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quinta-feira, 30 de agosto de 2018

URGENTE: TSE recua de julgamento às pressas da candidatura de Lula

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 30/ago/2018...


A tentativa de o TSE julgar às pressas Lula e barrar sua aparição no horário eleitoral, neste sábado, parece que bateu na trave. 

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O Judiciário que não queremos (Ex-Ministro Roberto Amaral)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 30/ago/2018...



O ex-ministro Roberto Amaral, didaticamente, descreve o tipo de Judiciário que [nós brasileiros] não queremos. 


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O Judiciário que não queremos

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Alimentos. Dívida. Prisão civil. Incabível e ineficaz. Alimentando maior. Remuneração própria. Execução garantida e parcialmente recebida. Alimentos pretéritos. Ausência de atualidade e de urgência. STJ. J. 07/08/2018.

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 27/ago/2018...


HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL POR DÍVIDA DE ALIMENTOS. MAIORIDADE CIVIL, REMUNERAÇÃO PRÓPRIA, REDUÇÃO DO VALOR DA PENSÃO, LEVANTAMENTO DE EXPRESSIVA SOMA EM DINHEIRO E PENHORA DO ÚNICO BEM IMÓVEL DO DEVEDOR. OCORRÊNCIAS VERIFICADAS NO CURSO DA EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. AUSÊNCIA DE ATUALIDADE DO DÉBITO E DE URGÊNCIA NA PRESTAÇÃO DOS ALIMENTOS. INEFICÁCIA DA MEDIDA COATIVA, NA HIPÓTESE, ANTE O CONTEXTO DOS AUTOS. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. A constrição da liberdade somente se justifica se: "i) for indispensável à consecução dos alimentos inadimplidos; ii) atingir o objetivo teleológico perseguido pela prisão civil - garantir, pela coação extrema da prisão do devedor, a sobrevida do alimentado - e; iii) for a fórmula que espelhe a máxima efetividade com a mínima restrição aos direitos do devedor" (HC n. 392.521/SP, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 1º/8/2017).
2. No caso, em que tramitam, concomitantemente, duas ações de execução de alimentos, foi autorizado por um dos Juízos o levantamento em favor do exequente da importância de R$ 147.568,77 (cento e quarenta e sete mil, quinhentos e sessenta e oito reais e setenta e sete centavos), tendo ocorrido, ainda, a penhora do único bem imóvel de propriedade do alimentante, o qual lhe serve de moradia. Verifica-se dos autos, ainda, que o alimentando atingiu a maioridade, estando hoje com 22 (vinte e dois) anos de idade, é estudante universitário e já desempenha atividade remunerada, fato este que culminou, inclusive, na redução da pensão alimentícia de 1,37 (um vírgula trinta e sete) salário mínimo para 40% (quarenta por cento) desse valor, por sentença desafiada por apelação, ainda pendente de julgamento.
3. Embora tais fatos, por si, não desobriguem o executado pela dívida pretérita contraída ao longo de vários anos, torna desnecessária, na espécie, a prisão civil como medida coativa, seja em razão da ausência de atualidade e de urgência da prestação dos alimentos, seja porque essa técnica será ineficaz para compelir o devedor a satisfazer integralmente o débito que se avolumou de forma significativa.
4. Ordem concedida, de ofício, confirmando-se a liminar anteriormente deferida.
(HC 447.620/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/08/2018, DJe 13/08/2018).

Acórdão integral:

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Doce Babiy há 7 meses presa sem provas (Silvia Nascimento)




Doce Babiy: 20 anos, segunda mãe dos irmãos e dançarina afro, está há 7 meses presa sem provas


Fotos: Reprodução Facebook
“O cabelo parece”. Essa frase de uma testemunha  a um policial, resultou na prisão da dançarina de 20 anos Barbará Querino, a Babiy,  confundida como um membro de uma quadrinha assaltante de carros,  em janeiro desse ano, na cidade de São Paulo. 
Uma decisão que foi tomada no último dia 10 de agosto, condenou a única filha mulher da auxiliar de limpeza Fernanda Regina Querino, 38 anos, mãe de mais 5 meninos mais novos, à 5 anos e 4 meses de prisão pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ -SP).  Detalhe: sua defesa levou testemunhas, fotos e vídeos para provar  que Babiy estava no Guarujá na hora do crime e ela foi condenada mesmo assim.

Dança afro, Enem e cartas ao namorado sem resposta

Conversei com Mayara Alves Vieira, 23, formada em Serviço Social, amiga próxima à Babiy e que tem sido fundamental para  movimentar  a opinião pública sobre esse caso. Ela revelou algumas coisas sobre a amiga, que nos leva a refletir que assim como o genocídio, o encarceramento tira do seio familiar e social muitas potencias negras. 
Confira nesse vídeo a coreografia genial e os movimentos encantadores e precisos de Babiy.
https://www.facebook.com/babiyquerino/videos/426271181121558/
A Babiy vítima do Estado que mantém negros sem julgamento justo nós conhecemos, mas que é a jovem repleta de sonho que está dentro de um cela enquanto você lê esse texto? Confira 5 fatos sobre ela.
  • (1) Ela iniciou um projeto de dança afro ligado à cultura orixá e estudava sobre Umbanda. 
  • (2)Ela era a segunda mãe dos irmãos. Trabalhando como modelo e dançarina ela contribuía com as despesas da casa para ajudar a sua mãe, que é auxiliar de limpeza em um hospital
  • (3)Ela estava namorando quando foi presa e da cadeia escreveu cinco cartas para o namorado, que nunca foi buscá-las. 
  •  (4) Ela prestou ENEM em 2017 para entrar este ano na Faculdade de jornalismo.
  •  (5) Psicologia era outra paixão de Babiy.
Babiy ao centro durante um ensaio (Imagem Reprodução Facebook)

Sem dinheiro para visitar a filha e criar os filhos, a mãe precisa de ajuda

Uma campanha pelo site e financiamento coletivo Vaquinha está aceitando doações para ajudar a família de Babiy, que tem uma fonte de renda a menos com a prisão da dançarina. 
Sua mãe, muitas vezes não consegue visitar a filha por conta da falta de dinheiro. São seis filhos que dependem dela. Veja detalhes no vídeo abaixo.
Para contribuir com a campanha, doe qualquer valor, clicando aqui

A democracia e o eleitor tutelado pelo Poder Judiciário (Néviton Guedes)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 27/ago/2018...


A democracia e o eleitor tutelado pelo Poder Judiciário

Tudo indica, segundo os especialistas do Direito Eleitoral, que estamos mais uma vez diante de uma eleição em que o resultado será muito mais consequência de decisões dos tribunais do que, propriamente, de uma escolha dos eleitores. Ruim para a democracia e nada bom para o Judiciário.

A Justiça hoje ocupa quase todo o processo político: desde a condenação em ações penais e de improbidade, que implicam a inelegibilidade dos candidatos; passando pelo deferimento, ou indeferimento, de candidaturas pelos motivos mais prosaicos (como simples decisão de órgãos de categorias profissionais); até imiscuir-se na natureza e qualidade daquilo que pode ou não ser dito pelos candidatos na propaganda eleitoral. Além disso, terminado o pleito, segue-se ainda um longo período em que não se pode ter como certo o resultado das eleições, mesmo depois da certificação, diplomação e posse dos eleitos (acabamos de ver o estado do Tocantins realizar eleições a menos de um ano para o fim do mandato do governador originalmente eleito). Se não fosse o bastante, os juízes ainda podem interferir no próprio conteúdo dos mandatos, invalidando as escolhas feitas pelos eleitos (anulando ou modificando o conteúdo das leis, impondo políticas públicas, cassando nomeações etc).
De qualquer sorte, muito embora ninguém possa seriamente negar o fato de que, no Brasil, houve uma judicialização excessiva da vida política nacional, nada parece indicar que haverá, no horizonte próximo, um ponto de recuo, ou mesmo de inflexão, no incremento da interferência judicial nas deliberações de natureza exclusivamente política. De forma geral, o brasileiro está, sinceramente, convencido de que todos os seus problemas serão melhor resolvidos pelo Judiciário do que por ele próprio; desde pequenas questões, que deveriam ser solucionadas com uma boa convivência e respeito entre vizinhos, até matérias de maior envergadura e abrangência, como são as questões de natureza essencialmente econômica ou política, que, na maior parte dos países sérios, dificilmente são confiadas à discrição de magistrados, pois raramente podem ser submetidas a critérios puramente jurídicos.
Nas sociedades antigas e medievais, era comum e mesmo aceitável, pela simplicidade da organização social, a confusão de esferas de atuação e de decisão humana, de tal modo que questões jurídicas, econômicas, religiosas e políticas eram, de regra, concebidas, estruturadas e decididas pelos mesmos critérios e, em muitos casos, pelas mesmas autoridades, que concentravam o poder político, jurídico e, não raro, o poder eclesiástico.
Em sociedades avançadas e complexas, contudo, em razão do processo de diferenciação funcional que acompanhou e se seguiu à história de libertação da consciência e do agir humano, alguma coisa deixou de pertencer a uma esfera concentrada de poder e decisão, ou seja, algo passou a ser resolvido no âmbito de subsistemas sociais altamente especializados (economia, direito, política, ética, arte, família e saber), preservando-se, pois, um grau adequado de autonomia às operações de cada esfera de atuação humana.
No Brasil, contudo, tudo indica que estamos a experimentar um passo atrás. Não falta quem queira atribuir a instituições do Estado, como tribunais e até mesmo à polícia e às forças armadas, o poder de decidir matérias de cunho econômico, social, artístico, moral, acadêmico e também — e principalmente — político. É como se o direito devesse (re)colonizar os demais subsistemas. De fato, vai-se tornando comum assistirmos ao retorno da polícia, agora acompanhada do MP e suportada por juízes, ao recinto de museus, universidades, partidos e organizações sindicais, tudo legitimado, evidentemente, pela boa intenção de apenas fazer cumprir as leis do país.
No caso da política, não obstante o caráter peremptório e mesmo apodíctico do parágrafo único do artigo 1º da Constituição[1], a impressão que se tem é que há uma parte considerável da sociedade brasileira, especialmente da sua autoproclamada elite, que, honestamente, acredita que algumas escolhas essencialmente político-eleitorais, em nossa democracia, deveriam ser excluídas da decisão popular; não por acaso, exatamente, as escolhas que desafiam as suas expectativas. Nada mais humano do que está plenamente de acordo apenas com suas conveniências.
De partida, entretanto, uma constatação óbvia: ninguém é um democrata apenas por aceitar o resultado das urnas que atende à sua própria perspectiva. Aqui, o verdadeiro teste da democracia é quando se aceita como legítimo o resultado não desejado.
Como qualquer saber, é discutível que alguém possa dizer que conhece a essência da democracia se não está disposto a vivenciá-la. A propósito, num maravilho pequeno livro, Martin Heidegger questionava-se se é possível alguém conhecer a essência da verdade sem ser verdadeiro. Da mesma forma, perguntava-se o grande filósofo se existe algum sentido em fazer “considerações profundas sobre a honra, elaborar com cuidado o conceito geral de honra — e, ao mesmo tempo, ser de todo sem honra e agir desonradamente”[2]. Também quanto ao conceito de democracia, pode-se e até mesmo deve-se questionar com Heidegger se “não será um esforço altamente insidioso: meditar sobre a essência das coisas, pensando correr atrás de conceitos — e se esquivar às coisas elas mesmas”[3]?
Democracia como mero conceito não passa de utopia, ou talvez mesmo distopia. Em síntese, pura literatura; e, provavelmente, de baixa qualidade.
Antonin Scalia lembrava aos senadores norte-americanos (ver aqui) que o que faz dos Estados Unidos um país livre, isto é, uma democracia, não é fato de terem um catálogo de direitos e garantias constitucionais (liberdade de expressão, liberdade de imprensa, proibição de investigar, prender ou confiscar sem motivação razoável etc.), pois, advertia o grande magistrado, toda “república de banana” e todo ditador que se perpetua no poder também concretizam os seus abusos contra a Constituição, contra a democracia e contra o povo, suportados hipocritamente em um catálogos de direitos fundamentais (“Every banana republic in the world has a bill of rights. Every president-for-life has a bill of rights”). Na verdade, o rol de direitos fundamentais de alguns dos mais autoritários e totalitários governos da história recente, admitia Scalia, eram e são muito melhores do que o catálogo de direitos da Constituição norte-americana. Contudo, segundo esse excepcional juiz conservador, falecido recentemente, todos esses direitos são apenas “palavras no papel” (Constituição formal), quando não são vividos, respeitados e experimentados por governantes e governados (Constituição real).
Em síntese, de nada valerão os direitos fundamentais, numa democracia, se sua específica estrutura de governo não for respeitada. As constituições modernas assentam-se, sobretudo, em dois pilares: de um lado, uma estrutura democrática do governo e do Estado (separação de poderes, voto livre, igual e direto, controle, pesos e contrapesos); de outro, os direitos e garantias fundamentais. Não se afirma um sem o outro.
O Poder Judiciário, ou qualquer outra esfera de poder, sem submissão a essa estrutura de controle, sem submissão à vontade democrática do povo (Constituição, artigo 1º, parágrafo único), sem submissão ao regime de separação de poderes, converte-se apenas em mais uma manifestação de poder aristocrático, em que poucos indivíduos, normamente, assentados em boas razões (vocação divina, preparo intelectual, espírito da história etc etc etc), conferem-se o poder de decidir pela maioria.
Na verdade, como a história tem demonstrado, decisões políticas tomadas por indivíduos que se julgam excepcionalmente selecionados (aristocracia), ao fim e ao cabo, não passam de decisões governadas pelo critério mais antigo e importante de qualquer escolha política, que são os nossos próprios interesses. A grande diferença em relação à decisão política tomada numa democracia, pelo menos a única visível e demonstrável, é que a decisão aristocrática (seja de juízes, de dirigentes de algum partido, ou de um grupo de sábios), concretamente, representa a visão e os interesses de um grupo bem mais reduzido de pessoas. Na decisão democrática, diversamente, num comércio livre de ideias, pelo menos, tem-se a possibilidade de congregar e considerar um universo maior de vontades, interesses e visões de mundo. Essa a grande força da democracia (na política) e do mercado (na economia).
De outro lado, como tenho insistido em palestras e artigos (ver aqui), a desconfiança que as autoproclamadas elites (intelectuais, econômicas, morais) manifestam em relação ao eleitor comum sequer é nova, pois se insere numa vetusta tradição em que se busca contrapor as supostas misérias da democracia, na qual prepondera o cidadão comum, às supostas qualidades da aristocracia (que pode ser o partido único dos países socialistas, ou, no caso brasileiro, como muitos acreditam, o Poder Judiciário), aristocracia sempre tida por bem informada, detentora da verdade e de qualidades extraordinárias. O problema é que os fatos, sempre teimosos, não se revelam assim como planejado. Nada justifica a crença em regimes aristocráticos e muito menos a descrença no eleitor e, respectivamente, nas qualidades da democracia.
Segundo Ulrich Preuβ, a superioridade normativa da democracia sobre as outras formas de poder assenta-se precisamente na ideia de que o domínio apenas pode ser considerado legítimo quando ele está a serviço da vontade daqueles que são dominados, sendo por eles, direta ou indiretamente, exercido[4]. A ideia básica de que é possível compatibilizar liberdade e domínio é apenas constitutiva e característica da singularidade do modelo de domínio democrático. Outras concepções de domínio, é certo, fazem variadas promessas de salvação e com isso fundamentam a necessidade da mais profunda subordinação do indivíduo às exigências daquele plano de salvação — mas só a democracia é um modelo de autodomínio dos seres humanos. Essa qualidade única, contudo, faz da democracia suscetível, é certo, em modo muito específico, às fraquezas da natureza humana[5].
Outras formas de poder (teocracia, monarquia, aristocracia, ditadura) prometem exercer o domínio através de indivíduos especialmente qualificados (santos, homens ungidos por Deus, guerreiros, sábios e outros indivíduos com qualidades da mesma extraordinária estatura). A democracia não. Ela se contenta e promete exercer o poder através do “ordinary man”, ou seja, seu funcionamento baseia-se na intelectualidade e na moral do homem comum, ou no dizer, de Ulrich Preuβ, a democracia, diversamente dos demais sistemas de domínio, sustenta humildemente o seu funcionamento na mediocridade do ser humano, ou seja, no eleitor comum (Durchschnittlichkeit der menschen)[6].
Portanto, como na democracia o funcionamento do poder não se assenta, de saída, em nenhuma espécie de super-homem, de qualidades excepcionais, muitos críticos acreditam que, desconsiderando-se o acaso ou a sorte, apenas por uma conformação institucional extremamente hábil é que se poderá esperar que o poder acabe exercido por pessoas especialmente qualificadas. Entretanto, como se sabe, a queixa que se ouve de regra sobre um suposto fracasso da democracia funda-se basicamente na suspeita de que até agora não se conseguiu encontrar um sistema eleitoral ou mecanismo seguro de ordem a garantir que o domínio democrático traga para o exercício do poder as pessoas mais qualificadas. Mas será que essa suspeita corresponde aos fatos? Será mesmo que a democracia falha onde os demais regimes se mostram vitoriosos? Provavelmente, não!
O que se vê em toda parte, adverte Karl Popper, é que, na sua modéstia, de não prometer mais do que o exercício do poder pelo homem comum, a democracia vai se revelando muito melhor sucedida do que todos os demais sistemas, que trazem como promessa governantes extraordinariamente bem preparados. Com efeito, basta um olhar superficial pela realidade para se constatar que os países democráticos lograram trazer muito mais benefícios e felicidade aos seus povos do que as nações governadas por homens de qualidades muito especiais.
Como se sabe, os regimes totalitários e autocráticos e ditaduras de todos os tipos, mascarando-se ou não como regimes democráticos, não têm pejo em anunciar a certeza de que o governo é ali exercido pelos melhores, ao incrível fundamento de que o seu sistema de poder assenta-se em mecanismos de filtros e controles especialmente bem dispostos (que podem envolver até a manifestação de Deus, como no caso das monarquias absolutas que se autolegitimavam num sistema de sucessão hereditária certificada por uma suposta escolha divina).
A democracia, ao contrário, pressupõe a humildade de confiar o poder, como já se disse, à sua excelência, o eleitor, ou seja, ao cidadão comum. Nela, certamente, todos também têm a expectativa de que, ao final, o poder seja entregue aos melhores capacitados na sociedade, mas isso não é o fundamental para que a escolha seja considerada funcional no regime democrático. O que importa é que, disputando-se as eleições com máximo de igualdade e liberdade, os cidadãos, os homens comuns, em sua maioria, tenham a palavra final.
Aqueles que buscam e esperam, com a institucionalização de filtros e controles cada vez mais sofisticados, a segurança de que a democracia ou qualquer outro regime possa oferecer a certeza dos melhores, desconhecem a natureza das instituições humanas.
Mais uma vez Karl Popper: nenhuma instituição humana pode pretender a perfeição do governo das coisas e dos homens. Ninguém o conseguiu: nem o partido único do regime burocrático — socialista, nem o Reich dos mil anos de Hitler nem o rei filósofo de Platão. Suspeito que o Poder Judiciário, no Brasil, se aceitar a triste tarefa de substituir-se à inteligência e à vontade do cidadão comum, também não o conseguirá.

[1] “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

[2] Heidegger, Martin. Ser e Verdade: a questão fundamental da filosofia; da essência da verdade. Tradução: Emmanuel Carneiro Leão; revisão da tradução: Renato Kirchner, Petrópolis: Vozes, 2ª Ed., 2012, p. 97.
[3] Heidegger, Martin. Ser e Verdade: a questão fundamental da filosofia; da essência da verdade, 2012, p. 97.
[4] Ulrich Preuβ. Die Bedeutung kognitiver und moralischer Lernfähigkeit für Demokratie, in Demokratisierung der Demokratie. Frankfurt: Campus Verlag, 2003, p. 259 ss.
[5] Ulrich Preuβ. Die Bedeutung kognitiver und moralischer Lernfähigkeit für Demokratie, ibdem.
[6] Ulrich Preuβ. Die Bedeutung kognitiver und moralischer Lernfähigkeit für Demokratie, p. 260.
 é desembargador federal do TRF-1, doutor em Direito pela Universidade de Coimbra e professor no UniCEUB.

Revista Consultor Jurídico, 27 de agosto de 2018, 17h49

domingo, 26 de agosto de 2018

PT ameaça não retirar Lula, mas não vai melar eleições (Helena Chagas)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 26/ago/2018...

PT ameaça não retirar Lula, mas não vai melar eleições

Foto da chapa Lula Presidente, Haddaad vice/ Divulgação PT
A 40 dias das eleições, o crescimento do ex-presidente Lula nas pesquisas está levando alguns setores petistas a flertar com a ideia de esticar ao máximo a corda e não retirar a candidatura Lula até o último dos recursos ser julgado no STF – o que poderia ultrapassar o prazo de 17 de setembro para troca do nome nas urnas, levando a uma anulação futura dos votos dados ao ex-presidente e a um preocupante impasse institucional se ele for o vencedor do pleito. Esta não é, porém, a posição da maioria dos caciques do PT, que prefere tentar vencer com Fernando Haddad a melar as eleições.
Ao que se saiba, esta não é também a posição do principal interessado, o próprio Lula, que comanda as articulações lá de sua cela em Curitiba. Pragmático, ele estaria deixando correr a versão mais apocalíptica porque esta o fortalece nesse momento. Mas está monitorando passo a passo a trajetória de Fernando Haddad e, na hora certa -quempode ser a decisão do TSE no início de setembro – dará o sinal verde para a troca de candidatos.
Não interessa a Lula, nem do ponto de vista institucional nem do pessoal relativo a sua defesa, tumultuar o ambiente a ponto de colocar em risco o processo eleitoral. Sabe que isso não o tiraria da cadeia. Ao mesmo tempo, sabe que tem boas chances de sair se o PT conseguir transferir seus votos e eleger Fernando Haddad – e talvez não fosse nem necessária uma anistia presidencial, mas a simples mudança nos ventos trazida pela eleição.
Por isso, embora o PT alimente as especulações de que vai radicalizar e manter Lula na cédula para melar a eleição, pouca gente acredita nisso. Lula vai tentar reverter a situação jogando dentro das regras do jogo, que considera hoje ter condições de vencer.

“Haddad está condenado a crescer” (Antonio Lavareda)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 26/ago/2018...


“Haddad está condenado a crescer”, diz Antonio Lavareda

Cientista-político ligado à XP Investimentos/Ipespe avalia cenário de crescimento para candidatos do PT e PSDB 
 
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Foto: Thiago Cogo/Divulgação
 
Jornal GGN - A mudança nas regras de propaganda eleitoral deste ano explica a monotonia das curvas nas intenções de voto. Este é o primeiro de muitos anos eleitorais sem propaganda partidária eleitoral no primeiro semestre. Com isso, o impacto só será sentido a partir do dia 31 de agosto, quando começam as campanhas gratuitas dos candidatos nas rádios e TVs. A avaliação é do cientista político e um dos principais analistas de pesquisas eleitorais no país, Antonio Lavareda, ligado à XP Investimentos/Ipespe, em entrevista para o Jornal do Brasil, pontuando que "foi um grande erro dos partidos" ter acabado com as propagandas partidárias no primeiro semestre. 
 
O resultado, pondera, é "um quadro de grande estabilidade das intenções de voto", onde apenas o ex-presidente Lula cresceu nas pesquisas de intenção de voto. "No primeiro cenário com Lula, ele aparece mais forte. Mas se você faz um cenário como a XP Investimentos/Ipespe faz, ele aparece mais fraco. Jair Bolsonaro e Marina Silva têm tido alteração, mas sem destaque. Nós só teremos isso com o início da propaganda".
 
Para o cientista político, Fernando Haddad (PT) será beneficiado por votos herdados do ex-presidente Lula e Geraldo Alckmin (PSDB) pelo maior espaço no horário gratuito de TV e rádio, angariado por sua base de partidos. Desse modo, os dois são fortes candidatos para disputar a entrada no segundo turno. 
 
Lavareda acredita, entretanto, que a disputa para o segundo turno não ficará restrita aos candidatos do PT e PSDB: a ex-senadora Marina Silva (Rede) e o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL) têm influência no cenário, porém este último poderá sofrer algum declínio com pouco tempo de televisão, com dificuldade no voto feminino e entre os negros.
 
O potencial de Alckmin, deverá se concentrar no eleitorado que usará o "voto estratégico", ou seja, aqueles que não vão direcionar seu poder eleitoral para os candidatos que preferem, mas para aqueles que têm mais chances de chegar ao segundo turno e que representam suas preferências ideológicas. 
 
“Vai haver uma grande chance de o eleitor do Alvaro Dias (Podemos) e do João Amoedo (Novo) transferir seu voto para o Alckmin”, disse. Portanto, quem menos tem chances de desempenho em todo o cenário é o ex-governador Ciro Gomes (PDT) que, como analisou recentemente Luis Nassif aqui no GGN, pode ter perdido sua última chance de chegar ao Planalto quando recusou aliança para compor chapa com o PT.
 
Lavareda diz que o fraco desempenho de Ciro é explicado pelo disputa direta com Lula, destacando que nas últimas eleições seu desempenho ficou entre 9% e 12%, abaixo de Marina, que ficou entre 19% e 21%, em 2010 e 2014. Ao mesmo tempo, não acha que a candidata da Rede terá neste ano o mesmo desempenho dos anos anteriores. 
 
"Vai depender de quanto vai aguentar ali no meio da campanha. Se o Alckmin não for eficiente, o eleitor pode ficar tentado a ir com a Marina, porque ela deve ter bom desempenho no primeiro turno". Por outro lado, cientista político entende que os eleitores mais à direita dificilmente votam em Marina.
 
"Ela é a maior beneficiada na ausência do Lula. Mas o Haddad está condenado a crescer, e ele cresce, sobretudo, no eleitorado da Marina hoje. A maior parte dos votos do Lula irá para o Haddad. Uma parte residual vai para outros, mas mais para abstenção do que para outro candidato. A grande chance é de que o eleitor mais pobre do Lula, que não se vê no Alckmin, por exemplo, não vote em ninguém".
 
O cientista político divide a dinâmica da propaganda eleitoral em dois "grandes players", o primeiro, da televisão e do rádio, onde Geraldo Alckmin tende a absorver mais eleitores, e o das redes sociais, onde a vantagem é de Bolsonaro, mas seu eleitorado já está cativo. Ao mesmo tempo, acredita no potencial do Partido dos Trabalhadores em chegar no segundo turno. 
 
"Existem dois candidatos cujo crescimento é inevitável, embora não saibamos que patamar atingirão. Primeiro caso é o Alckmin, por conta desse tempo de TV e rádio, o segundo caso é o Fernando Haddad, por causa da transferência de votos do Lula, que não sabemos quando vai ser realizado".
 
Neste último caso, da transferência de votos, Lavareda afirma que há "grande possibilidade" de Haddad alcançar 15% ou mais das intenções de voto, lembrando que o Datafolha aponta 30% de eleitores certos quando o candidato mencionado é Lula, já a XP, quando diz que Haddad é o candidato do ex-presidente, mostra o paulista angariando entre 13% e 15% das intenções de voto. A transferência, portanto, "vai depender de uma grande criatividade da campanha petista", reflete.
 
"O Lula não pode fazer campanha efetivamente. Ele gravou algumas cenas. É um material bem diferente do que havia na campanha da Dilma Rousseff, em 2010", completa.

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

STF reconhece união estável de idosos (IBDFAM)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 23/ago/2018... Atualização 29/ago/2018...



IBDFAM: STF cassa decisão do TJMG e reconhece união estável de idosos

Brasil tem que cumprir liminar concedida a Lula (Sarah Cleveland, vice-presidente do Comitê de Direitos Humanos da ONU)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 23/ago/2018...

Em nova entrevista, Comitê de Direitos Humanos da ONU reafirma: Brasil tem que cumprir liminar concedida a Lula

 

Sarah Cleveland, vice-presidente do comitê de Direitos Humanos da ONU (Foto: Reprodução)
O Comitê de Direitos Humanos da ONU não tem interesse no resultado das eleições no Brasil. Mas apenas em garantir o direito a que todos possam participar – e isso vale para o ex-presidente, mesmo preso.
A avaliação é da vice-presidente do órgão com sede em Genebra, Sarah Cleveland, que na sexta-feira passada emitiu uma declaração em que pede que as autoridades brasileiras garantam os direitos políticos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “As medidas cautelares emitidas pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU não são recomendações. Elas são legalmente vinculantes e impõem uma obrigação legal internacional ao Brasil para que as cumpra”, declarou.
Professora de direito na Universidade de Columbia (EUA) e membro do Comitê da ONU desde 2014, Cleveland foi uma das duas especialistas que assinaram a carta do órgão pedindo que o Brasil “tome todas as medidas necessárias para permitir que o autor [Lula] desfrute e exercite seus direitos políticos da prisão como candidato nas eleições presidenciais de 2018, incluindo acesso apropriado à imprensa e a membros de seu partido politico”.
Na mesma carta, o Comitê também solicita que o Brasil atue para “não impedir que o autor [Lula] concorra nas eleições presidenciais de 2018 até que todos os recursos pendentes de revisão contra sua condenação sejam completados em um procedimento justo e que a condenação seja final”.
O governo brasileiro emitiu um comunicado deixando claro que discorda do Comitê e ainda indica que ele “têm caráter de recomendação e não possui efeito juridicamente vinculante.” Em entrevista à swissinfo.ch, Cleveland deu sua avaliação sobre o caso.

swissinfo.ch: Qual é a natureza da decisão? Trata-se de uma recomendação, pedido ou simplesmente uma sugestão? Trata-se de uma decisão legalmente vinculante?

Sarah Cleveland: As medidas cautelares emitidas pelo Comitê não são recomendações. Elas são legalmente vinculantes e impõem uma obrigação legal internacional ao Brasil para que as cumpra.
As medidas cautelares são emitidas para impedir um dano irreparável aos direitos de um indivíduo, sob o Pacto, enquanto o indivíduo tenha uma queixa pendente diante do Comitê, e para preservar a habilidade do Comitê a considerar essa queixa.
O Pacto Internacional de Direitos Políticos e Civis, ratificado pelo Brasil, estabelece o Comitê de Direitos Humanos como um orgão de especialistas responsável pela implementação pelo Brasil, como qualquer outro estado-membro, de suas obrigações perante o Pacto.
O Brasil também é parte do Protocolo Opcional ao Pacto, o que dá ao Comitê autoridade para considerar queixas por parte de indivíduos, tais como as do Sr. Lula da Silva, de que o Brasil teria violado seus direitos sob o Pacto. O Artigo 1 do Protocolo Opcional compromete o Brasil a cooperar em boa fé com o procedimento de queixas individuais perante o Comitê e para que considere em boa fé a avaliação que o Comitê irá publicar sobre o caso do Sr. Lula da Silva em seu devido tempo.
Isso necessariamente inclui a obrigação legal a não inflingir um dano irreparável aos direitos de um indivíduo sob o Pacto enquanto sua queixa estiver pendente no Comitê. A insuficiência na implementação de medidas cautelares, portanto, seria incompatível com as obrigações do Brasil em respeitar em boa fé os procedimentos de queixas individuais estabelecidas pelo Protocolo Opcional, e viola tais obrigações.
“As medidas cautelares emitidas pelo Comitê não são recomendações. Elas são legalmente vinculantes e impõem uma obrigação legal internacional ao Brasil para que as cumpra.”

swissinfo.ch: O que ocorre se o Brasil ignorá-la? Como o Comitê pode impor sua decisão e até que ponto ele tem um impacto real?

S.R.: Não cumprir com as medidas cautelares significaria que o Brasil estaria violando uma obrigação legal internacional sob o Protocolo Opcional. O Comitê, porém, não é um orgão que emite sanções ou medidas impositivas para a aplicação da lei.
Lula poderia buscar uma nova determinação do Comitê sobre o fato de o Brasil ter violado suas obrigações legais. Dependendo da lei doméstica brasileira, ele também poderia buscar os tribunais domésticos nacionais.
Entretanto, estados geralmente cumprem as medidas cautelares do Comitê. Por exemplo, o México respeitou o pedido de medidas do Comitê para não destruir as urnas das eleições presidenciais, quando uma queixa relacionada com a eleição estava pendente. Essas medidas são frequentemente emitidas em casos em que o autor [da queixa] está enfrentando uma execução ou deportação para um país onde ele possa ser torturado, morto ou sofrer um outro dano irreparável. Elas também tem sido aplicadas para preservar um direito individual à participação política, como no caso recente de Jordi Sanchez na Espanha.

swissinfo.ch: Qual foi a base legal para sua decisão?

S.R.: O Artigo 25 do Pacto protege o direito à participação política de todas as pessoas no Brasil, inclusive do sr. Lula da Silva. Uma condenação final por um crime sério depois de um julgamento justo pode negar ao indivíduo a habilidade de concorrer a eleições para cargos públicos.
Mas a condenação do sr. Lula da Silva não é final e ele questiona o processo criminal como fundamentalmente injusto, diante de cortes domésticas brasileiras e no Comitê de Direitos Humanos. O Comitê, portanto, emitiu medidas cautelares, solicitando ao Brasil que não impeça o sr. Lula da Silva de se apresentar à eleição de 2018 até que seus recursos diante das cortes domésticas tenham sido completadas de uma maneira justa.
O Comitê também solicitou que o Brasil tome todas as medidas necessárias, até lá, para garantir que o sr. Lula da Silva possa desfrutar e exercer seus direitos políticos enquanto estiver na prisão, como candidato às eleições presidenciais de 2018. Isso inclui ter acesso apropriado à imprensa e membros de seu partido político. O Sr. Lula da Silva também pediu ao Comitê que solicitasse sua liberdade da prisão. Mas o Comitê não atendeu a esse pedido.

swissinfo.ch: Isso significa que ele é inocente?

S.R.: Não. As medidas provisórias não lidam com a culpa ou inocência do sr. Lula da Silva. Elas se limitam a preservar seus direitos à participação política, sob o artigo 25 do Pacto, até que seus recursos nas cortes nacionais sejam finais em um processo judicial justo.

swissinfo.ch: Por qual motivo vocês rejeitaram pedir a liberdade de Lula?

S.R.: As medidas cautelares são medidas urgentes que estão limitadas em evitar possíveis danos irreparáveis aos direitos do Sr. Lula sob o Pacto, e em preservar aqueles direitos até que o Comitê considere seu caso com base nos méritos. Essa ação não significa que, por enquanto, o Comitê tenha encontrado uma violação no caso. Ele foi condenado por um crime e tem atualmente recursos pendentes diante das cortes domésticas.
“As medidas provisórias não lidam com a culpa ou inocência do sr. Lula da Silva. Elas se limitam a preservar seus direitos à participação política, até que seus recursos nas cortes nacionais sejam finais em um processo judicial justo.”

swissinfo.ch: A Lei da Ficha Limpa no Brasil estipula que uma pessoa condenada não deva ser autorizada a concorrer às eleições. Sua decisão não estaria ignorando essa lei? O Comitê não estaria intervindo nas eleições no Brasil?

S.R.: O Comitê está ciente dessa lei. Restrições ao direito de concorrer às eleições podem ser consistentes com o Artigo 25 do Pacto em certas circunstâncias, quando uma pessoa foi condenada por um crime sério com base num processo judicial justo.
Entretanto, uma condenação baseada em um julgamento fundamentalmente injusto é inválido sob o Pacto e, portanto, não pode ser base para tal restrição. Por exemplo, o Comitê recentemente concluiu que a República das Maldivas tinha violado os direitos à participação política do seu ex-presidente, ao restringir seus direitos a concorrer ao cargo com base em um julgamento fundamentalmente injusto.
Como eu expliquei anteriormente, os recursos do sr. Lula da Silva não estão concluídos nas cortes domésticas e ele está questionando seu processo judicial como sendo fundamentalmente injusto, tanto nas cortes domésticas como no Comitê de Direitos Humanos. Essa foi a razão para a ação do Comitê.

swissinfo.ch: Por qual motivo um sistema legal soberano deveria ouvir o que vocês tenham a dizer?

S.R.: Os Estados que escreveram o Pacto de Direitos Civis e Políticos criaram o Comitê de Direitos Humanos como um órgão de especialistas que poderia monitorar a aplicação desses direitos. O Brasil exerceu sua soberania ao escolher fazer parte do Pacto e do Protocolo Opcional. O país, assim, sinalizou seu desejo de fazer parte da comunidades de estados que respeitam os direitos humanos.
O Brasil, portanto, se comprometeu legalmente em escutar o Comitê de Direitos Humanos. As ações do Comitê estão baseadas diretamente nas obrigações legais que o Brasil assumiu ao fazer parte do Pacto e do Protocolo Opcional. A ação é limitada, e foi tomada para garantir que os direitos do sr. Lula da Silva não sejam minados de forma irreparável enquanto sua queixa está pendente diante do Comitê.

O Comitê não tem interesse nos resultados das eleições. Mas apenas no direito de todos de participar, sujeito às exceções que são reconhecidas no Pacto. O Brasil também pode fornecer novas informações ao Comitê, para solicitar que as medidas cautelares sejam suspensas, se o governo optar assim.

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Eis o que vemos no Brasil: um regime completamente desmoralizado, sem parlamento, sem Governo, sem política, sem autoridade (José Sócrates, Ex-Premier de Portugal)

Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 22/ago/2018...

Brasil: a ONU junta-se à desobediência civil. Por José Sócrates

 



Sarah Cleveland, vice-presidente do comitê de Direitos Humanos da ONU (Foto: Reprodução)

Publicado originalmente no Público
POR JOSÉ SÓCRATES, ex-premiê de Portugal

Eis o que vemos no Brasil: um regime completamente desmoralizado, sem parlamento, sem Governo, sem política, sem autoridade.

Numa decisão rara, o comité de direitos humanos da ONU decidiu, na passada sexta-feira, face à “existência de possível dano irreparável”, transmitir ao Estado Brasileiro “a adoção de todas as medidas necessárias para assegurar que o requerente (Lula da Silva) usufrua e exerça todos os seus direitos políticos enquanto está na prisão, na qualidade de candidato nas eleições presidenciais de 2018, o que incluiu o acesso adequado à imprensa e aos membros do seu partido político”. Não se trata ainda do julgamento de mérito sobre o caso concreto, que está em apreciação, mas de uma decisão preventiva para defender o direito de Lula a candidatar-se e ainda o direito dos brasileiros a votar em quem desejam. O Brasil deve, pois, abster-se de qualquer decisão que impeça o antigo presidente de ser candidato.
As instituições brasileiras reagiram de cabeça perdida: o Ministério das Relações Exteriores dizendo que “as conclusões do Comité tem um caráter de recomendação e não possuem efeito juridicamente vinculante”; o ministro da Justiça afirmando que se trata de “interferência indevida”; a imprensa assustada ignorou escandalosamente a notícia, e o candidato Jair Bolsonaro aproveitou para dizer que se for eleito “sairá da ONU” que não passa de “reunião de comunistas”. Um velho jornalista dirá, desalentado: “A mesma reação que a ditadura tinha quando era condenada”
Vejamos. O Brasil ratificou o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos em 1992. Em 2009 decidiu ir mais longe incorporando na sua ordem jurídica interna o chamado Protocolo Facultativo através do decreto legislativo nº 311/2009 reconhecendo, desta forma, a jurisdição do Comité para analisar eventuais violações às disposições do Pacto. O Protocolo chama-se facultativo por isso mesmo – o país pode permanecer no Pacto sem o ratificar, mas, ao fazê-lo, passa a reconhecer voluntariamente a jurisdição do comité, obrigando-se a cumprir as suas decisões. Toda esta deambulação histórica para dizer com segurança o seguinte: a decisão é obrigatória e vincula todos os poderes públicos brasileiros – o poder legislativo, o poder executivo e o poder judiciário.
Viremo-nos agora para a política que, afinal, está no centro de tudo. Cada vez que penso na situação política brasileira vem-me ao espírito a biografia de William Pitt, que foi o primeiro-ministro inglês mais novo da história britânica, com apenas 24 anos. No primeiro debate parlamentar a sessão foi tumultuosa, com os deputados aos berros apontando-lhe a falta de experiência e de maturidade para conduzir os destinos do Império. Quando chegou a sua vez de falar levantou-se para lembrar os seus honoráveis colegas que tinha sido eleito pelo povo e nomeado pala rainha: “Não cheguei aqui pela porta dos fundos”, disse. A frase ficou. É uma daquelas frases que qualquer Chefe de Estado democrático deve poder dizer em qualquer momento e em qualquer circunstância: não cheguei aqui pela porta dos fundos. Pois bem, aqui está uma frase que nem o Presidente Temer nem nenhum dos seus ministros que agora se pronunciaram está em condições de dizer e muito menos em ocasiões solenes. Este é o problema do governo brasileiro e tem a ver com uma pequena palavrinha muito cara à democracia – legitimidade.
Ódio e escalada: primeiro, o impeachment, depois a prisão, depois a inelegibilidade, agora o desprezo pelo direito internacional. Eis o que vemos no Brasil: um regime completamente desmoralizado, sem parlamento, sem governo, sem política, sem autoridade. Um regime entregue a personagens de opereta – um juiz que promove escutas ilegais e as divulga; um diretor da polícia que desrespeita a ordem judicial de soltura de Lula porque recebeu um telefonema ordenando-lhe o contrário;  um chefe militar que avisa  que não aceitará impunidade e que está atento  “às suas missões institucionais”; um Tribunal dito Supremo que se transforma subitamente em parlamento, aprovando, com recurso a estapafúrdias hermenêuticas jurídicas, verdadeiras alterações à Constituição, por forma a que se possa, sem sentença judicial transitada em julgado, prender um líder político.

Regressemos à ONU. Alguns dirão que esta não tem forma de fazer cumprir as suas decisões. Sim, não tem, mas tem do seu lado a arma mais importante: a legitimidade, isto é, a autoridade que dispensa a força. Do outro lado está apenas a força sem nenhum tipo de autoridade. Podem não cumprir, é certo. Mas não sei como, depois disso, ainda esperam que a ONU reconheça as eleições brasileiras como livres e justas. Bem vistas as coisas, talvez o mais importante legado do mandato de Lula à política brasileira tenha sido a aprendizagem democrática de transformar velhos inimigos em leais adversários. Infelizmente estes não se têm mostrado à altura dessa herança, e essa é toda a desgraça da democracia brasileira. Estamos já em campanha eleitoral e o antigo Presidente continua à frente das sondagens – e com percentagens acima da soma de todos os outros candidatos. O povo parece não acreditar que o seu processo judicial foi justo e não se dispõe a desistir dele. O antigo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, diz que “a desobediência civil está nas sondagens”. Agora, a 50 dias da eleição, a ONU resolveu juntar-se à desobediência.
Larissa Bernardes
Jornalista, feminista e vegetariana.