Postagem no Abertura Mundo Jurídico em 27.mai.2020...
Juiz deverá aplicar medidas coercitivas a familiares que se recusam a fazer DNA, sejam ou não parte na investigação de paternidade
DECISÃO
22/05/2020 06:50
Para
dobrar a resistência das pessoas que, sendo as únicas capazes de
esclarecer os fatos, se recusam a fornecer material para exame de DNA, o
juiz pode lançar mão das medidas coercitivas autorizadas pelo artigo
139, inciso IV,
do Código de Processo Civil (CPC) – e não só contra quem seja parte
passiva na ação de investigação de paternidade, mas contra outros
familiares do suposto pai.
O entendimento foi manifestado pela
Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao acolher uma
reclamação e cassar sentença de primeiro grau que, contrariando
julgamento do tribunal em recurso especial, extinguiu processo de
investigação de paternidade sem que fosse apurada a alegação de fraude
no primeiro exame de DNA, feito há mais de 25 anos, e antes de esgotadas
as possibilidades de realização de novo exame após a morte do suposto
pai. A decisão foi unânime.
A apuração de uma possível fraude na
primeira prova de DNA – que indiciou resultado negativo para o vínculo
biológico paterno – e a realização de novo exame genético foram
determinadas pela Terceira Turma do STJ, que, ao julgar o recurso
especial, afastou a coisa julgada do processo. Em consequência, os autos
retornaram à primeira instância.
Como os familiares do suposto
pai falecido não compareceram para fazer o segundo exame – e
considerando haver apenas uma alegação de fraude sem provas relativa ao
exame anterior –, o juiz extinguiu o processo, declarando ter havido
coisa julgada na primeira ação de investigação de paternidade. Ele
entendeu que não seria aplicável a presunção de paternidade prevista na Súmula 301 do STJ
Declaração
A
ministra Nancy Andrighi, relatora da reclamação, apontou que o juiz, em
nova análise do processo após a decisão da Terceira Turma, considerou
não haver prova da fraude, mas apenas a declaração de uma pessoa que não
participou da realização do exame de DNA – o que não seria suficiente
para justificar a apuração.
Entretanto, a relatora lembrou que
essa declaração foi a mesma na qual a Terceira Turma se baseou, no
julgamento do recurso especial, para concluir que se tratava de prova
indiciária suficiente para provocar a reabertura da fase de instrução e a
apuração da veracidade de seu conteúdo.
Segundo a ministra, em
razão do longo tempo transcorrido desde que foi realizado o exame, o
próprio acórdão da turma indicou as providências que deveriam ser
adotadas para a apuração da suposta fraude, como a oitiva do declarante e
dos médicos envolvidos.
Mãos atadas
Em relação à
realização de novo exame, Nancy Andrighi ressaltou que há, até o
momento, apenas um herdeiro reconhecido do suposto pai – parte passiva
na atual ação de investigação de paternidade –, mas foram localizados
dois irmãos vivos do falecido.
No dia designado para o exame,
apenas o suposto filho compareceu ao laboratório. Segundo a ministra, o
magistrado considerou não ser viável a integração do polo passivo pelos
irmãos do falecido, pois eles não seriam herdeiros necessários. Além
disso, o juiz entendeu que a recusa dos envolvidos em fornecer material
genético não poderia levar à presunção de paternidade (Súmula 301),
especialmente por haver coisa julgada na ação investigatória anterior, a
qual teria sido afastada pelo STJ tão somente para a realização do novo
exame de DNA.
De acordo com a relatora, apenas se tivesse sido
concluída a apuração sobre a existência de fraude no exame realizado na
primeira ação investigatória – como expressamente determinado pela
Terceira Turma – é que se poderia cogitar de aplicar ou não a presunção
de paternidade em razão da negativa de fornecimento de material
biológico pelos familiares próximos.
Com base em precedentes do
Supremo Tribunal Federal, Nancy Andrighi reconheceu não ser possível
conduzir coercitivamente o investigado para a coleta do material
genético, por se tratar de medida que viola a liberdade de locomoção.
"Isso
não significa, todavia, que possa a parte ou o terceiro colocar o
magistrado de mãos atadas, desrespeitando injustificadamente a ordem
judicial de comparecimento ao local da perícia, sem que haja nenhuma
espécie de instrumento eficaz para dobrar a renitência de quem adota
postura anticooperativa e anticolaborativa, sobretudo quando a inércia
se revela apta a gerar o non liquet instrutório justamente em desfavor de quem coopera e de quem colabora para o descobrimento da verdade", afirmou a relatora.
Medidas coercitivas
Nancy
Andrighi destacou que o entendimento da Súmula 301 não pode ser
considerado absoluto e insuscetível de relativização, "pois, maior do
que o direito de um filho de ter um pai, é o direito de um filho de
saber quem é o seu pai".
Como consequência, em seu voto, a
ministra entendeu ser necessário cassar a sentença para determinar que
seja concluída a instrução sobre a filiação do autor da ação, devendo o
juiz, se preciso, adotar as medidas indutivas, mandamentais e
coercitivas autorizadas pelo artigo 139, inciso IV, do CPC, para só
então – no caso de ser impossível a elucidação da questão – decidir com
base em ônus da prova e presunções.
As medidas, segundo a
ministra, devem ser direcionadas não só ao herdeiro reconhecido, como
também aos irmãos do falecido, ainda que ostentem a condição de
terceiros na ação. Essa possibilidade de extensão tem amparo no
entendimento da doutrina sobre o conceito de legitimidade processual,
que não deve mais se referir apenas à hipótese clássica de legitimidade
para a demanda, mas também à legitimidade para atos processuais
específicos.
"É correto afirmar que um terceiro,
independentemente da existência de circunstância que o legitime a ser
parte ou interveniente, poderá ser instado a participar apenas de
determinados atos processuais, inclusive na seara instrutória, o que, na
verdade, não é sequer uma grande novidade, na medida em que terceiros,
observado o contraditório, poderão ser obrigados a exibir documento ou
coisa que se encontre em seu poder, sob pena de busca e apreensão em que
se admitirá a adoção de medidas indutivas, coercitivas, sub-rogatórias
ou mandamentais (artigos 401 a 404 do novo CPC) – procedimento que
igualmente deve ser aplicado à hipótese", finalizou a ministra ao julgar
procedente a reclamação.
Original disponível em: (http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Juiz-devera-aplicar-medidas-coercitivas-a-familiares-que-se-recusam-a-fazer-DNA--sejam-ou-nao-parte-na-investigacao-de-pate.aspx). Acesso em 27/mai/2020.
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