21 de novembro de 2013 11:09 - Atualizado
em 21 de novembro de
2013 14:27
Sonegação de informações requisitadas. Questionável constitucionalidade
Uma análise a
partir do art. 21 da Lei 12.850/13 (organização criminosa), que criminaliza a
conduta de "Recusar ou omitir dados cadastrais, registros, documentos e
informações requisitadas pelo juiz, Ministério Público ou delegado de polícia,
no curso de investigação ou do processo".
Doutor em Direito Penal (Universidade de Sevilha, Espanha). Advogado e Professor Universitário.
SUMÁRIO:
1. Considerações preliminares. 2. Bem jurídico tutelado. 3. Sujeitos do crime.
4. Tipo objetivo: adequação típica. 4.1. Figuras equiparadas: apossar-se,
propalar, divulgar ou fazer uso dos dados cadastrais. 4.2. Sonegação de
informações requisitadas e os crimes de prevaricação e desobediência. 4.3.
Questionável constitucionalidade do afastamento do controle judicial. 5.
Tipo subjetivo: adequação típica. 6. Consumação e tentativa.
7. Classificação doutrinária. 8. Pena e
ação penal.
Lei
12.850, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação
criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o
procedimento criminal.
Art.
21. Recusar ou omitir dados cadastrais, registros, documentos e informações
requisitadas pelo juiz, Ministério Público ou delegado de polícia, no curso de
investigação ou do processo:
Pena
– reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo
único. Na mesma pena incorre quem, de forma indevida, se apossa, propala,
divulga ou faz uso dos dados cadastrais de que trata esta Lei.
1.
Considerações preliminares
Os artigos 15 a 17 da Lei 12.850/13 disciplinam os limites, os meios e a forma
que as autoridades repressoras (delegado de polícia, juiz e membros do
Ministério Público) podem ter acesso “a Registros, Dados Cadastrais, Documentos
e Informações” de todos os cidadãos, inclusive, na nossa ótica, violando o
direito constitucional do sigilo das comunicações, conforme demonstramos
adiante. Pois a tipificação do crime constante deste dispositivo legal objetiva
reforçar a importância do atendimento das diligências encetadas pelas referidas
autoridades, com a finalidade de instruir investigação ou processo criminal.
2.
Bem jurídico tutelado
Bem jurídico é, igualmente, a boa e regular
Administração da Justiça, que, necessariamente, é atingida pelo descumprimento
ou desatendimento de diligências determinadas pelas autoridades que a
representam, especialmente no curso de investigações criminais, mormente
naquelas relativas a crimes graves, como os eventualmente praticados por uma
organização criminosa.
3.
Sujeitos do crime
Sujeito
ativo das condutas descritas no caput deste art 21 pode ser, em tese, qualquer
pessoa, contudo, de um modo geral, será, com mais freqüência, um funcionário
público que descumpre a requisição efetuada por qualquer das autoridades. Com
efeito, daqueles que não são funcionários públicos as autoridades referidas
usam, frequentemente, outros meios processuais, mais violentos e mais
agressivos, para conseguirem o que desejam. Raramente há requisição desse tipo
de objeto contra os particulares.
As
condutas descritas no parágrafo único, por sua vez, configuram crimes próprios, isto é, só podem ser praticados pelas
autoridades requisitantes e seus assessores que tomam conhecimento dos
resultados das diligências realizadas. As demais pessoas, digamos comuns, isto
é, não envolvidas oficialmente com a matéria não têm esse dever legal de fidelidade funcional.
Sujeito passivo é o Estado, via Administração da Justiça que é, necessariamente,
atingida por eventuais descumprimento ou desatendimento de diligências
determinadas pelas autoridades mencionadas no tipo penal. O funcionário público
(delegado, juiz ou membro do Ministério Público), ao contrário do que afirmam
alguns autores, não é sujeito passivo desta infração penal, pois o funcionário
age de forma impessoal em nome do Estado e, por isso, este é considerado como
sujeito passivo.
A autoridade (delegado de polícia, juiz ou Ministério Público) que
eventualmente tenha desatendida sua requisição não é vítima desse crime, pois
ela representa o Estado-Administração, não sofre nenhum dano ou lesão nem mesmo
à sua autoridade que continua intocada e invulnerável. Na verdade, toda
autoridade representa somente uma partícula operacional do Estado, que é, em
última instância, o sujeito passivo dessa desobediência, que não é
personalizada.
4.
Tipo objetivo: adequação típica
Este tipo penal compõe-se de dois verbos nucleares
– recusar e omitir -, os quais, de forma distinta,
implicam, de certa forma, em negativa ou não atendimento da exigência das
autoridades mencionadas. Mas, na nossa ótica, ambos têm naturezas distintas, ou
seja, no primeiro – recusar – há
uma ação negativa de repulsa à requisição; no segundo
– omitir – há somente uma inação, isto é, um omissão pura e simples. Vejamos
nossa concepção de cada conduta:
1) Recusar – significa não aceitar a requisição
recebida, repeli-la, desatendê-la, há uma repulsa do agente à requisição,
enfim, há uma ação positiva ignorando-a. Embora a conduta “recusar” implique no
não atendimento da requisição recebida, não me parece que caracterize
simplesmente o crime omissivo próprio,
que é o simples não agir. Dito de outra forma, o
crime omissivo próprio é a pura inação, isto é, a ausência de ação. A rigor,
vemos na conduta de recusar uma ação negativa-positiva, qual seja, não há a pura
omissão, mas uma reação negativa à requisição recebida. Nesse sentido,
discordamos, venia concessa, de autores que
sustentam que ambas as condutas sãoomissivas[1].
2) omitir – significa deixar de fazer, isto é, deixar
de atender a requisição recebida, configurando o autêntico crime omissivo
próprio, o qual se configura quando do agente não faz o que pode e deve fazer,
que lhe é juridicamente ordenado. Portanto, o sujeito ativo deixou de atender a
ação requisitada pela autoridade competente, a qual tinha o dever de atendê-la
e que podia fazê-lo sem risco pessoal. O sujeito ativo estaria dispensado de
atender a requisição recebida somente se, para cumpri-la, corresse risco
pessoal; esse risco, se existir, não constitui mera causa justificanteou excludente de ilicitude, mas
afasta direta e imediatamente a própria tipicidade.
Trata-se de crime de ação múltipla, que tipifica condutas alternativas, assim,
ainda que o sujeito ativo pratique ambas as condutas o crime será único.
Contudo, o atendimento de requisição de diligências pelas autoridades competentes
poderão deixar de ser atendidas por justa causa, a
despeito da ausência de previsão no tipo. Assim, havendo obstáculo irremovível
ou se, por ventura, houver risco pessoal para
o seu atendimento, tais requisições poderão ser, justamente desatendidas, afastando
sua adequação típica.
O poder requisitório atribuído ao Ministério Público e ao Delegado de Polícia,
constante do art. 15 desta Lei 12.850/13, é limitado e restrito “aos dados
cadastrais do investigado que informem exclusivamente a qualificação pessoal, a
filiação e o endereço” do investigado. Nesse aspecto é absolutamente correto.
No entanto, seu âmbito de aplicação estende-se à fase investigatória preliminar e à fase processual propriamente, segundo consta deste art.
21, in fine: “no curso de investigação ou do
processo”. Por outro lado, deve-se destacar que a atribuição do delegado de
polícia está restrita à fase investigatória, que é o seu âmbito de atuação, ou
seja, após iniciada a ação penal essa atribuição será do Ministério Público.
Destaque-se, ademais, a diferença desta previsão daquela contida lá no § 1º do
art. 2º deste mesmo diploma legal, no qual consta simplesmente: “embaraça a investigação de infração penalque envolva
organização criminosa” (grifamos). Portanto, como lá afirmamos, quando o
legislador quer dar maior abrangência ao âmbito de incidência do tipo penal, o
faz expressamente, sendo vedado ao intérprete ampliá-lo para criminalizar
conduta não contida no texto legal.
Podem ser objeto da requisição: “dados cadastrais, registros, documentos
e informações”. a)dados cadastrais – são as
informações ou os dados relativos a nome, filiação, idade, formação,
antecedentes, atividades desenvolvidas, trabalhos realizados, enfim, todas as
informações pregressas relativos a pessoas, instituições, entidades públicas ou
privadas em geral; b) registros – são
anotações, apontamentos, feitos ou realizações, atividades desenvolvidas ou
acontecimentos promovidos ou dos quais participou, enfim, tudo a respeito do
objeto da investigação; c)documentos –
que podem ser públicos (confeccionado por
servidor público no exercício de sua função) ou particulares (por
exclusão, que não seja confeccionado por servidor público) e que tenham
idoneidade para servir de prova legitima; enfim, documento é todo instrumento que sirva de base
material para registrar manifestação de vontade, incluindo-se o que passamos a
denominar “documentos eletrônicos”, tais como, discos, CDs, DVDs; d) informações – são todos e quaisquer outros dados,
elementos, motivos, circunstâncias, peculiaridades relativos aos objetos da
investigação que possam interessar à autoridade requisitante.
4.1.
Figuras equiparadas: apossar-se, propalar, divulgar ou fazer uso dos dados
cadastrais
O parágrafo único determina que incorre na mesma pena quem, de forma indevida,
“se apossa, propala, divulga ou faz uso dos dados cadastrais de que trata esta
Lei”. Trata-se de mais uma previsão de crime de ação múltipla ou
de conteúdo variado.
Apossar-se significa tomar para si, apropriar-se,
apoderar-se dos documentos, informações ou registros requisitados. Dito de
outra forma, a previsão legal está determinando que as autoridades
requisitantes não podem apropriar-se dos
resultados de suas ações, dos quais são uma espécie de fiéis depositários, isto é, responsáveis pelo bom
uso e proteção desse material. Aliás, esse dever de policiar esse material, de
forma neutra e profissional, é complementado pelos outros verbos nucleares que
os proíbe de “propalar” e “divulgar” tais resultados.
As condutas propalar ou divulgar têm significados semelhantes e consistem
em levar ao conhecimento de outrem, por qualquer meio e, no caso,
indevidamente. Essa incriminação deixa claro que as autoridades requisitantes e
seus subordinados têm o dever de manter em sigilo o resultado das requisições
que fizerem. Embora tenham significados semelhantes, a abrangência das duas
expressões é distinta: propalar limita-se, em tese, ao relato verbal, à
comunicação oral, circunscreve-se a uma esfera menor, enquanto divulgar tem uma
concepção mais ampla, que seria tornar público por qualquer meio, inclusive
através da fala.
Em
nenhuma das hipóteses se faz necessário que um número indeterminado de pessoas
tome conhecimento da divulgação ou da propalação; é suficiente que se comunique
a outrem, mesmo em caráter confidencial. É desnecessário que haja um grande
número de pessoas a quem sepropale, sendo
suficiente apenas um ouvinte ou confidente que não seja o ofendido. Essa forma
de conduta pode, afinal, acabar criando uma cadeia através da qual se amplia a
divulgação ou propalação, com profunda repercussão negativa, indevida, ao
ofendido, que, no caso, é o investigado.
Embora o parágrafo único refira-se somente a dados cadastrais,
consideramos que abrange também registros, documentos e informações, apenas o
texto legal pretendeu não ser repetitivo.
Andou bem o legislador, após determinar uma extraordinária invasão na
privacidade individual, destaca a responsabilidade de quem fizer mau uso de todas as informações que
autorizou os agentes públicos requisitarem. Embora o texto legal refira-se a
“quem”, indevidamente, pratique as condutas mencionadas, destina-se,
inegavelmente, as autoridades que as requisitaram, pois serão suas detentoras,
e não podem e não devem delas fazer uso indevido.
4.2.
Sonegação de informações requisitadas e os crimes de prevaricação e
desobediência
É
um grande equívoco técnico-dogmático afirmar-se que o servidor público não pode figurar como sujeito
ativo, pois, referindo-se a ordem recebida a funções suas poderá configurar o
delito de prevaricação. Na verdade, isso não ocorre para varais razões,
inclusive por que o crime de prevaricação tem
suas próprias peculiaridades, além de exigir o fim
especial, qual seja, “para satisfazer interesse ou sentimento
pessoal”, enquanto este crime não exige elemento subjetivo algum. Aliás,
comentando sobre o crime de prevaricação, em
determinada passagem fizemos a seguinte afirmação, verbis: “É indispensável, por fim, que a ação ou
omissão do funcionário público seja praticada para satisfazer interesse ou
sentimento pessoal, constituindo uma característica fundamental que distingue a
prevaricação de outros crimes da mesma natureza.
Com
efeito, essa particularidade diferenciadora dos demais crimes similares foi uma
introdução do grande Código Criminal do Império, reconhecido mundialmente como
um dos melhores diplomas legais codificados do século XX, distanciando-se, no
particular, do não menos extraordinário Código Penal francês de 1810. Com
efeito, passou-se a exigir que a infidelidade funcional com descumprimento ou
violação de dever funcional tivesse uma causa psicológica, que o atual Código
Penal de 1940 sintetizou no especial fim de satisfazer interesse ou sentimento
pessoal. No entanto, como essa satisfação de interesse ou sentimento pessoal
constitui elementar subjetiva especial do injusto, vamos examiná-la mais
detidamente no tópico seguinte”[2].
Por outro lado, ainda que houvesse grande semelhança com o crime de
prevaricação, este seria afastado pelo princípio da especialidade,
destinando-se à situação específica, inclusive com sanções mais graves.
Por
outro lado, tampouco confunde-se com o crime de desobediência (art.
330), qual seja, “desobedecer a ordem legal de funcionário público”,
que, visivelmente,
constitui crime subsidiário, cujas sanções penais são quinze dias a seis meses
de detenção e multa. O crime de desobediência é tipo penal aberto, simples,
objetivo e singelo. Examinando essa infração penal tivemos oportunidade de
afirmar: “A conduta incriminada consiste em desobedecer ordem legal de
funcionário público, que significa descumprir, desobedecer, desatender dita
ordem. É necessário que se trate de ordem, e não de mero pedido ou solicitação,
e que essa ordem dirija-se expressamente a quem tenha o dever jurídico de
obedecê-la; deve, outrossim, a ordem revestir-se de legalidade formal e
substancial. Ademais, ‘o expedidor ou executor da ordem há de ser funcionário
público, mas este, na espécie, entende-se aquele que o é no sentido estrito do
direito administrativo’”[3].
Com efeito, a infração penal descrita no art. 21 deste diploma legal, é mais
abrangente, mais específica e enriquecida por várias elementares normativas
inexistentes no crime de desobediência, consequentemente, esta infração penal é
afastada pelo princípio da especialidade.
4.3.
Questionável constitucionalidade do afastamento do controle judicial
No art. 15 está estabelecido, corretamente, que “O delegado de polícia e
o Ministério Público terão acesso, independentemente de autorização judicial,
apenas aos dados cadastrais do investigado que informem exclusivamente a
qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela Justiça Eleitoral,
empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e
administradoras de cartão de crédito”.
Convém destacar que, segundo esse dispositivo legal, delegado de polícia e
Ministério Público “terão acesso… apenas aos dados cadastrais do investigado
que informem exclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço”.
Com efeito, referidas autoridades podem ter acesso,sem autorização judicial,
somente aos dados cadastrais relativos “a qualificação pessoal, a filiação e o
endereço”. E não mais que isso; portanto, não poderão aproveitar-se de tais
dados para quebrarem sigilo telefônico, bancário ou fiscal, sem autorização
judicial. Aliás, é indispensável que se criminalize condutas como essas, sendo
insuficiente apenas considerar como prova ilícita,
exigindo, assim, maior responsabilidade da autoridades repressoras (polícia e
Ministério Público) nessas atividades investigativas.
Quanto
a esses dados não há problema, é desnecessária autorização judicial,
independentemente onde tais dados se encontrem, na “Justiça Eleitoral, empresas
telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras
de cartão de crédito”. Com a disposição desses dados é suficiente para
referidas autoridades localizarem e identificarem qualquer cidadão, suspeito ou
não. E, para essa finalidade, é absolutamente legítimo que não necessitem de
autorização judicial.
Contudo, lendo-se os artigos seguintes, quais sejam, 16 e 17, fica-se com a
impressão que a previsão do artigo 15 tem um sentido um tanto dúbio, ou seja,
trazem em seu bojo uma certadissimulação objetivando
desarmar os espíritos, iludindo o intérprete, para, afinal, autorizar polícia e
Ministério Público a violarem as garantias fundamentais asseguradas nos
incisos X e XII do artigo 5º da Constituição Federal. Com uma leitura
menos atenta, despercebe-se a existência de uma certa armadilha que referidos
dispositivos encerram.
Quanto ao disposto no art. 16, relativamente “aos bancos de dados de reservas e
registro de viagens”, por cinco anos, não há, em tese, maiores problemas, desde
que haja fundada suspeita para se investigar alguém, por que não deixa de ser
uma violação à vida privada e a intimidade do cidadão (inciso X).
No entanto, o art. 17 é – usando expressão do Ministro Marco Aurélio -, desenganadamenteinconstitucional, infringindo o
disposto no inciso XII do art. 5º da Constituição Federal, violando o sigilo das comunicações telefônicas.
Ao determinar que as concessionárias de telefonia mantenham, por cinco anos, os
“registros de identificação dos números dos terminais de origem e de destino
das ligações telefônicas internacionais, interurbanas e locais”. Ora, com esses
dados polícia e Ministério Público violam o sigilo das comunicações
telefônicas, sem autorização judicial. Só faltou dizer para fornecer os nomes
dos interlocutores e o conteúdo dos diálogos, aliás, nem precisa, pois com
todos esses dados identifica-se com absoluta facilidade os interlocutores.
Enfim, para não nos alongarmos em algo tão claro, trata-se de dispositivo legal flagrantemente inconstitucional. Mais: sutilmente o
texto legal evitou mencionar expressamente “delegado de polícia e Ministério
Público”, e, para não chamar a atenção, substituiu essa locução por
“autoridades mencionadas no art. 15”. Essas autoridades mencionadas no art. 15
receberam lá, nesse dispositivo, o direito para acessar somente “aos dados
cadastrais do investigado que informemexclusivamente a
qualificação pessoal, a filiação e o endereço”. Só! No entanto, a previsão do
art. 17 autoriza que referidas autoridades repressoras quebrem o sigilo
telefônico, sem autorização judicial, em
flagrante inconstitucionalidade.
5.
Tipo subjetivo: adequação típica
Elemento subjetivo é o dolo, representado pela vontade livre e consciente de
recusar ou omitir requisição efetuada pelas autoridades mencionadas, total ou
parcialmente. É necessário, inclusive, que o agente tenha consciência do
seu dever funcional de atender a requisição recebida,
ou seja, com conhecimento de todos os elementos constitutivos da descrição
típica.
Não
há exigência de nenhum elemento subjetivo especial do injusto, nem mesmo a
finalidade de obter qualquer vantagem com a recusa ou omissão de atender a
requisição recebida, que, se existir, poderá caracterizar outro crime, como,
por exemplo, corrupção passiva ou concussão. Tampouco há previsão de modalidade
culposa, por mais clara que seja eventual culpa (consciente) do sujeito ativo.
6.
Consumação e tentativa
Consuma-se o crime de recusar ou omitir o atendimento de requisição das
diligências mencionadas no caput, formulada por
autoridade competente. Consuma-se o crime no momento em que o sujeito ativo
recusa ou omite o atendimento de requisição formulada por qualquer das
autoridades mencionadas, (delegado de polícia, juiz ou Ministério Público).
Consuma-se, enfim, com o simples ato de recusar ou omitir o atendimento da
requisição mencionada, independentemente da ocorrência efetiva de dano a
investigação ou processo em curso, que, se ocorrer, constituirá somente o
exaurimento do crime.
Consuma-se, igualmente, nas hipóteses previstas no parágrafo único, quando,
qualquer das autoridades mencionadas no caput (ou mesmo
sua assessoria direta), se apossa, propala, divulga ou faz uso dos dados
cadastrais referidos neste dispositivo legal.
A
tentativa, na modalidade de recusar, é de difícil configuração, mas
teoricamente possível, embora seja de difícil comprovação, pois se trata de ato
fracionável. Na modalidade omissiva, por sua
própria natureza, a tentativa é absolutamente impossível, como demonstramos
quando examinamos o crime de omissão de socorro, no segundo volume de nosso
Tratado de Direito Penal.
Nas hipóteses previstas no parágrafo – se apossa, propala, divulga ou faz uso
dos dados cadastrais – é praticamente impossível comprovar-se a ocorrência da
figura tentada, por sua própria natureza.
7.
Classificação doutrinária
Trata-se
de crime comum (que pode ser praticado por qualquer pessoa, independentemente
de qualidade ou condição especial, embora seja mais comum referir-se à autoridade, que são naturalmente os destinatários de
requisições das autoridades mencionadas, sendo mais raro destinarem-se aos
outros cidadãos ante a existência de outras medidas processuais mais
rigorosas); crimes próprios (nas hipóteses
descritas no parágrafo único, na medida em que só podem ser praticadas pelas
autoridades requisitantes e seus assessores que tomam conhecimento dos
resultados das diligências realizadas. As demais pessoas, digamos comuns, isto
é, não envolvidas oficialmente com a matéria não tem esse dever legal de fidelidade funcional); formal (que não exige resultado
naturalístico, pois se consuma com a simples realização das condutas descritas
no tipo penal; comissivo-omissivo (na
modalidade de recusar (ação seguida de
omissão); omissivo (na modalidade de omitir que
representa simples inação, isto é, ausência de ação no sentido de atender a
requisição recebida); instantâneo (consuma-se no momento em que o agente
descumpre ou omite a requisição recebida, esgotando-se aí a lesão jurídica, sem
demora entre ação e resultado); doloso (não havendo previsão da modalidade
culposa) unissubjetivo (que pode ser praticado por um agente apenas);
plurissubsistente (crime que, em regra, pode ser praticado com mais de um ato,
admitindo, em conseqüência, fracionamento em sua execução).
8.
Pena e ação penal
As
penas cominadas, cumulativamente, são reclusão de seis meses a dois anos, e
multa. Trata-se de infração de menor potencial
subjetivo, da competência dos Juizados Especiais Criminais, com
aplicação prioritária de penas alternativas. Além da possibilidade de adotar-se
a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei
n. 9.099/95). A natureza da ação penal é pública incondicionada.
[1] Guilherme
de Souza Nucci. Organização criminosa… p. 96;
Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto. Crime organizado … p. 136.
[2] Cezar
Roberto Bitencourt. Tratado de Direito Penal,
7ª ed., São Paulo, Saraiva, 2013, vol. 5, p.
[3] Cezar
Roberto Bitencourt. Tratado de Direito Penal,
7ª ed., São Paulo, Saraiva, 2013, vol. 5, p.