Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 27/dez/2020...
A metáfora do Direito
A metáfora[1] do Direito
The metaphor of Law
Autora: Gisele Leite
Resumo:
O direito mais adequadamente se define como metáfora principalmente se
analisarmos a trajetória histórica do pensamento jurídico. O direito em
sua metáfora conceitual traduz a constante luta pontuada pelas decisões
da mais alta corte de justiça brasileira. Desde a sua linguagem até sua
estrutura teórica, o direito tem enfatizado mais a metáfora do que a
realidade prática.
Palavras-Chave: Direito. Conceito. Concepção. Metáfora. Norma Jurídica. Fenômeno Jurídico. Retórica.
Abstract:
Law is more properly defined as a metaphor, especially if we analyze
the historical trajectory of legal thought. The law in its conceptual
metaphor reflects the constant struggle punctuated by the decisions of
the highest court of Brazilian justice. From its language to its
theoretical structure, law has emphasized metaphor more than practical
reality.
Keywords: Law. Concept. Conception. Metaphor. Legal Standard. Legal Phenomenon. Rhetoric.
A
problematização sobre a definição do direito é tema recorrente na
construção de teorias sobre a compreensão dos fenômenos jurídicos. Mesmo
que se adote uma proposta ortodoxa da teoria do direito, há sempre a
necessidade de se definir, pelo menos, primariamente, o seu objeto.
Apesar de que existem teses derivadas da tradição hermenêutica
filosófica como a de Arthur Kaufmann[2] que afirma ser possível compreender o direito apesar de haver uma definição peremptória de seu conceito.
O vocábulo fenômeno advém do grego fainínenon, de faino
que é verbo que significa mostrar-se, aparecer, tornar-se visível,
revelar-se, e guarda esse sentido originário, isto é, significando o
fato de algo aparecer e tornar-se perceptível ao ser humano. Portanto,
fenômeno é tudo aquilo que pode ser percebido pelo homem, é fato da
manifestação do ser na realidade mundana, é todo e qualquer
acontecimento perceptível no tempo e no espaço.
Pode-se
afirmar que existem basicamente duas espécies de fenômeno: os naturais
que existem independentemente da presença do homem, está no cosmos
tais como os fenômenos físicos, químicos, biológicos entre outros. E,
os fenômenos culturais que são aqueles produzidos e criados pelo homem,
sendo resultado da ação humana sobre o cosmos, como por exemplo, a
linguagem, os mitos, artefatos de artes, arquitetura, engenharia,
costumes tradições, filosofia, direito, entre outros.
O fenômeno jurídico traduz o uso da força (potestas) por alguém (auctoritas) que, legitimado pelo consenso social, estabelece regras (normas) de conduta[3]
que garantam a ordenação e a convivência pacífica da sociedade. É a
institucionalização da força simbolizada na norma de conduta
intersubjetiva. Em resumo, trata-se do uso da violência
institucionalizada simbolizada na norma de conduta imposta pelo emissor e
legislador legitimado.
Assim,
o direito é expressão de força legitimada pelo consenso social.
Entende-se força no sentido de coercibilidade, imperatividade, ou seja, a
capacidade para coagir, impor e obrigar.
O fenômeno jurídico é de natureza cultural, advém da realidade social criada pelo homem. E as regras de conduta (norma agendi)
são estabelecidas pela autoridade (emissor da norma) que pode ser um
indivíduo ou um grupo de pessoas ou uma assembleia popular.
Já o fato jurídico[4]
é fato cultural, instituição humana por excelência, resultante do
processo de racionalização e sistematização da ordenação social. O
direito, como fenômeno humano, não é, nem pode ser objeto ideal, nem
metafísico, nem natural, pois é realmente um objeto cultural. E, a
História do Direito demonstra cabalmente essa realidade.
A
tradução do fenômeno jurídico reside na ordenação social mediante o uso
da força (coercibilidade) simbolizada na norma de conduta. Fenômeno de
disciplina social sob a forma repressiva ou punitiva. A característica
essencial desse fenômeno é a força (coercibilidade) no sentido de
capacidade de se fazer impor efetivamente ou de obrigar alguém a fazer
ou deixar de fazer alguma coisa. O direito é assim o exercício da força
institucionalizada a serviço da ordenação social.
É
a força do fenômeno jurídico que o deixa existir concretamente e, ainda
passa a ser outro tipo fenômeno social. O uso da violência simbólica só
existe de forma legítima no mundo do direito, fora do direito não é
permitido o uso da violência. Logo, a vis (força ou coercibilidade) é característica essencial do fenômeno jurídico.
O
fenômeno jurídico pode ser objeto de estudo e investigação por parte de
várias ciências (sociologia, história, filosofia, economia) e, também
por parte do próprio jurista. O estudo do fenômeno jurídico que visa
descrever o fenômeno tal como este se manifesta, levantar hipóteses,
questionar premissas e princípios, definir que é o fenômeno em sua
essência, é um estudo de natureza zetética (do grego zetein que significa perquirir, indagar).
A
zetética jurídica tem função especulativa (sem compromisso com a
solução dos conflitos), visa enunciados que possam ser verificados e
comprovados, tem como ponto de partida a evidência de suas premissas,
rege-se pelo princípio da refutabilidade, bem como, pelo princípio
causal-explicativo, seu código é verdadeiro/falso, tem natureza
descritiva (ordem do ser). Portanto, zetética caracteriza-se pela
abertura constante para o questionamento, em todas as direções.
Um
estudo dogmático considera certas premissas em si, resultantes de uma
decisão (ato de vontade) vinculante para o estudo, não porque sejam
verdadeiras, mas porque foram estabelecidas pelas autoridades como
inquestionáveis.
O dogma[5]
impõe certeza sobre algo, mas não elimina a dúvida, apenas substitui
uma certeza que é imposta pela autoridade e, tem a função diretiva
explícita (pragmática) e limitada. Dentro das premissas dogmáticas
situa-se o princípio da legalidade, previsto no artigo 5º, inciso II da
Constituição Federal do Brasil de 1988 que aduz: "ninguém será obrigado a
fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".
Essa norma é ponto inexorável de partida para qualquer estudo do Direito. A dogmática[6]
exige sempre sua interpretação (ato hermenêutico) pois a norma
isoladamente não é condição suficiente para o estudo dogmático do
direito. Realmente a dogmática jurídica é expressão polissêmica que
assume as mais distintas conotações em diversos contextos históricos,
perspectivas teóricas e doutrinadores. Já fora reconhecida como heroína
e, por vezes, como vilã. E através do método analíticos surgem
questionamentos sobre as noções conceituais bem como as nuances do
pensamento dogmático, o que exige uma reanálise das exigências sociais e
dos progressos teóricos contemporâneos.
Importante
ressaltar que o princípio da legalidade constitui uma das bases de um
Estado de Direito, isto é, um Estado regido por leis. E, assim, por esse
princípio as pessoas podem fazer tudo que a lei não as impede, e o
Estado pode fazer apenas aquilo que a lei permite. Portanto, o princípio
da legalidade garante que somente as leis podem criar obrigações às
pessoas, ou seja, o Estado só pode exigir que você faça ou deixe de
fazer algo se tal exigência estiver contida e escrita em uma lei.
Assim, o Estado de Direito, ao estabelecer leis para a sociedade e
garantir que todos as cumpram, inclusive os governantes, dá segurança
aos indivíduos. Segurança, justifica-se, porque sabem que podem fazer
tudo o que a lei não os proíbe, ou seja, são livres se agirem dentro da
lei. E também estão seguros em saber que o Estado agirá somente conforme
as leis e não conforme a vontade daqueles que estão no poder.
A definição[7]
do conceito de direito tanto pode ser o principal objetivo de uma
teoria, seja de filosofia jurídica, como também um pressuposto para o
desenvolvimento teórico de algum tema jurídico. Logo nos deparamos com a
necessidade de se desenvolver uma teoria da norma[8],
uma teoria das fontes, ou uma teoria do fato jurídico, antes de tudo,
como se pode entender o direito dentro de certo sistema teórico.
A noção analítica de compreender é definir, ou seja, de entender o direito implica apreender o conceito em uma definição[9].
Há quem pretenda a busca da verdade, da essência e existência plena, da
forma e do conteúdo e, ainda do substrato do conceito de direito, sem
cogitar de sua configuração.
Quando
se chega ao conceito é porque já se deu a compreensão. Mas, esta pode
ser contingente, circunstancial e temporária, quando se tem o conceito,
já não é mais do que a representação estática de uma compreensão
pretérita, isto é, atrelada ao passado. O conceito é a representação do
que já não é mais, isto é, não é mais presente.
Assim, o conceito de direito segundo Herbert Hart[10]
começa pela atenção à teoria jurídica dos últimos 150 (cento e
cinquenta) anos e deixando de lado, a reflexão clássica e medieval sobre
natureza do direito, encontramo-nos diante de uma situação que não
existe do mesmo modo em nenhuma outra matéria estudada de forma
sistemática como disciplina acadêmica em si.
É
fato que a seriedade dos juristas é artifício retórico, ou uma
estratégia irônica. Pois o que Hart pretendeu afirmar é que os
resultados teóricos, por mais esdrúxulos que sejam, são resultantes de
esforço de definir seriamente o direito. Procurando apresentar a sua
natureza essencial e mesmo que pareçam estranhas ou paradoxais seriam na
verdade o resultado de longas meditações sobre o direito, feitas por
homens que eram antes de tudo, juristas dedicados por profissão ao
ensino ou à prática do direito.
Há
em boa parte das afirmações teóricas sobre o significado do direito, o
exagero sobre algumas verdades, mas não são verdadeiras definições e,
por essas razões são afirmações ao mesmo tempo clarificadoras e
perturbadoras, assim como a ironia[11] que perturba e esclarece contemporaneamente[12].
Enfim,
toda definição do conceito de direito termina mesmo em ser mais um
ponto de vista sobre o direito. E, portanto, sendo uma metáfora visual
que representa e termina por amplificar certas características de
fenômenos enquanto se esquece de outras.
Boa
parte das definições do direito são, em verdade, metáforas que
representam e criam uma sensação que acarreta um estranhamento que
leva a um trabalho hermenêutico complexo cuja dificuldade de
interpretação é, em alguns casos, diretamente proporcional ao seu
sucesso como metáfora.
Rudolf Stammler[13] afirmou que "o direito é um querer autárquico, inviolável e
entrelaçante". Ainda que se admitisse uma única definição possível de
direito aquela que se restringe a apresentar apenas as características
estruturais semelhantes entre vários ordenamentos jurídicos, a despeito
de relevantes diferenças, isso não significa que a definição mais
autêntica é aquela que revela apenas a estrutura do objeto.
Segundo
Hart seria possível dizer que o fim próprio da atividade humana é a
sobrevivência e, que a maior parte dos seres humanos deseja continuar
vivendo. Embora essa vontade de sobrevivência possa ser considerada
contingente, algumas normas lhe parecem naturalmente necessárias para a
manutenção da vida.
E,
segundo Hobbes e Hume, em que, para continuarem a viver, devem os
indivíduos se associar; e uma associação de indivíduos não pode perdurar
sem o respeito a certas normas de equidade e justiça[14].
Na concepção de Hart, o conteúdo mínimo do direito natural é composto
de princípios de conduta universalmente reconhecidos que têm base em
algumas verdades elementares com relação aos seres humanos, ao seu
ambiente natural e aos seus objetivos.
A
pressuposta a sobrevivência como um fim da natureza humana, um conteúdo
mínimo do direito e da moral é determinado aprioristicamente de forma
específica. Significando que, sem esse conteúdo, nem o direito, nem a
moral poderiam favorecer o escopo mínimo de sobrevivência que os seres
humanos têm em vista quando se associam.
Sem
um conteúdo mínimo de direito natural, o direito estaria destituído de
parte importante de sua natureza, ou seja, de sua essência, e poderia
vir a se tornar um sem sentido (nonsense).
No
mundo ocidental são apresentadas normalmente duas formas lógicas que
garantem a racionalidade das decisões e sua vinculação em relação às
normas que dependem do sistema jurídico no qual se inserem. No civil law prevalece senso comum teórico dos juristas, a ideia de que o raciocínio jurídico é guiado pelas formas lógicas dedutivas.
Já na tradição do direito jurisprudencial, o civil law[15], que representa uma significativa parte do sistema common law,
prevalecem as formas analógicas de raciocínio. Pode-se afirmar que,
enquanto no primeiro caso a segurança e justiça são produtos da
aplicação de uma regra geral por meio de uma inferência dedutiva, no
segundo caso, justiça e segurança são garantidas por uma inferência
analógica.
Em
ambos os casos, contudo, pode-se afirmar que existe uma vinculação
lógica ou formal entre a decisão judicial e uma norma geral prévia,
mesmo que no direito jurisprudencial, diferentemente do que ocorre no
direito legislado, essa vinculação não seja imediata.
Enfim,
no direito legislado, a vinculação entre a norma geral e decisão
judicial seria garantida logicamente por uma relação direta de subsunção
do caso à norma, isto é, a decisão judicial seria a conclusão lógica de
uma inferência dedutiva dos dados do caso aos preceitos genéricos da
norma. É assim denominado de silogismo de determinação da consequência
jurídica. O silogismo jurídico, que corresponde à aplicação da lei,
constrói-se do seguinte modo: A norma legal é a premissa maior; A
descrição dos fatos corresponde à premissa menor; A aplicação da norma
legal corresponde à conclusão.
Já
no direito jurisprudencial, mesmo diante de relação analógica entre os
casos, ou seja, caso a ser decidido e o caso prévio que forma o
precedente judicial, existem princípios genéricos que proporcionam a
analogia. E, dessa forma, é como se ambos os casos estivessem vinculados
à uma norma geral, normalmente compreendida em termos de uma ratio decidendi[16].
Tomando
justiça e segurança como parâmetros para obtenção do direito por meio
de procedimentos inferenciais, o decisor se vê obrigado, por um lado, a
adequar seu juízo às particularidades do caso a ser resolvido,
respeitando a singularidade de cada problema concreto e, por outro,
constrangido a limitar as possíveis soluções para o problema a um campo
previamente delimitado por uma série de textos jurídicos normativos.
Isto é, o decisor, diante de cada nova situação, sempre se encontrará diante dos topoi[17]
da mudança e da estabilidade. Isto quer significar que ao mesmo tempo
em que cada nova situação representa um evento novo e singular que
implica adequação do direito à realidade, existe também a
previsibilidade de que cada novo fato só encontrará uma resposta no
direito desde que se condicione à ordem previamente estabelecida.
É possível catalogar as decisões judiciais e uma multiplicidade de precedentes em um framework relativamente coerente de regras e princípios. No direito jurisprudencial[18],
âmbito no qual a analogia é talvez mais relevante para o sistema
judicial, é possível identificar inúmeros pontos de contato entre o
raciocínio analógico e o indutivo que tornam as operações lógicas
relativamente indistinguíveis.
Tanto
analogia quanto indução baseiam-se na experiência prévia, enquanto,
muitas vezes, é a indução a base para o raciocínio analógico de
comparação entre o passado e o presente. Em terceiro lugar, a indução é
instrumento metodológico por excelência das teorias críticas e
sociológicas do direito.
Tanto
a teoria crítica quanto os sociólogos do direito estão muito mais
preocupados em saber o que seja o direito de fato na experiência do que
saber o que os doutrinadores dizem que o direito é[19].
A
análise sociológica dos dados que são obtidos a partir dos casos é o
que permite o trabalho de generalização de informações sobre um domínio
determinado. Em quarto lugar, a indução é sem dúvida uma forma de
raciocínio jurídico importante para construção de modelos de decisão.
O
processo judicial requer entender como funciona a indução, isto é, o
pensar a partir de casos. A indução, em geral, é uma forma lógica
excepcional do raciocínio judicial, especialmente no direito legislado
em cujo âmbito prevalecem as teses e os métodos dedutivistas.
De
qualquer modo, o Direito se expõe contemporaneamente como metáfora seja
por sua dogmática, seja por sua aplicação, interpretação ou até mesmo
eficácia.
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NORONHA, Fernando. Responsabilidade
civil: uma tentativa de ressistematização - responsabilidade civil em
sentido estrito e responsabilidade negocial; responsabilidade subjetiva e
objetiva; responsabilidade subjetiva comum ou normal, e restrita a dolo
ou culpa grave; responsabilidade objetiva normal e agravada. Doutrinas Essenciais de Responsabilidade Civil, vol. 1, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, Out / 2011.
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[1]
A metáfora é uma das figuras de linguagem mais conhecidas, sendo
utilizada para realizar comparação entre dois ou mais elementos sem
utilizar termos que indiquem que uma comparação esteja sendo feita,
deixando-a apenas de forma implícita (pois não exige conjunção ou
locução conjuntiva comparativa de dois elementos diferentes) formando
uma relação de semelhança entre estes. Na literatura, é recurso de
linguagem utilizado por muitos autores tais como Luís Vaz de Camões,
entre outros. A metáfora é uma figura de linguagem que interliga
diferentes realidades através de suas semelhanças. Ela ajuda a
compreender uma ideia recorrendo a outra ideia. Conheça algumas
metáforas famosas: A rosa de Hiroshima. Vinícius de Moraes compôs o
poema Rosa de Hiroshima no ano de 1946; as gaiolas de Rubem Alves. Há
escolas que são gaiolas e há escolas que são asas; Iracema e os lábios
de mel; O amor é um laço; A borracha de apagar ideologias.
[2]
Arthur Kaufmann (1872-1938) foi um advogado, filósofo e mestre de
xadrez austríaco. Kaufmann era um amigo próximo do autor austríaco,
Arthur Schnitzler, que mencionou seus encontros com Kaufmann em seu
diário várias vezes, expressando sua apreciação pela personalidade e
caráter de Kaufmann. Em seu testamento final, Schnitzler nomeou
Kaufmann, além do autor austríaco Richard Beer-Hofmann, como assessor de
seu filho, Heinrich, em todas as questões relativas ao seu legado
literário. O patrimônio literário de Schnitzler, com suas notas e
cartas, constitui a principal fonte de informações sobre a vida e as
ideias de Kaufmann. De acordo com o anúncio oficial, Kaufmann morreu em
25 de julho de 1938, de “morte súbita cardíaca e arteriosclerose”, mas
vários indicadores apontam para suicídio. Ele foi enterrado na seção
judaica do Cemitério Central de Viena, onde um bombardeio na Segunda
Guerra Mundial devastou seu túmulo. Em seu último testamento, ele nomeou
como herdeiros suas sobrinhas, Alice Kaufmann e Sophie Kaufmann (filhas
de seu irmão, Ludwig Kaufmann), que naquela época, e após a Segunda
Guerra Mundial, viviam em Paris, na rue Molitor 56. Todas as
tentativas de encontrar o legado escrito de Kaufmann, bem como
fotografias dele, não tiveram sucesso até o presente momento.
[3]
A conduta humana é um dos fatores principais quando da criação e
aplicação da norma jurídica que impõe que o legislador esteja atento às
mudanças comportamentais decorrentes do próprio processo de evolução
social que permite que as pessoas mudem sua conduta e seus valores numa
perspectiva de anseio por liberdade e por realização da felicidade que é
uma das virtudes presente em todas as teorias da teoria.
[4]
A pandemia causada pelo Covid-19 é excludente de responsabilidade civil
extracontratual. Apesar de não existir consenso sobre a diferença entre
caso fortuito e força maior porque doutrinadores usam distintos
critérios teóricos para tanto. Mas, tal diferença tem pouco interesse
prático posto que requeira o mesmo efeito jurídico, ou seja, de
mitigação da responsabilidade civil, trazendo por vezes a extinção da
obrigação ou a modificação de suas consequências sem ônus para o
devedor. Sempre se caracterizando por ser acontecimento inevitável o que
leva a impossibilidade de agir, obstante de evitar o dano. Fernando de
Noronha elencou três requisitos eleitos pela clássica doutrina para que
um acontecimento seja considerado caso fortuito ou força maior. É
preciso que o fato seja externo, irresistível e normalmente
imprevisível. (In: NORONHA, Fernando. Responsabilidade civil: uma
tentativa de ressistematização - responsabilidade civil em sentido
estrito e responsabilidade negocial; responsabilidade subjetiva e
objetiva; responsabilidade subjetiva comum ou normal, e restrita a dolo
ou culpa grave; responsabilidade objetiva normal e agravada. Doutrinas
Essenciais de Responsabilidade Civil, vol. 1, São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, Out / 2011, p. 145 – 19). Já as medidas de enfrentamento
à pandemia pode caracterizar fato do príncipe (em geral, exige-se como
requisitos para a ocorrência do fato do príncipe que o evento seja
inevitável; que haja nexo de causalidade entre o ato
administrativo/legislativo e a paralisação do trabalho; que
impossibilidade absolutamente a continuação do negócio; e, por fim, que o
empregador não concorra para a sua ocorrência).
[5]
O sentido do vocábulo dogma é geralmente atribuído à teologia. Antes
disso, no entanto, seu significado era diverso ao difundido pelo
pensamento teológico. Na Antiguidade, indicava tão somente uma decisão,
um juízo, uma ordem, o dogma refletia as crenças fundamentais das
escolas filosóficas, seus princípios irredutíveis. Posteriormente foi
que esse vocábulo passou a ser utilizado para designar as decisões dos
concílios e das autoridades eclesiásticas sobre as matérias essenciais
da fé.
[6]
A dogmática jurídica possui uma posição isolada e tem como princípio
prefixado a norma jurídica. Apresenta normas constituídas de
interpretações próprias da realidade que não devem ser questionadas,
caso contrário, devem fazer sob os padrões apresentados pelas próprias
normas jurídicas. Isto é, a dogmática jurídica tem suas decisões acerca
do que ela própria considera como certo e indiscutível, não deixa
margens para determinações dentro de outros preceitos jurídicos que
relacionem parâmetros diferentes dos seus, mesmo porque a dogmática do
direito tem parâmetros próprios, impedindo outras intervenções.
Acredita-se que a dogmática jurídica entendida como teoria jurídica que
estuda as normas jurídicas, princípios e regras como principal objeto de
estudo também se exauriu contemporaneamente.
[7]
O direito imerso nas diversas definições possíveis, têm três principais
características, a saber: 1. é fenômeno humano e não natural, sendo
derivado da vontade e ações humanas; 2. é norma comportamental, isto é,
um conjunto de normas de ordenação da conduta humana, que confere e
condiciona direitos e deveres do indivíduo, da sociedade e do Estado; 3.
é ciência dotada de objeto, métodos, técnicas, instituições,
pressupostos e institutos próprios, os quais consubstanciam um saber
cujos problemas devem ser abordados de forma racional, argumentativa,
problematizadora e suscetível a comprovação (falseabilidade ou
confirmação). Em síntese: há o direito enquanto fenômeno, quem tem
direito (como resultado da aplicação de norma de direito) e quem estuda o
direito, com base na Ciência Jurídica.
[8]
A teoria da norma jurídica mediante uma análise iusfilosófica
esquemática. Quando estudamos a perspectiva estrutural, utilizamos o
exemplo do conceito kelseniano de direito, segundo o qual "o direito é
um conjunto de normas coativas" (Hans Kelsen). As fontes formais seriam
todas as formas ou maneiras pelas quais o Direito se manifesta, tais
como a lei, o costume, a jurisprudência. Já as fontes materiais do
Direito seriam os fatores reais ou ideais que produzem o conteúdo das
normas jurídicas. "Porém, a teoria original das fontes precisa ser
revisada, através de diálogo trazido pelo giro linguístico, mais
especificamente pela Teoria Discursiva do Direito[2] e pela Hermenêutica
Filosófica, que trouxe nova compreensão sobre a teoria das fontes do
direito que melhor se harmoniza com os vigentes preceitos do Estado
Democrático de Direito". (In: LEITE, Gisele; MESSIAS, José Luiz. A atual
Teoria das Fontes do Direito. Disponível em: https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/a-atual-teoria-das-fontes-do-direito Acesso em 10.12.2020).
Já
a teoria do fato jurídico expõe o que seja fato jurídico. Fato jurídico
é todo acontecimento relevante para o mundo do Direito, previsto em
norma, em razão da qual nasce, modifica, subsiste e extingue a relação
jurídica. Portanto, a relação jurídica surge em virtude de fato jurídico
e como aplicação e decorrência da norma jurídica.
[9] O conhecimento produzido por um organismo, como o humano, que é necessariamente corporificado (embodied) pressupõe que sua existência é definida no interior de um ciclo contínuo de ação e percepção.
[10]
Afirma Hart que o Direito só pode ser uma prática social que é baseada
nos costumes e crenças comuns e deve se estruturar sob este pressuposto,
e como tal, oportunizará a todas as pessoas participarem dele, já que
todas as pessoas praticam estes costumes e crenças comuns. A obra
seminal de Hart, porém, foi publicada em 1961. O Conceito de Direito, em
sua primeira edição, é considerado, mesmo por seus maiores críticos,
uma das obras primas da Teoria do Direito do século XX. Por hora, vale
dizer que grande parte da Teoria do Direito contemporânea passa pela
discussão se adota ou refuta as premissas de Hart. Mais sobre O Conceito
de Direito, porém, será desenvolvido adiante.
[11]
A ironia socrática de se autoproclamar, ao mesmo tempo, ignorante e o
mais sábio de todos os sábios, segundo lhe dissera o oráculo de Delfos,
procura explicitar, por meio dessa contradição, a nossa limitação no que
diz respeito ao conhecimento humano. É assim que Sócrates “se confessa
possuidor de certa sabedoria, a sabedoria humana, muito relativa e
condicionada, que ele contrapõe à verdadeira sabedoria, apanágio dos
deuses”.
[12]
Vejamos a metáfora conceitual "Direito é guerra" nas palavras de Hugo
Grotius, o direito comum a todos os povos, que tanto serve para a guerra
e na guerra. Sejam guerras públicas ou privadas. Verifica-se a queixa
de Sêneca: "Reprimimos os homicídios, os assassinatos de um homem, mas
as guerras, os massacres das nações se transformam em crime coroado de
glória! A ambição, a crueldade não conhecem mais freio. É por ordem do
senado, em nome do povo, que se praticam os mesmos horrores e ordenamos
aos cidadãos em massa o que proibimos aos privados”. É verdade que as
guerras empreendidas pela autoridade pública têm certos efeitos de
direito, como as sentenças; disso se falará mais adiante. Não são,
porém, menos criminosas, se empreendidas sem motivo. Por isso é com
razão que Alexandre, ao empreender sem motivos a guerra contra os persas
ou outras nações, é chamado pelos citas, em Quinto Cúrcio, e por
Sêneca, de ladrão, por Lucano, de salteador, pelos sábios das índias, de
celerado, e um pirata o chamou um dia de companheiro de crimes. Seu pai
Filipe tinha agido da mesma forma, quando havia despojado, como narra
Justino, de seu reino dois reis da Trácia, usando com eles de má-fé e da
perversidade de um ladrão. Aqui cabem estas palavras de Agostinho:
“Suprimi a justiça, pois que são os impérios senão grandes latrocínios?”
Lactâncio concorda com isto, ao dizer: “Dominados pelo engodo da
vanglória, eles dão a seus crimes o nome de virtude”. O mesmo Sêneca (De
Ira, II, 8) disse: "A glória prostituída por atos que, sob o reino das
leis, são crimes ..." Acrescente-se as passagens de Sêneca e de Cipriano
que serão citadas mais adiante, no livro III, cap.4, § 5, no final.
[13]
Uma das definições modernas dadas ao Direito e que mais se aproxima das
realidades do fenômeno jurídico é a de Stammler. Como era neokantiano
apriorístico, utilizou-se da lógica dos fatos jurídicos e da ideia de
“se o Direito é um fenômeno universal, que está presente onde quer que
haja vida humana em sociedade”, Stammler consegue formular a definição
de direito mais aceita atualmente entre os juristas, mas que nem assim
consegue se tornar legitimamente válida em caráter de universalidade e
unanimidade. Segundo o referido autor, o fenômeno jurídico é expressão
do homem, pois apenas ele percebe e explica a realidade, além de ser
volitivo no exercício de sua liberdade. O homem, diz ele, quer visando a
um fim, utilizando-se dos meios adequados para alcançá-lo. Stammler
entende que o Direito é a forma da vida social, enquanto a Economia é a
matéria. Assim, reduziu a relação entre Direito e Economia a uma relação
lógica entre forma e matéria da vida social, sendo o Direito
condicionante lógico – não temporal- causal – da Economia.
[14]
Direito e Justiça são institutos que desde o início da humanidade
andaram juntos, vinculando-se de maneira que o primeiro sempre objetive a
segunda na sua realização. Contudo, nem sempre realizar o Direito
significa realizar justiça ao passo que se torna possível afirmar que ao
longo da história o Direito acabou se distanciando do que é considerado
justo por esta mesma sociedade. A ideia de justiça, segundo se verifica
da doutrina, remete a diversos segmentos que a tornam subdividida na
construção de um consenso delineador. Para grande parte dos
doutrinadores, para se falar em justiça é necessário saber primeiro de
qual segmento de justiça se está falando. Para John Rawls, por exemplo, a
justiça ganha destaque no estudo das relações sociais, é a chamada
“justiça social” que decorre da chamada justiça distributiva, em que se
objetiva a distribuição dos bens existentes entre todos os indivíduos de
uma sociedade, o que pode ocorrer inclusive da redistribuição por meio
dos tributos.
[15] A common law
é uma família jurídica baseada em uma tradição anglo-americana, que
está fundamentada na jurisprudência e nos costumes. Já o sistema da civil law
tem origem romano-germânica e é fundamentado em um conjunto de leis.
Família jurídica de tradição anglo-americana baseada na jurisprudência e
nos costumes.
Common law: Família jurídica de tradição anglo-americana baseada na jurisprudência e nos costumes.
Origem
Direito Inglês; Países Inglaterra, País de Gales, Escócia,
Irlanda do Norte e os Estados Unidos. Julgamento baseado em outros
casos semelhantes ocorridos anteriormente.
Civil
Law -Família jurídica fundamentada no direito romano-germânico e
baseada, fundamentalmente, em textos normativos; Direito Romano; Brasil,
Portugal, França, etc.; Baseado na positivação das normas vigentes
(leis, códigos, regulamentos, etc.).
Entretanto, na prática, há uma mescla de fatores e de influência das duas famílias jurídicas. Em países de common law é perceptível o avanço de regulamentações e das leis. Assim, como em sistemas de civil law, a jurisprudência tem uma relevância cada vez mais evidente.
[16] A ratio decidendi
de uma decisão judicial é a porção vinculante de um precedente.
Contudo, não se trata de uma vinculação em termos de efeitos
processuais, como a coisa julgada. O Código de Processo Civil de 2015
adotou o uso dos precedentes judiciais, almejando que as decisões
proferidas pelos tribunais superiores sirvam de referência vinculante no
ordenamento jurídico. No entanto, seguindo o sistema de precedentes, um
precedente judicial não poderá ser aplicado de maneira infundada, há a
imposição de se comparar o caso concreto com a decisão paradigma. Para
tanto, cumpre analisar o elemento que compõe o precedente e que opera a
eficácia vinculante às decisões judiciais, a razão que enseja à decisão (ratio decidendi).
[17]
Lembremos que a tópica aristotélica, portanto, é uma técnica que parte
de uma classificação de opiniões comuns, sensos comuns, ordenados em
categorias. Estes lugares comuns são chamados topoi. Enquanto
Aristóteles tratava do apodítico e do dialético, CICERO trata da
invenção (ars inveniendi) e da formação do juízo. Afirma que a todas as
espécies de polêmicas poderão ser utilizados topoi, e destaca a
elaboração de um quadro, contendo inquirições possíveis, que possibilite
a associação das provas cabíveis. Para Cícero, a tópica seria a arte (ars inveniendi) de se encontrar os topoi, e a formação de juízo suas aplicações para as conclusões.
[18]
A jurisprudência surgiu no direito inglês que foi desenvolvido para ir
contra os costumes locais que não eram comuns. O direito inglês
apresentou-se então como direito jurisprudencial, onde predominava a
regra do precedente. O real significado de jurisprudência significa "a
ciência da lei". Embora a jurisprudência tenha nascido no direito
romano, foi o direito inglês, especificamente à common law, que
surgiu na Inglaterra durante o século XIII, que a jurisprudência se
tornou um dos princípios mais importantes do direito. Com o objetivo de
uniformizar os julgamentos que ocorriam nas diferentes regiões do país, o
rei enviava juízes que não vivessem na área para julgar disputas
importantes baseados em um código de lei único, que fosse além dos
costumes daquele lugar. Os casos, então, eram julgados a partir dessas
leis comuns e de casos similares aos julgados, os quais eram utilizados
de base pelos juízes, com o objetivo de aplicar sentenças similares,
preservando a equidade do sistema judiciário da época. (IN: FACHINI,
Tiago. Jurisprudência: o que é, origem, importância e como pesquisar.
Disponível em: https://www.projuris.com.br/o-que-e-jurisprudencia#origem_da_jurisprudencia Acesso em 8.12.2020).
[19]
Foi com a Reforma Protestante e as guerras religiosas dos séculos XVI e
XVII, que se agravaram as incertezas entre os fiéis. Em vista disso,
elevou-se ainda mais o papel dos dogmas, assim como a preocupação de
lhes conferir um caráter sistemático e um ideário de perfeição, haja
vista que os conhecimentos teológicos não poderiam ceder lugar a
discussões, dúvidas e heresias. Graças ao terreno comum do direito
canônico, grandemente explorado na Idade Média, a idealização de dogmas e
de um conhecimento claro e sistemático foi recepcionada pela teoria
jurídica.
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