sábado, 14 de novembro de 2015

A ação rescisória decorrente de violação à norma jurídica (Icaro Luiz Britto Sapucaia)

Postagem 14/nov/2015...

A ação rescisória decorrente de violação à norma jurídica

Icaro Luiz Britto Sapucaia

Resumo: Neste presente artigo iremos abordar a problemática da ação rescisória inscrita no art. 485, V do CPC que tem como base a violação a literal disposição de lei, dissertando quais os conflitos nela existentes, suas soluções, de que forma eles se encaixam no ordenamento jurídico, isso sem perder de vista as soluções a serem apontadas para que a desconstituição da coisa julgada não seja considerada um sucedâneo recurso. Assim, defenderemos uma abrangência na hermenêutica do dispositivo legal em questão com as outras fontes do direito, de forma que não só a lei seja considerada legítima para desconstituir a coisa julgada proferida em sede de decisão por magistrado/ Tribunal competente.

Palavras-chave: Ação Rescisória. Violação à Norma. Relativização da Coisa Julgada.

Abstract: In this present monograph, we address the problem of art entered in the rescission action. 485 , the V CPC which is based on the literal infringement provision of law , lecturing which conflicts existing in it , their solutions , how they fit into the legal system , without losing sight of the solutions to be identified so that deconstitution of res judicata should not be considered a substitute resource. So defend one scope in the legal hermeneutic device in question with other sources of law, so that not only the law is considered legitimate to deconstruct the res judicata given at headquarters decision by Magistrate / Competent Court.

Keywords: reversal action, violation of the standard, deconstitution of res judicata.
   
Sumário: Introdução 1. Cabimento da ação rescisória nos casos de violação da norma jurídica 1.1 “violação literal de disposição de lei” 1.2 a “violação” 1.3 a violação e a contrariedade da norma jurídica e cláusula contratual 1.4 ação rescisória por violação à costume 1.5 ação rescisória por violação de súmula vinculante 1.6 ação rescisória por violação de norma considerada inconstitucional pelo STF 1.7 sentença que considerou inconstitucional norma  posteriormente declarada constitucional 1.8 a ação rescisória por violação à norma jurídica e a súmula 343 do STF 1.9 a relativização. Conclusão. Referências.

Introdução

A coisa julgada geralmente é associada ao pensamento de imutabilidade do que foi resolvido na sentença de mérito do processo, contudo, esta visão não pode ficar adstrita apenas na sua forma de não poder se discutir o que fora julgado anteriormente.
Nosso códex processual civil contribuiu e muito para que houvesse muitos debates em torno da coisa julgada, pois primeiramente Cramer apud Alfredo Buzaid (2012, p.17) levou para o CPC o significado da coisa julgada com fulcro no item 10 da Exposição de motivos que tinha como redação inicial: “Chama-se coisa julgada material a qualidade, que torna imutável e indiscutível o efeito da sentença, não mais sujeita a recursos ordinários ou extraordinários”.
Todavia, tal regra foi retificada, e o art. 467 do CPC se aproximou mais do conceito de Cramer apud Konrad Hellwig (2012, p.18) onde a coisa julgada seria o efeito da sentença.
No tocante aos meios de impugnarmos a coisa julgada, o seu debate possui maior amplitude ainda, pois há diversas correntes tentando exercer seu ponto de vista perante os demais, variando dos casos em que este instituto só pode ser atacado pelos métodos previstos no diploma legal, ou por meio de ação ordinária; além de impugnação por qualquer meio processual disponível em face de injustiça da coisa julgada.
Assim, para compreendermos a ação rescisória prevista no art. 485 do Código de Processo Civil, devemos analisar qual a sua serventia no atual sistema processual entendendo, de forma a desmistificar os embates entre segurança jurídica e justiça.
Com isso, buscar-se-á dar mais ênfase ao inciso V do citado artigo, tendo em vista que as interpretações utilizadas atualmente não respondem satisfatoriamente a gama de fatos existentes no nosso ordenamento jurídico e no mundo fático.
Passada essa etapa, iremos fazer um breve ensaio sobre regras e normas jurídicas na visão de Hans Kelsen e Ronald Dworkin, analisando suas teses doutrinárias, a resolução do conflito entre regras e princípios, e como estes se comportam em nosso ordenamento jurídico em relação a sua interpretação.
Tal análise é necessária, pois o art. 485 possui um rol taxativo de situações, sendo possível destacar que o inciso V, possui uma vacância em sua redação, qual seja a aplicação da Ação Rescisória somente em casos em que há uma “violação literal do dispositivo de lei”, porém como será demonstrado durante o trabalho de conclusão de curso, esta redação está ultrapassada, merecendo reparos em sua interpretação.
Para dar ênfase a essa demonstração explicaremos as várias fontes do direito como, por exemplo, um país como o Brasil, onde há a utilização da Civil Law, baseando-se em leis, a doutrina, jurisprudência, costumes e a analogia, são utilizadas de forma secundária para a resolução do caso concreto.
Debateremos ainda a inaplicabilidade do enunciado da Súmula 343 do STF, como sua aplicabilidade pode ser relativizada e, quais são os argumentos para tanto.
Falaremos ainda qual a diferença entre regra e norma jurídica, de modo a invocar os pensamentos de Hans Kelsen e Ronald Dworkin, de modo a estabelecermos um parâmetro, ainda que geral de como solucionar os conflitos das normas do ordenamento jurídico.
Por fim, estudaremos de que forma o art. 485, V do CPC deve ser interpretado como forma de garantir a justiça esperada das decisões do poder judiciário e ao mesmo tempo resguardar a segurança jurídica dos julgados.

1. Cabimento da ação rescisória nos casos de violação da norma jurídica

Nos capítulos anteriores debatemos sobre como a segurança jurídica pode ser relativizada em prol da justiça em certos casos, bem como analisamos posteriormente o conflito existente entre regras e normas jurídicas pelos principais pensadores do positivismo e do jusnaturalismo.
Neste último capítulo, partiremos para a ordem prática da Ação Rescisória por violação à norma jurídica, analisando, onde, como e quando se deve aplicar tal dispositivo, de que forma podemos dirimir as dúvidas existentes através de proposição de soluções com o objetivo de concretizar a norma no sentido de abarcar não só a legislação vigente, como também outras fontes do direito.

1.1 A “violação literal de disposição de lei”

Se formos interpretar de maneira equivocada o enunciado do art. 485, V do CPC, poderíamos chegar a conclusão de que somente o diploma legal, disposto de maneira expressa, está passível de o jus rescindendes e do jus rescisorium.
Todavia, seria ilógico ignorarmos que não é a lei que é infringida ou violada e, sim a norma jurídica inserida nela, ou seja, o resultado da interpretação do dispositivo legal (sejam em conjunto ou separadamente), ou das outras fontes do direito, sejam elas implícitas ou explícitas.
Nesse sentido, importante frisar as palavras de Humberto Ávila in Teoria dos princípios (2005, p. 22):
“Normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos. Daí se afirmar que os dispositivos se constituem no objeto da interpretação; e as normas, no seu resultado.”
Assim, devemos separar as normas dos dispositivos legais e, mais uma vez recorremos ao autor citado acima (HUMBERTO ÁVILA, 2005, p. 22):
“O importante é que não existe correspondência entre norma e dispositivo, no sentido de que sempre que houver um dispositivo haverá uma norma, ou sempre que houver uma norma deverá haver um dispositivo que lhe sirva de suporte.
Em alguns casos há norma mas não há dispositivo. Quais são os dispositivos que preveem os princípios da segurança jurídica e da certeza do Direito? Nenhum. Então há normas, mesmo sem dispositivos específicos que lhes dêem suporte físico.
Em outros casos há dispositivo mas não há norma. Qual norma pode ser construída a partir do enunciado constitucional que prevê a proteção de Deus? Nenhum. Então, há dispositivos a partir dos quais não é construída norma alguma.”
Desse modo a norma jurídica é nada mais que a interpretação dada à um dispositivo legal, seja em conjunto ou separadamente, tendo as regras e os princípios como forme de se externar, porém estas não se confundem e, para diferenciarmos as duas, adotamos os conceitos preceituados por Humberto Ávila (2005, p. 70):
“As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entra a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos.
Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementariedade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.”
Com isso, podemos observar que a norma não precisa vir necessariamente de um dispositivo legal, variando de um elemento isolado, ou de um conjunto deles, não tendo motivos para negar que a Ação Rescisória pode ser fundamentada na infração/violação de uma norma jurídica que não é expressa no ordenamento jurídico.
Um bom exemplo a ser dado como norma implícita que, se violada daria a possibilidade de aplicação do art. 485, V do CPC é a própria segurança jurídica, pois se formos pesquisar, vasculhar toda a Constituição e as normas infraconstitucionais, não acharemos uma só referência à essa norma de forma explícita.
Contudo, não podemos esquecer que a segurança jurídica é o resultado de uma interpretação sistêmica de todo o ordenamento jurídico, não havendo motivos, portanto, para negar que a infringência de uma norma implícita não possui menos força que a norma explícita, haja vista que o que está em jogo é a proteção da norma jurídica, não se devendo levar em conta se há níveis de violação, meios e ponderações dessas violações.
Favoráveis ao proposto aqui são: Pontes de Miranda (1976 p. 260-263), Barbosa Moreira (2005, p. 130), Teresa Arruda Alvim Wambier (2008, p.501), Fredie Didier Jr. E Leonardo José Carneiro da Cunha (2008, p. 376-377) e Alexandre Freitas Câmara (2007, p. 81).
Destacamos o ensinamento de Teresa Arruda Wambier (2008, p. 501):
“Pensamos encartarem-se nesse conceito de lei também os princípios jurídicos, ainda que não estejam expressamente positivados. Estar-se-á, neste caso, em face da norma jurídica não escrita.
A primeira das razões, a que nos parece sem dúvida a mais importante, é a de que o desrespeito aos princípios é potencialmente muito mais danoso ao sistema do que a ofensa a um dispositivo legal.”
Todavia há autores que discordam da proposição posta, são eles: José Frederico Marques (1997, vol 3, p. 304), Sérgio Rizzi (1979, p. 105-106), Márcia Conceição Alves Dinamarco (2004, p. 187-188) e Coqueijo Costa (1987, p. 60).
Destacamos o pensamento de Rizzi (1979, p. 105-106) que defende que o inciso V quer dizer imprescindivelmente a norma explícita prevista em algum diploma legal:
“A norma do art. 485, V, do Código, sujeita-se, na sua inteligência, aos postulados de segurança e certeza que informam a coisa julgada. A interpretação deve ser, portanto, consentânea com tais postulados, de modo tal que, onde se lê ‘literal’, deve-se inferir a existência material de lei.
Só é grave o erro da sentença, para fins do art. 485, V, do Código, quando afronte norma que conste literalmente dos textos normativos.[...]
Em nosso entender, as verbas legis – ‘literal disposição de lei’ – devem necessariamente, implicar uma restrição.[...]
O art. 485, V, do Código, portanto, não cuida da violação do direito em tese que não conste de nenhuma norma escrita.”
Contudo, o Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento de que cabe ação rescisória por violação de norma implícita, senão vejamos:
“DIREITO TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. AFRONTA AO ART. 475 DO CPC. PRINCÍPIO DO NON REFORMATIO IN PEJUS EM REMESSA OBRIGATÓRIA. AÇÃO RESCISÓRIA. CABIMENTO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA REJEITADOS. 1. O fundamento para o ajuizamento da ação rescisória, mormente aquele previsto no inciso V do art. 485 do CPC – violação de literal disposição de lei –, é de tipificação estrita, em respeito à estabilidade das relações jurídicas acobertadas pela coisa julgada, visando a paz social. 2. A interpretação restrita do art. 485, V, do CPC não importa em sua interpretação literal, sob pena de não ser possível alcançar seu verdadeiro sentido e intento, e, por conseguinte, assegurar uma efetiva prestação jurisdicional. 3. É cabível ação rescisória, com amparo no art. 485, V, do CPC, contra provimento judicial de mérito transitado em julgado que ofende direito em tese, ou seja, o correto sentido da norma jurídica, assim considerada não apenas aquela positivada, mas também os princípios gerais do direito que a informam. Precedente do STJ. 4(...)(STJ, Relator: Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Data de Julgamento: 17/06/2009, CE - CORTE ESPECIAL)”
Outra questão a ser levantada pela Ação Rescisória por violação à norma jurídica, diz respeito a qual tipo de norma é protegida pelo instituto. Seriam apenas as normas de cunho material? Ou somente as de matéria processual? Ou ambas podem ser utilizadas como forma de rescindir uma sentença com trânsito em julgado? A resposta deve ser embasada no sentido do próprio inciso V não fazer nenhuma distinção, devendo ser rescindida toda sentença citra, ultra ou extra petita, com base no art. 128 do CPC.
Por isso, não somente apenas a Constituição Federal e a Lei Federal devem ser utilizadas para rescindir um julgado, mas sim outras fontes do direito, visto que o importante é compreender a Ação Rescisória em sua forma mais abrangente, confrontando qualquer diploma legal que seja passível de ser rescindido, não importando se suas normas são de cunho material ou processual.
Nesse sentido Barbosa Moreira (2005, vol. 5, p.131):
““Lei”, no dispositivo sob exame, há de entender-se em sentido amplo. Compreende, à evidência, a Constituição, a lei complementar, ordinária ou delegada, a medida provisória, o decreto legislativo, a resolução (Carta da República, art. 59), o decreto emanado do Executivo, o ato normativo baixado por órgão do Poder Judiciário (v.g., regimento interno: Constituição Federal, art. 96º, I, letra a). Inexiste qualquer diferença, a este respeito, entre normas jurídicas editadas pela União, por Estado-membro ou por Município.”
Por último, outro questionamento se levanta quando estamos dissecando a Ação Rescisória prevista no art. 485, com fundamento em seu inciso V do CPC, que é o caso de ela poder fundamentar uma rescisão de julgado onde ocorre o error in iudicando e o error in procedendo. Sabe-se que os atos são vícios do juízo no momento do julgamento do objeto posto em análise sendo de consequências diferentes, enquanto o primeiro é retificado pelo tribunal, o segundo tem como fim a anulação do ato praticado.
Favoráveis a esta tese estão Teresa Arruda Alvim Wambier (2004, p. 274-275), Eduardo Talamini (2005, p. 499), e Coqueijo Costa (1987, p. 61), onde afirmam que o vício de atividade também tornaria rescindível a decisão, pois o inciso V não restringe a rescindibilidade somente para o vício de juízo.
Contudo, há autores que entendem que o art. 485 já ressaltou três vícios de atividade entre seus incisos, não havendo necessidade de que os errores in procedendo pudessem fundamentar ação rescisória, (Luiz Eulálio Bueno Vidigal, Comentários ao código de processo civil. 2. Ed. São Paulo: Revista do Tribunais, 1976, v.6, p.100-102).
Discordamos do autor, no sentido de que como dito anteriormente o inciso V não distingue qual erro é abarcado ou não em sua aplicação, estando em consonância com o entendimento do STJ, senão vejamos:
“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ART. 557, § 1.º, DO CPC. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 485, V, DO CPC. MATÉRIA EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL. 1. A ação rescisória tem como principal escopo rescindir a decisão transitada em julgado, propiciando, nas hipóteses cabíveis, o rejulgamento da causa. Certo, também, que a referida ação reclama os seguintes pressupostos, a saber: a) sentença de mérito transitada em julgado; b) causas de rescindibilidade; c) propositura dentro em dois anos do trânsito em julgado da decisão de mérito. 2. O art. 485 do CPC prevê, em numerus clausus, as causas de rescindibilidade viabilizadoras da propositura da ação rescisória, dentre as quais encontra-se incluída a violação de literal disposição de lei que pode decorrer tanto de error in judicando como de error in procedendo. 3. Incabível falar-se em ofensa ao disposto no art. 485, V, do CPC, quando o órgão julgador competente conhece da rescisória, por suposta violação à dispositivo constitucional, mas julga-a improcedente por entender não configurada a violação apontada, tomando por base os elementos fático probatórios que instruíram o feito, e ensejaram a conclusão do próprio decisum rescindendo. 4. In casu, a Corte de origem fundou o decisum impugnado em preceitos eminentemente constitucionais, insindicáveis nesta via especial, vez que a apreciação da ocorrência ou não de ofensa aos dispositivos constitucionais suscitados pela ora recorrente importaria em usurpação da competência soberanamente atribuída ao Pretório Excelso, pela regra inserta no art. 102 da Carta Política de 1988. 5. Agravo regimental desprovido.(STJ   , Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 21/03/2006, T1 - PRIMEIRA TURMA)”
Dessa forma, o enunciado do artigo, no tocante a “literal disposição de lei”, quer dizer que a norma jurídica como um todo, abarcando regras e princípios, explícita ou não, de cunho processual ou material, com aplicação de diploma legal pátrio ou estrangeiro, com vício de atividade ou juízo é passível de ser rescindida nos moldes do art. 485, V do CPC.

1.2 A “violação”

Primeiramente, se formos buscar no dicionário qual o conceito de violar, no que se refere ao direito, encontraremos que este verbo significa Cometer violação ou desrespeito de norma, lei, acordo, etc.
Dessa forma observamos que violar significa o desrespeito, seja à lei, à norma, ou qualquer fato que seja passível de análise pelo direito, desde que haja uma ofensa ao patrimônio jurídico de outrem.
Assim não há distinção de violação no sentido de se foi pouco, ou muito. Nestes termos Ronaldo Cramer (2012, p. 196-197):
“A meu ver, pode-se fazer um paralelo entre a violação da norma na ação rescisória e a contrariedade da norma no recurso extraordinário e especial. Com efeito, não há distinção entre essas hipóteses, tampouco a primeira é mais grave do que a segunda. Não é possível discriminar gradações de ofensa à norma. A norma não pode ser pouco, mais ou menos, ou mais ofendida do que em outras circunstâncias. Se da decisão viola uma norma, isso se dá sempre na mesma intensidade.
Tanto nos recursos excepcionais, quanto na ação rescisória, viola significa: não aplicar a norma, quando ela deveria ser aplicada; aplicar a norma, quando ela não deveria ser aplicada; e aplicar a norma, quando ela deveria ser aplicada, mas por meio de interpretação equivocada, alterou-se o seu sentido”.
Corroborando para nossa argumentação o STJ entendeu o seguinte em cero julgado:
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI (CPC, ART. 485, V). EFICÁCIA TEMPORAL DA COISA JULGADA. SENTENÇA QUE DECLARA INEXIGIBILIDADE DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO, COM BASE NO RECONHECIMENTO, INCIDENTER TANTUM, DA INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 7.689/88. EDIÇÃO DE LEI NOVA (LEIS 7.856/89, 8.034/90 E 8.212/91). ALTERAÇÃO NO ESTADO DE DIREITO. CESSAÇÃO DA FORÇA VINCULATIVA DA COISA JULGADA.(...). 5. Configura "violação a literal disposição de lei" (CPC, art. 485, V), dando ensejo á propositura da ação rescisória, não apenas a sua aplicação de forma equivocada, como, também, a negativa de sua aplicação a hipótese em que deveria incidir. 6. Recurso especial provido.(STJ, Relator: Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Data de Julgamento: 03/03/2005, T1 - PRIMEIRA TURMA)”
Posto isto, devemos então encarar o art. 485, V como uma norma ampla e não apenas a negativa de vigência de norma jurídica em vigor.

1.3 A violação e a contrariedade da norma jurídica e cláusula contratual

Como forma de sanar a violação de uma norma jurídica, nos vemos diante do seguinte questionamento: Por se tratar de ferramenta que visa sanar a violação da norma jurídica e se parecer muito com um dos fundamentos dos Recursos Extraordinário ao STF e, Recurso Especial ao STJ, será que os requisitos para a propositura da Ação Rescisória seguiria os mesmo requisitos para ser conhecida e ter analisado seu mérito?
Tal resposta só pode ser negativa, por motivos bem simples, senão vejamos: primeiro, a violação quanto à contrariedade prevista nos arts. 102 e 105 da CF/88 possui o mesmo fim, porém não os mesmos meios para alcançar o objetivo de prevalecer a correta orientação sob uma determinada norma jurídica.
Assim, a Ação Rescisória é aplicada apenas no caso concreto de uma forma individualizada, não procurando uniformizar entendimento de jurisprudência, enquanto que os Recursos Extraordinário e Especial visam unificar o entendimento acerca de Constituição Federal e à Lei Federal, respectivamente, de forma que seus julgados sejam aplicados a todos os casos análogos não analisando os fatos envolvidos na lide, o que não é o caso da Ação Rescisória de forma geral, pois se preocupa com a tutela material.
No mesmo sentido, Pontes de Miranda (1976) afirma que “o que se exige para a ação rescisória por ofensa à regra jurídica é que o juiz tenha aplicado, e o não devida, ou não tenha aplicado, se o devia”.
Em relação ao prequestionamento, observamos que um dos requisitos expressos nos arts. 102 e 105 da CF/88 é o prequestionamento da matéria desde a primeira instância para poder ter a matéria apreciada pelos tribunais superiores, o que não ocorre para o ajuizamento da Ação Rescisória, pois não está elencado nos seus requisitos, sendo importante apenas indicar que norma foi violada, haja vista que como vimos anteriormente, a mera alegação de injustiça de uma sentença transitada em julgado per si não é suficiente para rescindir uma decisão, ainda mais quando ela não vem com um mínimo probatório para tanto.
O STF também entende de forma parecida, senão vejamos:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMPOSIÇÃO DE MULTA PREVISTA NO ART. 557, § 2º, DO CPC. LIMINAR CONCEDIDA EM MANDADO DE SEGURANÇA PARA A SUSPENSÃO DO SEU PAGAMENTO. JULGAMENTO DOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARA EVITAR PREJUÍZO ÀS PARTES. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO COMO REQUISITO INDISPENSÁVEL, NO ÂMBITO DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, À PROPOSITURA DE AÇÃO RESCISÓRIA. POSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO, PELO SUPREMO, EX VI DO ART. 5º, XXXVI, DA CB/88. CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. LEITURA PARCIAL E MESCLAGEM DE TRECHOS DO VOTO CONDUTOR. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. IRRESIGNAÇÃO QUANTO À IMPOSIÇÃO DA MULTA. REJULGAMENTO DA CAUSA. IMPOSSIBILIDADE, SALVO HIPÓTESES EXCEPCIONAIS. ART. 535, I E II, DO CPC. (...)3. O requisito do prequestionamento não se aplica à ação rescisória, que não é recurso, mas ação contra a sentença transitada em julgado, atacável, ainda que a lei invocada não tenha sido examinada na decisão rescindenda [ED-AR n. 732, Relator o Ministro SOARES MUÑOZ, DJ 09.05.80]. A jurisprudência do Tribunal reconhece a possibilidade de conhecimento dessa matéria em recurso extraordinário. Precedentes [RE n. 328.312, Relator o Ministro GILMAR MENDES, DJ 11.04.2003; AI n. 592.651, Relator o Ministro CÉZAR PELUSO, DJ 23.06.2006; AgR-AI n. 410.497, Relator o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ 22.03.2005; AI n. 336.803, Relator o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ 15.12.2004; AI n. 372.516, Relator o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ 10.12.2004 e AI n. 407.909, Relator o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ 21.09.2004].4(...).(STF - RE-AgR-ED: 444810 DF , Relator: EROS GRAU, Data de Julgamento: 03/04/2007, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-008 DIVULG 03-05-2007 PUBLIC 04-05-2007 DJ 04-05-2007 PP-00038 EMENT VOL-02274-01 PP-00205 RCJ v. 21, n. 135, 2007, p. 102-103)”
Contudo, no âmbito do STJ a matéria ainda não está pacificada, tendo-se julgados para ambas as correntes, sendo importante frisar que a tendência é a de que este tribunal superior siga o mesmo ensinamento do STF, vejamos:
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. LITERAL VIOLAÇÃO A LEI. ART. 485, V, DO CPC. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO NO ACÓRDÃO RESCINDENDO. DESNECESSIDADE. 1. A admissibilidade da ação rescisória fundada em literal violação a lei (art. 485, V, do CPC) não exige que os dispositivos legais supostamente vulnerados tenham sido debatidos no acórdão rescindendo. Precedentes do STF de do STJ. 2. Recurso especial provido. (STJ, Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 25/11/2008, T2 - SEGUNDA TURMA)
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. TEMA NÃO APRECIADO NA DECISÃO RESCINDENDA. NÃO CABIMENTO. ERRO DE FATO. NÃO-OCORRÊNCIA. 1. O cabimento da ação rescisória fundada no inciso V do art. 485 do CPC, pressupõe que o julgado rescindendo, ao aplicar determinada norma na decisão da causa, tenha violado sua literalidade, seu sentido, seu propósito. Assim, evidencia-se a inadmissibilidade da ação rescisória com fundamento no referido dispositivo legal quando não há qualquer pronunciamento da questão tida como violada no aresto rescindendo. 2(...)(STJ   , Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 12/12/2007, S3 - TERCEIRA SEÇÃO)”
Tendo em vista o que foi posto, podemos afirmar que em que pese seja prescindível o prequestionamento no momento da interposição da ação rescisória, não pode a parte fundamentar sua petição em uma argumentação genérica, devendo apontar qual norma em sua interpretação foi violada, justamente para evitar o mal uso deste instrumento processual excepcionalíssimo.
Entretanto, existe parte da doutrina como Barbosa Moreira (2005, p.132) e Teresa Arruda Alvim Wambier (2008, p.509) que mitigam essa aplicação de forma restritiva, bastando que no caso de omissão, se possa observar a norma que foi violada de acordo com a petição inicial da ação rescisória, o que não concordamos, pois isto de certa forma incentivaria a propositura de meras alegações, travando ainda mais o moroso processo no Poder Judiciário, de forma que esta argumentação teria mais cunho protelatório do que realmente de direito.
Já em relação ao reexame dos fatos no momento da rescisão temos que há uma dupla interpretação neste aspecto, pois tanto o STF na Ação Rescisória nº 1.093/RJ, quanto o STJ no AgrRegResp nº 897.957/CE decidiram que não há como debatermos matérias de fato em sede da desconstituição da coisa julgada.
Porém, Teresa Arruda Alvim Wambier (2008, p. 363-375), pondera o que foi acertado nestes tribunais na medida em que não existem questões puramente de direito, tendo em vista que o magistrado sempre aprecia os fatos da causa para melhor solucionar a lide.
Assim, através da subsunção, o juiz reflete se a hipótese em análise deve ser solucionada através de certa norma jurídica, observando os fatos trazidos pelas partes. Com isso, mostra-se inviável se pensar que ao julgar a ação rescisória, o juízo se abstraia totalmente dos fatos que deram forma a ação judicial, pois mesmo de forma mínima, há análise dos fatos do caso.
No caso dos princípios, a subsunção mostra-se mais forte ainda, de forma que não podemos afastá-la de ser objeto da ação rescisória, pois os princípios também são espécies de normas que são abraçadas pelo art. 485, V do CPC.
Nestes termos é a lição da autora ao norte citada:
“Ocorre, todavia, que princípios raramente são violados em tese: desrespeita-se um princípio, quando este não incide em quadro fático, que não poderia ter sido resolvido sem que incidisse.
Assim, parece-nos impossível, ou pelo menos muito difícil, detectar que determinado princípio teria sido ofendido se não se ‘refizer’ a subsunção (o reexame da adequação) da solução normativa encontrada pela decisão rescindenda ao quadro fático que estava subjacente ao processo em que foi proferida.”
Com isso, percebemos que os princípios são questões de direitos podendo ser discutido no caso Ação Rescisória, quanto nos recursos excepcionais sendo que deve haver uma relativização da discussão de fatos (isto aplicado a corrente contrária da análise de fatos em sede de ação rescisória) pelo processo da subsunção, pois é aí que o julgador verifica a incidência da norma; analisa-se os fatos apresentados pelas partes se enquadram à norma jurídica e, aplicam esta norma ao caso em questão.
Assim ensina Ronaldo Cramer apud Teresa Arruda Wambier (2008, p. 514)
“Parece claro que a ação rescisória, medida excepcional que é, não se pode transformar numa ação de revisão, pura e simplesmente, do que tenha sido decidido no processo de onde se emanou a decisão rescindenda, como se de uma apelação se tratasse.”
Portanto, o fato de que se a inadequação do processo subsuntivo  só puder ser demonstrada, para fins de admissibilidade da ação rescisória, com a juntada de todas as provas produzidas no processo com o objetivo de que sejam reexaminadas, não será caso de ação rescisória.
Dessa forma é impossível nos agarramos à ideia de que nunca há análise dos fatos, mesmo quando estamos diante de recurso que analisam apenas o direito, pois como vimos, a subsunção da norma jurídica, implica necessariamente a análise dos fatos do caso concreto, justamente para ver como solucionar o conflito com a aplicação de uma norma jurídica dada como correta.

1.4 Ação rescisória por violação à costume

Um ponto bem intrigante sobre a violação à norma jurídica, seria o caso de os costumes estarem inseridos neste âmbito, sendo que há divergência sobre sua aceitação ou não, senão vejamos:
Pontes de Miranda (1976, p. 259 e 270-271), Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery afirmam (2006, p. 680) que sim. Para o primeiro autor a palavra “lei” significa direito revelado por qualquer fonte, estando dentro dela o costume.
Para outros autores como Luís Eulálio Bueno Vidigal e Márcia Conceição Alves Dinamarco o significado de “lei” não poderia ter uma abrangência desejada por Pontes de Miranda, isto pelo fator segurança jurídica e, pelo fato da proteção constitucional da coisa julgada.
Contudo, concordamos com a posição de Ronaldo Cramer (2012, p. 208) que nos diz:
“A meu ver, cabe rescisória contra sentença que viola costume. Como visto acima, segundo a melhor interpretação, ‘literal disposição de lei’ significa norma jurídica. Ocorre que, conforme o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, na falta de norma específica ou de outra que possa ser usada por analogia, o juiz deve aplicar o costume ao caso concreto. Nesse caso, o costume age como sucedâneo da norma e tem a mesma força vinculante.
Assim, porque tem força normativa nas hipóteses na quais não há norma própria ou análoga a ser aplicada, o costume deve ser tratado como se norma fosse, e, por conseguinte, sua violação deve ensejar ação rescisória, com fulcro no inciso V.”
Assim é possível observar que há um equívoco pela parte contrária, pois em suas argumentações, sua defesa fervorosa de que se deve dar prevalência à segurança jurídica esbarra no que fala o art. 4º da Lei de Introdução à Normas Brasileiras que quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. (DECRETO-LEI Nº 4.657, DE 4 DE SETEMBRO DE 1942.)
Neste sentido é o entendimento do STJ:
“EMENTA: AÇÃO RESCISÓRIA. APOSENTADORIA ESPECIAL (PERICULOSIDADE). SERVIDOR PÚBLICO. INTERPRETAÇÃO RAZOÁVEL. SÚMULA 343 – STF.
Preliminar de carência da ação por falta de indicação na petição inicial da rescisória do dispositivo legal violado pelo acórdão rescindendo. Rejeição. A violação de literal disposição de lei a que alude o art. 485, inciso V, do CPC, deve ser frontal e induvidosa. Entendimento do Col. STJ de que “a interpretação do artigo 485, inciso V, do CPC, deve ser ampla e abarca a analogia, os costumes e os princípios gerais do Direito (art. 4º da LICC).(...). (STJ, primeira Seção, ação rescisória nº 822/SP, rel. Min. Franciulli Neto, j. em 26.04.2000).”
Dessa forma, há de se convir que a ação rescisória não deve se restringir apenas a regra jurídica, visto que conforme o art. 4º da LINB, há autorização expressa para aplicarmos outras fontes do direito diferentes da lei, o que por si só não afasta a aplicabilidade do art. 485, V do CPC, pois o costume, a analogia e as outras fontes do direito também fazem coisa julgada material.

1.5 Ação rescisória por violação de súmula vinculante:

Sabe-se que a súmula vinculante objetiva a validade, a interpretação e a eficácia de uma regra positivada, produzindo assim uma norma jurídica que vincula todos os entes do Poder Judiciário, bem como todas as outras esferas dos Poderes Legislativo e Executivo.
Assim, quando estamos diante da violação à súmula vinculante, observamos certo conflito entre os defensores da aplicação da ação rescisória por violação à norma jurídica e os contrários à essa tese, senão vejamos:
Os autores favoráveis a essa tese são Alexandre Freitas Câmara (2007, p. 82-84), Ronaldo Cramer apud Bernardo Pimentel Souza e Marcos Paulo Passoni (2012, p. 210) que afirmam que a sentença que contraria súmula vinculante pode ser rescindida através da ação rescisória, pois para tais autores a súmula vinculante possui status de norma jurídica, de forma que atrai a aplicação do art. 485, V do CPC.
Adicionam ainda em suas defesas que o art. 7º da Lei 11.417/06, ao abarcar outros meios de impugnação, que ultrapassem a reclamação contra sentença que viola súmula vinculante, acaba possibilitando o manejo da rescisória.
Todavia, para compreender melhor a sistemática neste tópico, fazemos primeiramente uma corroboração com o apresentado no parágrafo acima. A súmula 734 do STF nos diz que: não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal”, o que coloca extreme de dúvidas quanto a aplicação da rescisória.
Porém, o art. 1º, §2º da Lei 11.417/06, afirma que a súmula vinculante tem por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de um dispositivo legal. Afirmando grosso modo, seria o mesmo que dizer que a súmula vinculante é uma norma legal interpretada.
Assim, se a súmula vinculante é a interpretação de um dispositivo legal, não cabe falar em ofensa à súmula vinculante em si e, sim violação da norma jurídica interpretada. Nesses termos, citamos Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha (2008, v. 3, p. 379):
“Cumpre a propósito, observar que não cabe ação rescisória por violação a um enunciado de súmula de tribunal, ainda que se trate de súmula vinculante. Na verdade, cabe ação rescisória por violação à norma representada pelo enunciado da súmula. O enunciado da súmula divulga, resume e consolida uma interpretação dada a um dispositivo legal ou constitucional. E é essa interpretação que constitui a norma jurídica e não o texto constante da letra do dispositivo. Se, por exemplo, um enunciado da súmula vinculante do STF confere determinada interpretação ao dispositivo contido no art. X da Constituição Federal, o julgado que tenha decidido diferente terá violado a norma extraída do art. X da Constituição Federal. O que restou violado foi a norma daí extraída. Na ação rescisória, indica-se que a violação foi ao art. X da Constituição Federal”.
Deve-se observar se a súmula se ampara ou não em alguma norma jurídica, pois caso isso aconteça, é imperiosa a aplicação do art. 485, V do CPC para a solução da violação à súmula vinculante.

1.6 Ação rescisória por violação de norma considerada inconstitucional pelo stf

Acerca da norma declarada inconstitucional pelo STF, sabemos que os efeitos da decisão que julga a norma constitucional ou não possui efeitos Erga Omnes com efeitos ex tunc, onde os efeitos retroagem para antes da ação.
Neste sentido, citamos Ronaldo Cramer apud Teori Albino Zavascki (2012, p. 213):
“Assim considerado o termo a quo do efeito vinculante, explica-se por que as decisões em ações de controle concentrado não produzem a automática desconstituição das relações jurídicas anteriores a elas contrárias. Para que se desfaçam tais relações, notadamente quando afirmadas por sentença judicial, é insuficiente a sentença proferida no âmbito do controle abstrato. [...] Por outro lado, a natureza objetiva do processo, no qual não figuram partes nem se levam em consideração relações jurídicas ou direitos subjetivos, importa a consequência de inviabilizar, nele mesmo, em regra, a adoção de providências de natureza executiva.
[...] Publicada no Diário Oficial da União, a sentença de mérito na ação de controle concentrado assume eficácia erga omnes, cabendo aos interessados promover o ajustamento das situações com ela incompatíveis.”
Assim, caso uma sentença seja proferida com base em uma norma julgada inconstitucional pelo STF, pode a parte rescindir o julgado com base no art. 485, V do CPC.
Apesar de alguns autores serem contrários a aplicação da ação rescisória como Teresa Arruda Alvim Wambier e Tiago Figueiredo Gonçalves (2003, p. 43), onde afirmam que cabe ação declaratória de inexistência, nos filiamos à posição favorável a aplicação da ação rescisória com base no inciso V está Ronaldo Cramer (2012, p. 216) que afirma que não se pode entender que a norma inconstitucional é inexistente, haja vista que o art. 27 da Lei 9.868/99 permite ao STF, com fundamento na segurança jurídica ou de excepcional interesse social, verificar até que ponto os efeitos da decisão de inconstitucionalidade irão surtir eficácia, seja a partir da publicação ou de outro momento a ser fixado.
Dessa forma, se esse vício fosse tido como inexistente, não teria o citado artigo previsto que a sentença poderia ter eficácia ex nunc,. Conforme art. 27 da citada lei, não havendo alternativa senão aplicarmos o art. 485, V do CPC.
O STJ e o STF já pacificaram entendimento neste sentido adotado por Ronaldo e abarcado por nosso entendimento também, senão vejamos:
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, V, CPC. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DE PRECEITO LEGAL NO QUAL SE LOUVARA O ACÓRDÃO RESCINDENDO. Cabível a desconstituição, pela via rescisória, de decisão com trânsito em julgado que "deixa de aplicar uma lei por considerá-la inconstitucional ou a aplica por tê-la como de acordo com a Carta Magna. Ação procedente.(STJ - AR: 870 PE 1999/0006984-6, Relator: Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Data de Julgamento: 13/12/1999, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJ 13.03.2000 p. 123 LEXSTJ vol. 130 p. 12)
OISA JULGADA EM SENTIDO MATERIAL. INDISCUTIBILIDADE, IMUTABILIDADE E COERCIBILIDADE: ATRIBUTOS ESPECIAIS QUE QUALIFICAM OS EFEITOS RESULTANTES DO COMANDO SENTENCIAL. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL QUE AMPARA E PRESERVA A AUTORIDADE DA COISA JULGADA.EXIGÊNCIA DE CERTEZA E DE SEGURANÇA JURÍDICAS. VALORES FUNDAMENTAIS INERENTES AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. EFICÁCIA PRECLUSIVA DA “RES JUDICATA”. “TANTUM JUDICATUM QUANTUM DISPUTATUM VEL DISPUTARI DEBEBAT”. CONSEQÜENTE IMPOSSIBILIDADE DE REDISCUSSÃO DE CONTROVÉRSIA JÁ APRECIADA EM TRANSITADA EM JULGADO, AINDA QUE PROFERIDA EM CONFRONTO COM A JURISPRUDÊNCIA PREDOMINANTE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. A QUESTÃO DO ALCANCE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 741 DO CPC. MAGISTÉRIO DA DOUTRINA. RE CONHECIDO, PORÉM IMPROVIDO.- A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei, pois, com o exaurimento de referido lapso temporal, estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, quer em sede de controle abstrato, quer no âmbito de fiscalização incidental de constitucionalidade.- A decisão do Supremo Tribunal Federal que haja declarado inconstitucional determinado diploma legislativo em que se apoie o título judicial, ainda que impregnada de eficácia “ex tunc”, como sucede com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 – RTJ 164/506-509 – RTJ 201/765), detém-se ante a autoridade da coisa julgada, que traduz, nesse contexto, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, “in abstracto”, da Suprema Corte. Doutrina. Precedentes.[...]
Controle da constitucionalidade da sentença. Coisa julgada inconstitucional. Os atos jurisdicionais do Poder Judiciário ficam sujeitos ao controle de sua constitucionalidade, como todos os atos de todos os poderes. Para tanto, o ‘due process of law’ desse controle tem de ser observado. Há três formas para fazer-se o controle interno, jurisdicional, da constitucionalidade dos atos jurisdicionais do Poder Judiciário: a) por recurso ordinário; b) por recurso extraordinário; c) por ações autônomas de impugnação. Na primeira hipótese, tendo sido proferida decisão contra a CF, pode ser impugnada por recurso ordinário (agravo, apelação, recurso ordinário constitucional etc.) no qual se pedirá a anulação ou a reforma da decisão inconstitucional. O segundo caso é de decisão de única ou última instância que ofenda a CF, que poderá ser impugnada por RE para o STF (CF 102 III ‘a’). A terceira e última oportunidade para controlar-se a constitucionalidade dos atos jurisdicionais do Poder Judiciário ocorre quando a decisão de mérito já tiver transitado em julgado, situação em que poderá ser impugnada por ação rescisória (CPC 485 V) ou revisão criminal (CPP 621). Passado o prazo de dois anos que a lei estipula (CPC 495) para exercer-se o direito de rescisão de decisão de mérito transitada em julgado (CPC 485), não é mais possível fazer-se o controle judicial da constitucionalidade de sentença transitada em julgado [...](STF - RE: 594892 RS , Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 21/06/2010, Data de Publicação: DJe-143 DIVULG 03/08/2010 PUBLIC 04/08/2010)]”
Ademais urge salientar que o prazo para a contagem para propositura da Ação Rescisória por violação à norma jurídica deve ser contado a partir da decisão do STF que julgou tal norma em questão incompatível com o ordenamento jurídico, pois assim, estaríamos prestigiando a injustiça em face da segurança jurídica de modo globo, objeto este já debatido no primeiro capítulo.

1.6 Sentença que considerou inconstitucional norma posteriormente declarada constitucional

Neste caso acontece o inverso do visto acima, possuindo os mesmos efeitos, porém com uma diferença que é a de que não se aplica o art. 27 da lei 9.868/99, pois todas as decisões que julgaram a norma inconstitucional são passíveis de serem rescindidas, haja vistas que tais decisões são incompatíveis com a interpretação dada pelo STF.
Um bom exemplo a ser dado neste caso é o citado por Ronaldo Cramer (2012, p. 219):
“Imagine-se, contudo, se, após o trânsito em julgado dessa sentença, o Supremo Tribunal Federal, em ação direta, declara a constitucionalidade da norma que o juiz já havia considerado, ao proferir uma sentença numa ação individual, inconstitucional. Pode nesse caso, a parte interessada pedir a rescisão da sentença, com fundamento na violação da norma afastada por inconstitucionalidade, mas posteriormente declarada constitucional pelo Supremo?”
Para responder esta pergunta, utilizamos o raciocínio de Teresa Arruda Alvim Wambier (2008, p. 559):
“Tem-se, nesse caso, verdadeira negativa de vigência de lei federal, que, como se sabe, á mais do que mera contrariedade à lei. Não aplicar a lei é, na verdade, a forma mais violenta de se viola.”
Com isso deve ser desconstituída a decisão com base no art. 485,V do CPC por negativa de vigência da norma. Nesse sentido o STJ já se manifestou:
“PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE LUCRO LÍQUIDO - CSSL. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. ARTS. 1º, 2º, 3º, DA LEI N.º 7.689/88. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. AFASTAMENTO DA SÚMULA 343/STF. POSICIONAMENTO DA PRIMEIRA SEÇÃO DO STJ. FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. POSSIBILIDADE. ORIENTAÇÃO DA CORTE ESPECIAL (RESP 476.665/SP). 1. O enunciado da Súmula 343 não é aplicável quando a questão verse sobre "texto" constitucional, hipótese em que cabível ação rescisória mesmo diante da existência de controvérsia interpretativa nos Tribunais, em face da "supremacia" da Constituição, cuja interpretação "não pode ficar sujeita à perplexidade", e da especial gravidade de que se reveste o descumprimento das normas constitucionais, mormente o "vício" da inconstitucionalidade das leis. (Precedente: ERESP 608122/RJ) 2. O Recurso Especial interposto contra acórdão proferido em sede de ação rescisória pode veicular os mesmos dispositivos legais que ensejaram a propositura da ação rescisória, por violação literal a disposição de lei 3. O reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal acerca da constitucionalidade dos arts. 1º a 7º da Lei n. 7.689/88 (RE n. 146.733/SP, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 06.11.92), impõe a observação das disposições neles contidas, sob pena de expressa violação de literal disposição de lei. Precedentes: REsp 265.060/SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, DJ 01/02/2006; REsp n. 168.947/CE, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ de 18.02.2002; Primeira Turma, AgRg n Ag n. 544207/DF, relatora Ministra Denise Arruda, DJ de 10/5/2004; Segunda Turma, REsp n. 215.198/PE, relator Ministro Franciulli Netto, DJ de 30/6/2003; REsp.n. 184175/ SE, 2ª Turma, Rel .Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 19/2/2001 4. Os embargos de declaração que enfrentam explicitamente a questão embargada não ensejam recurso especial pela violação do artigo 535, II, do CPC. 5. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. 6. Recurso especial provido.”
Desfavorável a esse pensamento, encontra-se Ronaldo Cramer apud Ada Pelegrini Grinover (2012, p. 221):
“d) a declaração de constitucionalidade, em ação direta (pela ação declaratória de constitucionalidade ou mesmo pela ação direta de inconstitucionalidade, se julgada a lei constitucional pela maioria absoluta dos membros do órgão julgador ( faz coisa julgada erga omnes ex tunc, vinculando os demais órgãos do Poder Judiciário impedindo interpretações divergentes.
Mas não vejo como estender a esse caso a posição do STF sobre a não-incidência da Súm. 343, por quanto aqui os efeitos declaratórios da sentença de constitucionalidade, embora ocorrendo ex tunc, nada nulificam, não podendo ter reflexos sobre sentenças já passadas em julgado.”   
Contudo, não podemos concordar com o que a renomada autora diz, pelo fato de que a norma jurídica quando interpretada de forma equivocada pelo juiz sentenciante, não pode beneficiar aquele que saiu vitorioso com decisão fundamentada de forma dispare do STF, este que possui palavra final em se tratando de interpretação da norma constitucional.

1.7 A ação rescisória por violação à norma jurídica e a súmula 343 do stf

Chegamos à parte mais controversa de interpretação e aplicação do art. 485, V do CPC que aquele onde a diferença jurisprudencial não dá ensejo à rescisão do julgado, nos termos da súmula 343 do STF, senão vejamos o enunciado:
“STF Súmula nº 343 - 13/12/1963
Cabimento - Ação Rescisória - Ofensa a Literal Dispositivo Baseado em Texto Legal de Interpretação Controvertida nos Tribunais
Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.”
De acordo com a súmula supracitada, não há como rescindir decisão transitada em julgada quando seu fundamento é divergente na jurisprudência, o que acaba por restringir ainda mais o uso do instrumento em estudo.
Outro desdobramento dessa súmula é a súmula de nº 400 que preceitua que é incabível Ação Rescisória quando há uma interpretação razoável da norma aplicada no caso concreto, ainda que não seja a melhor utilizada para a solução da lide. Vejamos:
“STF Súmula nº 400 
Decisão que Deu Razoável Interpretação à Lei - Recurso Extraordinário - Cabimento
Decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não autoriza recurso extraordinário pela letra "a" do Art. 101, III, da Constituição Federal.”
Assim, percebe-se que a tendência no caso é afastar a aplicação da ação rescisória quando há embate entre entendimentos, pois no caso nenhuma norma foi violada e, sim há controvérsia sobre seu entendimento.
A maioria da doutrina como por exemplo Humberto Theodoro Júnior (2006, v. 1, p. 379), Sérgio Rizzi (1979, p. 109-110), Fredie Didider Jr e Leonardo José Carneiro da Cunha (2008, p. v.3, p. 380-381), Cássio Scarpinella Bueno (2008, v. p. 338/339), Alexandre Freitas Câmara (2007, p. 84-89), Luiz Guilherme Marinoni (2009, p. 665-666) é contrária a relativização da súmula.
O autor Alexandre Freitas Câmara resume o pensamento dos pró-súmula (2007, p. 86):
“A interpretação da norma jurídica pode ser divergente, e nada há de equivocado nisto. Afinal, a interpretação varia conforme o intérprete, que jamais é neutro em sua exegese. Cada intérprete afirma o sentido da norma jurídica que lhe parece apropriado conforme seus próprios valores e a partir de sua visão pessoal de mundo. Assim, não se pode considerar que dada interpretação é certa ou errada. Deste modo, é de se afirmar que qualquer interpretação razoável da norma jurídica é compatível com a norma interpretada e, por isso, não a ofende. Por tal razão, não se pode rescindir um provimento judicial pelo simples fato de se ter baseado em um das diversas possíveis interpretações da mesma norma jurídica.
É verdade, porém, que para os que não estão habituados com o estudo da ciência jurídica, isso pode parecer aberrante. Afinal, pode mesmo acontecer de duas pessoas em situações jurídicas substancialmente iguais chegarem a resultados diferentes porque magistrados distintos julgaram suas causas. Cabe, porém, ao advogado advertir seu cliente sobre esse risco e tentar explicar as razões dessa possibilidade.
Vale, ainda, recordar que o ordenamento processual prevê uma série de mecanismos tendentes a evitar essas diferenças hermenêuticas, buscando a uniformidade na interpretação da lei. Basta pensar no incidente de uniformização de jurisprudência, no recurso especial por dissídio jurisprudencial e nos embargos de divergência. Ora, se apesar da possibilidade de utilização de todos esses institutos, ainda assim transita em julgado provimento baseado em interpretação da norma que, aos olhos da parte vencida, não é a correta, no máximo se poderá afirmar eu a decisão final é injusta e, como tem sido dito ao longo desta exposição, a injustiça da sentença de mérito não é fundamento para sua rescisão.”
Por seu turno Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2008, p. 665) nos diz o contrário:
“Obviamente, não se admite a utilização da ação rescisória nos casos em que exista divergência sobre a interpretação estabelecida na sentença, sob pena de desestabilizar-se toda a ordem e segurança jurídica. A ação rescisória constitui remédio extremo, e assim não pode ser confundida como mero recurso. Em outras palavras: a sentença que possui interpretação divergente daquele que é estabelecida pela doutrina e pelos tribunais, exatamente pelo fato de que interpretações diversas são plenamente viáveis e lícitas, não abre ensejo para ação rescisória ( Súmula 343 do STF).”
Entretanto o próprio STF em conjunto com o STJ vem relativizando a aplicação da súmula 343, pois deve ser defendida a interpretação dada  pela corte máxima do Judiciário brasileiro, de forma que caso uma sentença se firme em posicionamento de interpretação divergente, porém que não era divergente no STF, cabe ação rescisória com fulcro no inciso V do de forma que torne o Supremo o detentor da última palavra neste quesito de interpretação da norma constitucional.
O mesmo deve ocorrer quando apenas os tribunais inferiores tenham divergência sobre a interpretação de determinada norma que ainda não foi apreciada em última instância pelo STF.
     Assim estaremos garantindo a autoridade do STF em decidir assuntos de sua competência, bem como não travaremos o pensamento do Judiciário de forma que impossibilite sua evolução hermenêutica de acordo com a sociedade nos tempos atuais.
Neste sentido é o entendimento do STJ:
“AÇÃO RESCISÓRIA. TRIBUTÁRIO. COFINS. ISENÇÃO. LC 70/91. SÚMULA 343/STF. NÃO-INCIDÊNCIA. LEI ORDINÁRIA 9.430/96. AFASTAMENTO POR PARTE DO ACÓRDÃO RESCINDENDO. RESERVA DE PLENÁRIO. VIOLAÇÃO AO ART. 97 DA CF. SÚMULA VINCULANTE Nº 10/STF. 1. Quando a questão, ainda que controvertida, versar sobre matéria de índole constitucional, não incide a Súmula 343/STF ("Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais").(..). 4. Ação rescisória procedente. (STJ, Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 09/12/2009, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO)”
Dessa forma, não há como fecharmos o nicho de interpretação da súmula em questão com o fito de assegurarmos a segurança jurídica, pois tal argumento não pode servir como base a criar obstáculos para prestação de uma atividade jurisdicional mais justa e efetiva.

1.8 A relativização

Com toda a discussão que o caso merece e, após alguma reflexão por parte do STF, o pretório excelso entendeu por bem relativizar a súmula 343, posto que a decisão quando versasse de norma constitucional não estaria sujeito ao obstáculo imposto pelo enunciado da súmula 343.
Isto porque é a corte máxima da justiça brasileira é quem detém o direito de falar por último acerca da interpretação e uniformização do entendimento das normas constitucionais.
Desse modo, quando a causa tivesse como embate principal a interpretação sobre norma constitucional as súmulas 343 e 400 do STF não se aplicariam, justamente pelo fato de a súmula contrariar a isonomia e a legalidade, observando-se o momento histórico, os casos idênticos a serem abordados pelo mesmo dispositivo constitucional, o que é digno de aplauso, pois é ilógico imaginar que casos iguais, comas mesmas características, pudessem ter deslindes diferentes por interpretações “razoáveis”, o que de fato até coloca em risco a segurança jurídica aclamada pelos contrários à ação rescisória violação da norma jurídica.
Com base no que foi exposto, citamos Teresa Arruda Alvim Wambier (2008, p. 540):
“Afinal, uma das duas posições deve ser tida como reta e, para que se justifique a possibilidade existente no sistema no sentido de os Tribunais alterarem suas posições, só tem sentido considerar-se correta a última posição. Pois o Tribunal muda seu entendimento ‘até acertar’. [...]
Ademais, salta aos olhos a desconsideração do princípio da isonomia como resultante da adoção de solução diferente. Em vigor o mesmo ordenamento jurídico positivo, duas situações idênticas são decididas de forma diversa! Entendemos que quanto maior for o número de expedientes com que o sistema puder contes, que tenham como objetivo fazer com que situações idênticas seja decididas do mesmo modo, mas se estará privilegiando o princípio da legalidade, o princípio da isonomia e, portanto, também o Estado de Direito.”
Portanto o princípio é infringido no momento em que as súmulas são mal utilizadas, já que a legalidade pode ser utilizada quando da aplicação da jurisprudência para fundamentar divergência anterior e já pacificada, o que com certeza não era a intenção do legislador, muito menos que essa decisão esteja de acordo com os princípios da justiça.
O autor Ronaldo Cramer ao analisar a Ação Rescisória por violação à norma jurídica observou os prós e contras da súmula em debate de modo que o lado positivo extraído é que as súmulas visam impedir que vários sentidos sejam utilizados como forma de desconstituir às torto e a direita os julgados prolatados; em segundo plano viria a proteção da interpretação razoável adotada pelo julgado, de forma que norma jurídicas a violação da norma jurídica seria apenas aceita quando esta fosse qualificada, ou seja, ela fosse totalmente inconcebível pelo ordenamento jurídico, tornando então a Ação Rescisória instrumento excepcional que não pode ser utilizado apenas pela simples irresiginação da parte com a decisão tomada pelo julgador.
Todavia os contras em face dessas súmulas são mais efetivos do que realmente a defesa por sua manutenção, pois não raro acontece, utiliza-se de uma jurisprudência mal julgada como forme de forjar uma divergência de interpretação da norma jurídica, oque obstaculizaria a aplicação do art. 485, V do CPC.
Outra crítica à essa defesa exagerada é a de que não se estabeleceu parâmetros para saber qual seria a divergência de jurisprudência, de forma que seria entre julgados dentro de um mesmo tribunal? Ou seria apenas entre tribunais diferentes? O que coloca de certa forma a segurança jurídica também abalada, gerando mais incertezas do que realmente soluções.
Por fim, ainda nas argumentações contra os enunciados sumulados encontramos a seguinte questão: Um julgado de um Tribunal Superior sobre matéria controversa, seja entre tribunais ou não, eliminaria a divergência jurisprudencial?
Com esse questionamento Ronaldo Cramer (2012, p. 233), aborda o seguinte:
“Em primeiro lugar, sublinhe-se a dificuldade de definir a expressa ‘interpretação controvertida nos tribunais’. Será que a existência de um acórdão a favor da interpretação dada pela sentença e outro contrário a essa interpretação caracteriza interpretação controvertida? Ou será preciso que haja mais de dois acórdãos sustentando cada uma das posições divergentes? Esses acórdãos devem ser de tribunais diferentes ou podem ser do mesmo tribunal? A existência de julgado dos Tribunais Superiores, que têm a função de uniformizar a interpretação das normas constitucionais e federais, desnatura a controvérsia nos tribunais inferiores?”
Com essas questões em mente, podemos dizer que o enunciado da súmula 343 do STF, por si só não é razoável e nem é capaz de dirimir os conflitos das interpretações divergentes.
Contrariando os defensores da súmula em questão, entendemos que a norma jurídica quando interpretada possui um mínimo de significado, ou como Ronald Dworkin (2005) afirma “ the right answer thesis”, sendo que esta interpretação deve ser buscada pela parte desde que o ordenamento preveja controle judicial do manuseio da norma, pois caso isso não seja observado a norma irá passar a ter qualquer sentido, transformando o julgamento da causa no exercício do poder discricionário do juízo, impedindo assim o seu controle pelo judiciário.
Tal enunciado nos transmite justamente a ideia que refutamos de que não se pode utilizar poder discricionário ao passo de impedir o controle judicial da aplicação da norma, o que tornaria o judiciário incapaz de evoluir em conjunto com a vida social que em si é complexo e passa por reformulações de pensamentos de acordo com a transição entre gerações.
Nesse sentido leciona Ronaldo Cramer (2012, p.  239), afirma:
“Insista-se que a Súmula 343 do STF a pode ensejar uma situação absurda: a sentença baseia-se em norma de interpretação controvertida na jurisprudência. Após o trânsito em julgado da sentença, a jurisprudência dirime a divergência. No entanto, por força da Súmula 343 do STF, o órgão julgador da rescisória não pode aplicar o novo entendimento da jurisprudência, simplesmente porque a sentença rescindenda foi proferida ao tempo em que havia divergência.
Ora, se a controvérsia sobre a interpretação da norma foi solucionada pela jurisprudência, não faz nenhum sentido deixar de aplicar esse novo entendimento, para se prestigiar outro já não mais aceito.”
Como se percebe se formos aplica de forma a não observarmos as consequências que a Súmula 343 do STF traz ao ordenamento jurídico, acabaremos por aceitar que dois casos iguais sejam julgados de forma diferente, pelo fato de serem “interpretações divergentes e razoáveis”.
Contudo não pode ser este o fim que deve ser adotado, pois a própria segurança jurídica usada como escudo pelos defensores da Súmula em questão, acaba sendo fragilizada ao impedir que o judiciário aplique a norma condizente e uniforme da interpretação da norma, de forma a evitar julgamentos diferentes abordados por uma mesma matéria.
Dito isto, concordamos com Teresa Arruda Alvim Wambier (2008, p. 199), quando nos diz o seguinte:
“Se não é do judiciário a tarefa de buscar a melhor interpretação da lei, de quem seria?
No parágrafo precedente servimo-nos propositadamente da expressão buscar no lugar de encontrar porque, ainda que exista possibilidade, em tese, de que a melhor solução não seja encontrada, nada autoriza, nada justifica, que se deixe de busca-la. Buscar a melhor solução significa fazer uso dos instrumentos que estão à disposição dos jurisdicionados de possibilitar o refinamento da qualidade da prestação jurisdicional.”
Assim, com a melhora da jurisprudência, ou melhor dizendo, com o refinamento da subsunção da norma jurídica, não há motivos para impedir que esta melhor interpretação seja usada como forma de garantir a legalidade e a isonomia nos casos idênticos. Nesse sentido, recorremos mais uma vez às lições de Teresa Arruda Alvim Wambier (2008):
[...] “quando a jurisprudência muda é como se os Tribunais dissessem: ‘ tal é o entendimento que se deve ter, por ser o correto, a respeito de certa regra de direito’. Se tal entendimento é considerado correto, hoje, que sentido tem a manutenção de situações que foram decididas segundo entendimento que seria, então equivocado?
Quando a lei muda, quer-se que certas situações, à quais a lei diz respeito, sejam resolvidas diferentemente. Mas quando se altera a interpretação que se deva a certo texto de lei, o que se pode dizer é que se terá evoluído, acertado finalmente.”
Do mesmo modo diz Pontes de Miranda (1976, p.276):
“Às vezes, a jurisprudência muda entre o proferimento da sentença e o último dia do biênio. Outras vezes, depois de proposta a ação. De modo que, no momento em que se vai julgar a ação rescisória, o direito já se acha diferentemente revelado. Dois acórdãos do Tribunal de Relação do Rio de Janeiro ( 8de junho de 1926 e 1ºde junho de 1928) pretenderam que, sendo outra a revelação ao tempo da sentença rescindenda, não pode ser julgada procedente a ação rescisória. Estavam em erro. Não só é rescindível tal sentença, como são quaisquer outras sentenças que tenham revelado erradamente o direito. A nova jurisprudência faz suscetíveis de rescisão a todas e só o biênio pode cobri-las contra o exame rescindente.”
O que se busca aqui, como dito anteriormente não é a insegurança jurídica a ser trazida com uma interpretação mais abrangente da ação rescisória por violação da norma jurídica, muito pelo contrário, o objetivo é proteger esta estabilidade de forma a proteger também a justiça que as decisões devem ter inerentes a ela.
Todavia essa previsibilidade pode ser vítima da injustiça caso não haja um uso correto do art. 485, V do CPC, o que justamente não é visado com este estudo, pois o juiz não deve visar apenas a lei no momento da aplicação da ação rescisória, mas como também a doutrina; jurisprudência, ou seja as outras fontes do direito do sistema jurídico normativo de acordo com o entendimento atual de determinado tempo histórico da sociedade.

 Conclusão

A coisa julgada tem por fim trazer estabilidade da demanda, ou seja, ela faz com que as partes saibam de antemão que a situação posta no processo não será modificada senão quando o estado fático assim o faça.
Tal preceito é precioso com o fim de garantir o princípio constitucional da segurança jurídica, que pode ser entendida como uma interpretação de todo o sistema normativo em vigência, como por exemplo o art. 5 º, XXXV da CF/88 que é a da tutela jurisdiciona, constituindo um dos mandamentos do Estado Democrático de Direito.
Assim sendo, como parte integrante da segurança jurídica a tutela jurisdicional é demonstrada a partir do momento em que o Estado deve tutelar jurisdicionalmente a parte que demonstrou durante o bojo processual possuir direito material lesado ou ameaçado. Contudo esta proteção não irá ter eficácia, se pudéssemos questionar a coisa julgada em outras ações.
Todavia, os defensores da relativização da coisa julgada observam este objeto processual não é de todo absoluto, mitigando-se esta garantia conforme se demonstre no caso concreto, se a decisão exarada viola algum princípio constitucional ou infraconstitucional, principalmente se dele versar acerca de direitos fundamentais.
Esta mitigação, como dito durante todo o trabalho não deve ser feita conforme o livre arbítrio do julgador, de forma que torne a ação rescisória (que é via excepcional) um recurso com prazo dilatado, visto que o fim visado é o refinamento da res iudicata, de modo que a decisão se adeque com as questões fáticas reais postas em análise.
Desse modo, se não for obedecido o que aqui se dispõe a escrever, acabaremos por descartar a credibilidade das decisões estatais, mergulhando a sociedade numa verdadeira insegurança jurídica, o que claro não é o quisto por ninguém.
Ocorre que, com vista em defender a segurança jurídica de todo e qualquer ferramenta que tente mitiga-la, acaba-se dando guarida para que certas situações acabem por prejudicar pessoas de boa-fé em detrimento de uma interpretação mal feita, ou criação de obstáculo para abranger a incidência do art. 485, V do CPC.
Outrossim, por mais que possa parecer inconveniente a utilização da ação rescisória por violação da norma jurídica, devemos utilizá-la em um constante jogo de equilíbrio, pois não podemos abrir demasiadamente sua aplicação sem um fundamento lógico, interpretativo e protetivo que guarda a segurança jurídica de uma decisão justa e, não o contrário.
Posto isto, haverá mais insegurança jurídica se formos tentar aplicar formas heterônimas e excludentes entre si, do que escolhermos uma ferramenta mais útil com fim específico e que visa uniformizar tanto a utilização para desconstituir a coisa julgada como afunilar em único sentido entendimento sobre determinada norma jurídica.

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Informações Sobre o Autor

Icaro Luiz Britto Sapucaia
Advogado. Pós-graduando em Direito Processual: Penal Civil Constitucional e Trabalhista pela Faculdade Maurício de Nassau.

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