar o conceito de lawfare
(em vernáculo, guerra jurídica) que defendemos em publicações
científicas e que identificamos em casos concretos como o do
ex-presidente Lula, de outros líderes políticos das mais diversas
matizes, e também em casos envolvendo empresas, como o da Siemens.
Fomos nós que, em 2016, usamos pela primeira vez no continente Sul Americano a expressão lawfare, embora ela não fosse inédita. No recém-lançado livro Lawfare: uma introdução, defendemos, numa releitura do fenômeno, que lawfare
significa o uso estratégico do Direito para fins políticos,
geopolíticos, militares e comerciais. Citamos os exemplos acima
referidos.
O Direito jamais poderia ser utilizado para destruir ou
fragilizar o adversário ou o inimigo eleito. Originariamente, os
norte-americanos se afirmavam vítimas de lawfare. Criticavam o
uso estratégico do Direito, notadamente do Direito Internacional, para
deslegitimar as campanhas militares daquele país e de Israel. Os
estadunidenses, porém, viram na guerra jurídica uma forte aliada na
conquista de aliados geopolíticos e de mercados e passaram a utilizá-la
com enorme desenvoltura.
O lawfare não é tão visível
quanto as guerras convencionais porque o inimigo é atacado justamente
sob o pretexto da necessidade de se cumprir a lei e os procedimentos
jurídicos — embora resulte na própria negação do Direito. Para
viabilizar o lawfare, cria-se uma verdadeira campanha, com o
auxílio da mídia e de operações psicológicas, para envolver a população e
tornar aceitáveis os abusos que acompanham o fenômeno em busca de
combater um imaginário mal maior. Tal como na guerra convencional, o lawfare
envolve a implementação de táticas e estratégias. A guerra praticada
com o uso das leis tem um custo imediato significativamente menor do que
as guerras convencionais, mas seu poder de destruição é similar e
muitas vezes superior, porque não está limitada a uma determinada área
geográfica.
É sintomático que O Globo tenha recorrido a uma declaração factualmente incorreta do atual Presidente do TRF-4 para negar a prática de lawfare
contra Lula. Segundo o magistrado, nenhum advogado na "lava jato" teria
sustentado a inocência de seu cliente na "lava jato". Porém, na defesa
do ex-presidente não só demonstramos que ele é vítima de lawfare como também sustentamos e provamos a sua inocência.
Um
dos laudos periciais que produzimos na defesa de Lula atualmente está
sendo utilizado até mesmo por Marcelo Odebrecht para se insurgir contra
seus pares. Prova que valores que o Ministério Público acusa terem sido
pagos a agentes públicos foram em verdade destinados a colaboradores da
própria Odebrecht. O grupo foi escolhido como um verdadeiro “cavalo de
troia”, pelas suas ramificações em diversos países, para destruir
governos e democracias em favor dos interesses geopolíticos e comerciais
norte-americanos. Por isso a similitude das acusações apresentadas
contra líderes políticos de diversos países.
Não se pode perder de vista que o lawfare
não tem ideologia. Pode atingir líderes políticos de esquerda ou de
direita. Pode atingir empresas e atividades empresariais das mais
diversas nacionalidades. O FCPA, Lei Americana editada para punir
empresas daquele país que praticam suborno no exterior, está sendo
indevidamente utilizada como uma das principais armas no lawfare, pela sua possibilidade de alcance global. No Brasil não é diferente.
Lamentavelmente, o lawfare
é uma realidade. Para enfrentá-lo é preciso, em primeiro lugar,
conhecê-lo. Para isso, temos dado a nossa contribuição, não apenas
divulgando nossos estudos mas também criando o Instituto Lawfare, em 2018, para produção de conteúdo e análises de casos concretos.
Cristiano Zanin Martins é sócio do Teixeira, Martins e Advogados.
Valeska Teixeira Zanin Martins é sócio do Teixeira, Martins e Advogados.
Revista Consultor Jurídico, 1 de janeiro de 2020, 18h07
Original disponível em: (https://www.conjur.com.br/2020-jan-01/zanin-valeska-martins-lawfare-realidade-mundial). Acesso em 30/mai/2020.
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