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segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Nunciação de obra nova. Condomínio tem legitimidade para propor ação contra condômino. STJ.

30/09/2013 - 10h36
DECISÃO
Condomínio tem legitimidade para propor ação de nunciação de obra nova contra condômino
Admite-se ação de nunciação de obra nova demolitória movida pelo condomínio contra condômino que realiza obra irregular que altera a fachada e traz risco para a segurança do prédio. A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao negar recurso de um condômino contra o condomínio.

A Turma, seguindo voto do relator, ministro Sidnei Beneti, concluiu que o artigo 934 do Código de Processo Civil (CPC), em situações como essa, confere legitimidade ao condomínio para ajuizar a ação em defesa da coletividade de condôminos que representa.

Cobertura

O condomínio ajuizou ação de nunciação de obra nova combinada com demolitória contra o condômino, pedindo a paralisação e demolição de construção irregular em uma unidade do prédio, localizado em Minas Gerais.

Segundo o condomínio, o condômino iniciou uma obra para transformar seu apartamento em cobertura, sem o consentimento formal de todos os proprietários nem licença da prefeitura, e ainda invadindo área comum do prédio e provocando alterações na fachada.

Com a obra, o condômino responsável teria contrariado o Código Civil, a convenção do condomínio e a legislação local sobre edificações e posturas. O condomínio afirmou ainda que a obra feriu a estética do prédio e colocou em perigo suas fundações, que são bem antigas.

Em primeira instância, o condômino foi condenado a demolir a obra, devolvendo o imóvel ao estado anterior. O prazo estipulado foi de 30 dias, sob pena de multa diária, além da possível conversão em perdas e danos.

O condômino apelou da sentença. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) manteve a condenação, por entender, entre outras razões, que a obra realmente foi erguida na área comum do condomínio e descaracterizou a fachada do prédio, além de trazer riscos para a estrutura.

Legitimidade

Inconformado, o proprietário do apartamento recorreu ao STJ sustentando que a ação de nunciação de obra nova seria inadequada para o caso, já que a demanda teria caráter possessório e não envolveria direito de vizinhança.

Segundo ele, para o cabimento da ação de nunciação de obra nova, é imprescindível que a discussão verse sobre construção que esteja sendo erguida entre terrenos vizinhos, oportunidade em que seria instaurado um conflito entre o direito de construir e o direito de vizinhança. No entanto, afirmou o condômino, a ação foi ajuizada com o argumento de que a obra estaria invadindo área comum do prédio, o que tornaria inadequada a via processual escolhida.

Alegou ainda que o condomínio não é parte legítima para figurar no polo ativo da demanda, pois não faz parte do rol contido no artigo 934 do CPC, que prevê a legitimidade apenas dos proprietários, possuidores ou condôminos para o ajuizamento da ação de nunciação.

O condômino defendeu também a necessidade de formação de litisconsórcio passivo, alegando que outros proprietários de apartamentos no prédio também teriam feito obras nas mesmas condições.

Via eleita

Ao analisar a questão da via processual eleita, o ministro Sidnei Beneti rechaçou a tese do condômino. “Não obstante a petição inicial traga em suas razões argumentos de caráter possessório, há nela também fundamentos estritamente ligados ao direito de vizinhança, estando o pedido fundado não apenas na construção erigida em área comum, mas também no risco a que foi exposta a estrutura do prédio resultante das transformações ocorridas no imóvel”, disse o ministro.

Ele destacou que o TJMG, mesmo reconhecendo a invasão da área comum, considerou adequado o uso da ação de nunciação de obra nova para impedir o desenvolvimento de uma construção que poderia trazer prejuízo ao prédio como um todo. Entre outras razões, o tribunal mineiro citou que o perito reconheceu a existência de sobrecarga para a estrutura do edifício, representada pela construção de suíte, cozinha, banheiro, área de serviço e de lazer na cobertura.

Quanto à legitimidade ativa do condomínio, o relator entendeu que, embora o artigo 934 do CPC não o inclua entre os legitimados para mover ações de nunciação de obra nova contra condôminos, o dispositivo deve ser interpretado de acordo com sua finalidade, “considerando o evidente interesse do condomínio de buscar as medidas possíveis em defesa dos interesses da coletividade que representa”.

Litisconsórcio passivo 
Sidnei Beneti concluiu também que não há necessidade de formação de litisconsórcio passivo com os demais condôminos que se encontrem na mesma situação que o recorrente. “A situação em comento não se enquadra nas hipóteses previstas no artigo 47 do CPC”, afirmou.

Segundo ele, o condomínio ajuizou a ação devido aos riscos que a construção representa para a estrutura do prédio, e nesses casos não há disposição legal que exija a formação do litisconsórcio.

“O litígio existente nos autos não exige solução uniforme em relação aos demais condôminos ocupantes do último andar do edifício, devendo eventual discórdia entre eles e o condomínio ser decidida em demanda própria”, disse o ministro. 

A notícia refere-se aos seguintes processos: REsp 1374456

(http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=111509&acs.tamanho=100&acs.img_tam=1.1).

Teoria do fato consumado. STJ.


Postagem 30/set/2013... Atualização 04/dez/2016...

Teoria do fato consumado: o decurso do tempo sob o olhar do STJ
29/09/2013 - 08h00
ESPECIAL

A teoria do fato consumado é bastante invocada pelas partes, ou trazida nas teses dos julgados que chegam ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), para que os ministros decidam, de maneira definitiva, no âmbito infraconstitucional, sobre a sua aplicação.

Os magistrados do STJ possuem um pensamento já consolidado a respeito do tema e afirmam que “a teoria aplica-se apenas em situações excepcionalíssimas, nas quais a inércia da administração ou a morosidade do Judiciário deram ensejo a que situações precárias se consolidassem pelo decurso do tempo”, conforme explica o ministro Castro Meira no RMS 34.189.

Entretanto, a teoria “visa preservar não só interesses jurídicos, mas interesses sociais já consolidados, não se aplicando, contudo, em hipóteses contrárias à lei, principalmente quando amparadas em provimento judicial de natureza precária” – conforme destacou a ministra Eliana Calmon no REsp 1.189.485.

Vestibular

O julgamento do REsp 1.244.991 tratou de um aluno aprovado no vestibular para o curso de engenharia mecatrônica da Universidade Federal de Uberlândia, em julho de 2007, que não apresentou certificado de conclusão do ensino médio no ato da matrícula e por isso não foi aceito.

O estudante impetrou mandado de segurança contra o ato do reitor, mas o pedido foi negado no primeiro grau. Apelou então para o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que o concedeu. O TRF1 afirmou que o candidato aprovado em regular processo seletivo para ingresso no ensino superior terá assegurado o direito à matrícula no curso para o qual concorreu, se antes de a sentença ser proferida, ele apresentar o certificado de conclusão do nível médio, como ocorreu no caso.

Para o tribunal federal, a demora do estado para a emissão do certificado de ensino médio em razão de seus próprios mecanismos não podem prejudicar o estudante, até porque o aluno comprovou que já havia concluído o ensino médio em 2007, antes mesmo de o tribunal conceder a segurança.

A universidade, inconformada com o acórdão do segundo grau, recorreu para o STJ alegando ofensa à Lei 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. O recurso foi julgado em 2011 pelos ministros da Segunda Turma, que, sob a relatoria do ministro Mauro Campbell Marques, decidiram se tratar de uma “situação de fato consolidada”, visto que o aluno já havia concluído o ensino médio e a matrícula havia sido deferida pela universidade em 2008, em virtude do acórdão do TRF1.

Senso de justiça 

Em outro caso que tratou sobre aprovação em vestibular e no qual os ministros do STJ aplicaram a teoria do fato consumado, o estudante não havia atingido a idade mínima de 18 anos para a realização do exame supletivo, com objetivo de concluir o ensino médio (Ag 997.268).

O recurso foi relatado pelo ministro Herman Benjamin e discutiu especificamente os artigos 37 e 38 da Lei 9.394. O Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) considerou que a exigência da idade mínima de 18 anos para a conclusão do ensino médio pelo exame supletivo era razoável, pois esta modalidade de exame visa exclusivamente dar oportunidade aos jovens e adultos atrasados nos estudos, de modo que possam recuperar o tempo perdido.

Entretanto, para o TJBA, se o impetrante, mesmo em idade precoce e ainda por concluir o ensino médio, presta vestibular e obtém sucesso, revela capacidade e maturidade suficiente para cursá-lo. Se, todavia, para se matricular no curso superior, necessita do certificado de conclusão de ensino médio, mas, exatamente porque ainda não completou 18 anos de idade, é proibido de realizar tais exames supletivos, “não se mostra razoável e justa a lei que assim o impede de, diferentemente de muitos outros, prosseguir avançando em seus estudos”.

Para Benjamin, a tese do tribunal de origem estava em consonância com o entendimento pacífico do STJ. Segundo o ministro, o TJBA estava correto ao não reformar a sentença que concedeu a segurança ao estudante, porque “mediante liminar lhe foi deferido o direito de realizar os exames supletivos do ensino médio e, durante o tramitar do feito, veio a completar a idade mínima exigida”.

Por isso, de acordo com Benjamin, teve de incidir a teoria do fato consumado, “segundo a qual o retorno ao status quo anterior se mostra contrário ao senso de justiça quando, além de evidenciada a maturidade e a capacidade do estudante, todos os requisitos exigidos ao ato foram cumpridos no curso da demanda”.

Para o ministro, em hipóteses excepcionais como essa, é preciso fazer uma ponderação entre a situação fática consolidada e os princípios jurídicos em questão, para que “o estudante beneficiado com o provimento judicial favorável não seja prejudicado pela posterior desconstituição da decisão que lhe conferiu o direito pleiteado inicialmente”.

Situação cristalizada

No REsp 1.291.328, da relatoria do ministro Napoleão Nunes Maia Filho, que compõe a Primeira Turma, o assunto foi a liminar concedida em primeira instância que possibilitou que o estudante obtivesse diploma de conclusão do ensino superior, mesmo sem ter feito o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade).

O Enade foi estabelecido pela Lei 10.861/04 e o STJ, de acordo com o ministro, não tem considerado ilegal quando se condiciona a colação de grau à realização do exame. Entretanto, nesse caso, o estudante colou grau por força de uma medida liminar emitida mais de dois anos antes do julgamento no STJ, obtendo o diploma de conclusão de curso.

Dessa maneira, para o ministro relator, houve a “cristalização da situação fática em razão do decurso de tempo entre a colação de grau e os dias atuais, de maneira que a reversão desse quadro implicaria danos irreparáveis ao agravado (graduado)”.

A Fundação Universidade Federal do Rio Grande, inconformada com o acórdão do STJ, apresentou recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal (STF), alegando violação dos artigos 5º, caput e incisos II, XXXV, XXXVI, e 105 da Constituição Federal.

Restauração danosa

No mesmo sentido foi julgado o REsp 1.346.893, da relatoria do ministro Mauro Campbell Marques. O ministro lembrou que a jurisprudência do Tribunal é no sentido de que o Enade “é obrigatório a todos os estudantes convocados regularmente para sua realização, não sendo ilegal o condicionamento da colação de grau e, consequentemente, a obtenção do diploma de curso superior ao comparecimento ao referido exame”.

Porém, mais uma vez, a excepcionalidade do caso permitiu que fosse consolidada a situação de fato, pois a liminar concedida em primeira instância possibilitou que a estudante obtivesse o diploma de conclusão do curso de farmácia quase dois anos antes do julgamento do recurso no STJ, “sendo natural que esteja valendo-se de sua formação para exercer sua profissão e prover o seu sustento”, afirmou Campbell.

Para o ministro, houve solidificação de situações fáticas em razão do decurso de tempo, de maneira que reverter esse quadro implicaria danos “desnecessários e irreparáveis” à graduada.

Por isso, segundo o ministro, nesses casos excepcionais, em que a restauração da estrita legalidade ocasionaria mais danos sociais do que a manutenção da situação consolidada pelo decurso do tempo, a jurisprudência do STJ tem-se firmado no sentido de aplicar a teoria do fato consumado.

Longo lapso temporal

Em um caso julgado recentemente pela Primeira Seção do STJ, órgão fracionário formado pelos ministros da Primeira e da Segunda Turma, os ministros aplicaram a teoria ao caso de uma auditora fiscal do trabalho que teve sua nomeação tornada sem efeito pelo ministro do Trabalho, após 15 anos de serviço (MS 15.473).

A servidora pública, após obter êxito no concurso de provas e títulos, chegou à fase posterior do certame por meio de medida liminar. Entretanto, quando o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) apreciou o mérito do mandado de segurança, a tutela foi revertida. De acordo com o relator, o caso ficou inerte ao longo dos anos e somente foi trazido ao cumprimento pela administração quando transcorridos mais de 15 anos dos atos de nomeação, posse e exercício por parte da servidora.

Segundo o ministro Humberto Martins, a Primeira Seção já apreciou outros casos de servidores na mesma situação, e acordou que seria necessária a atenção aos princípios da ampla defesa e do contraditório no âmbito dos processos administrativos que ensejam restrição de direito.

E nesse caso, o entendimento do colegiado foi o de conceder a segurança de forma integral, “excepcionalmente, em atenção ao longo lapso temporal envolvido, além de ponderar que a negativa da ordem ensejaria mais danos ao servidor e à administração pública do que sua concessão”, declarou Martins.

Requisitos preenchidos 

A Sexta Turma também tratou do tema servidor público no Recurso Especial 1.121.307. O caso era de um candidato a perito da Polícia Federal que ocupou a primeira colocação no concurso e, devido a uma tendinite no ombro e no cotovelo, não pôde participar de uma das modalidades da prova física no dia destinado pelo edital.

Ele solicitou a remarcação do teste de flexão em barra fixa, para que pudesse realizá-lo quando cessasse o período de afastamento médico. A tutela foi concedida liminarmente e depois confirmada pela sentença e pelo TRF2.

A União recorreu ao STJ alegando que o candidato deveria ser eliminado porque não havia realizado a prova física na data prevista pelo edital. Quando o recurso foi julgado pela Turma, o candidato – aprovado com nota máxima em todos os testes e no curso de formação – já exercia o cargo havia alguns anos.

A Turma confirmou a tese do tribunal de origem. O relator do recurso, ministro Sebastião Reis Júnior, afirmou que ficou demonstrado que o candidato foi devidamente aprovado em todas as fases do concurso, com resultado homologado e publicado, tomando posse no cargo de perito criminal da Polícia Federal.

De acordo com o ministro, a “situação jurídica”, a “boa-fé” e a “dignidade” do servidor deveriam ser levadas em conta, “merecendo ser beneficiado” com a teoria do fato consumado.

Redução do dano

Em outro caso envolvendo servidor público, a União também recorreu para o STJ. Dessa vez, o assunto foi um exame psicotécnico baseado em critérios subjetivos, cujo resultado foi irrecorrível, realizado por candidato em curso de formação de sargentos (REsp 1.310.811).

A liminar que anulou o exame psicológico foi confirmada pela sentença e pelo acórdão do TRF1. O candidato concluiu o curso de formação de sargento e foi promovido à graduação de terceiro sargento pelo critério de merecimento desde junho de 2002.

Mesmo com a alegação da União de que o candidato deveria ter se submetido a novo exame psicológico para se habilitar ao cargo, o ministro Humberto Martins, relator do caso, afirmou que, diante da comprovada lesão causada a direito do então candidato, a teoria do fato consumado foi aplicada “para reduzir o dano experimentado” por ele.

O ministro considerou que o entendimento do TRF1, de que os diversos documentos juntados aos autos pelo servidor atendiam aos objetivos buscados pelo exame psicotécnico anulado, estava amparado na jurisprudência do STJ. E com isso, negou provimento ao recurso da União.

Peculiaridades fáticas 

No julgamento do REsp 1.223.220, o caso foi de um candidato reprovado no teste físico do concurso para delegado da Polícia Federal, mantido no certame por força de liminar e em exercício no cargo havia mais de dez anos.

Ao julgar a questão, o TRF2 entendeu que o Judiciário não pode dispensar candidatos de realizar testes previstos em edital para o ingresso em cargos públicos, sob pena de “conferir tratamento desigual e anti-isonômico entre candidatos e afrontar o princípio da separação dos poderes”.

No recurso especial, o servidor alegou que a teoria do fato consumado deveria ser aplicada ao seu caso, pois diante da demora considerável na prestação jurisdicional, ele já havia atingido a estabilidade e sua situação já estava consolidada.

Mesmo com as alegações da União de que a jurisprudência do STJ não aplica a teoria do fato consumado nas hipóteses em que o candidato permanece no certame por força de decisão judicial concedida a título precário, para o relator do recurso, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, em virtude das “peculiaridades fáticas” desse caso, o entendimento deveria ser “flexibilizado”.

De acordo com o ministro, que compõe a Primeira Turma, não é recomendável, do ponto de vista do interesse público, “que uma pessoa que já se encontra trabalhando desde 2001, sem que haja qualquer indício de que exerça seu trabalho de maneira insatisfatória, seja abruptamente dali desalojada e sofra uma drástica modificação na sua situação profissional, econômica e moral, com consequências irreversíveis”.

Segundo Maia Filho, nesse caso, o princípio da segurança jurídica deve ser respeitado, em contraste com a aplicação “pura e simples” do princípio da legalidade.

Decurso do tempo 

O STJ também possui julgados em que aplica a teoria em casos de direito civil, especificamente envolvendo família, como na Sentença Estrangeira Contestada 274. O caso era de adoção internacional. O adotando nasceu em 1990, possui mãe e pai brasileiros, entretanto foi criado apenas pela mãe desde o nascimento e, a partir de 1994, também pelo esposo da mãe, de nacionalidade suíça.

O pai biológico registrou documento no qual concedeu a guarda da criança para a mãe, outorgou a ela todas as decisões que diziam respeito à vida do filho e ressaltou que abria mão de qualquer influência na vida dele. A família residia havia mais de dez anos na Suíça e o cônjuge desejava adotar o enteado, em virtude do forte vínculo estabelecido ao longo dos anos entre eles, considerando-se efetivamente pai e filho.

De acordo com o ministro Castro Meira, relator da sentença estrangeira, para a adoção de menor que tenha pais biológicos no exercício do poder familiar, haverá a necessidade do consentimento de ambos, salvo se, por decisão judicial, forem destituídos desse poder, conforme estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Para Meira, o abandono do filho pelo pai autoriza a perda judicial do poder familiar, nos termos do artigo 1.638, II, do Código Civil. Porém, em casos como esse em questão, o ministro ressalta que o STJ admite outra hipótese de dispensa do consentimento dos pais sem prévia destituição do poder familiar: “Quando for observada situação de fato consolidada no tempo que seja favorável ao adotando.”

Situação contrária à lei 

A teoria do fato consumado é aplicada pelos ministros da Corte de forma excepcional, quando observada uma situação consolidada no tempo. Todavia, conforme explica a ministra Eliana Calmon, deve-se ter o cuidado de não ser validada uma situação contrária à lei.

A posição fica bem explicitada no REsp 1.333.588, no qual um médico graduado pela Benemérita Universidade Autônoma de Puebla, México, requereu o reconhecimento de direito adquirido à revalidação automática do seu diploma no Brasil. Em 2004, por força de liminar, seu pedido foi concedido. Entretanto, a sentença proferida na ação julgou improcedente o pedido do médico, que apelou para o Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

O TRF4, apesar de reconhecer a necessidade de o médico se submeter ao processo de revalidação, embasou-se em um precedente isolado do STJ e o dispensou da exigência estabelecida pela Lei 9.394, fundamentando a tese na aplicação da teoria do fato consumado. Por isso, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) apresentou recurso no STJ contra o acórdão do TRF4, defendendo a inaplicabilidade da teoria e invocando ofensa ao artigo 462 do Código de Processo Civil.

Segundo Eliana Calmon, a posição do STJ sobre o tema é no sentido de que “não se aplica a teoria do fato consumado em situações amparadas por medida de natureza precária, como liminar em antecipação do efeito de tutela, não havendo que se falar em situação consolidada pelo decurso do tempo”.

Para a ministra, o médico deveria se submeter ao processo de revalidação de seu diploma estrangeiro “como qualquer interessado em situação análoga”. Calmon garantiu que a concessão de antecipação de tutela, ainda mais aquela posteriormente reconhecida como ilegal, “não pode servir de justificativa para aplicação da teoria do fato consumado, sob pena de se chancelar situação contrária à lei”.

Por isso, o entendimento unânime da Segunda Turma, da qual faz parte a ministra, foi o de considerar descabido falar em direito adquirido no caso. O colegiado também entendeu que o simples decurso de tempo, desde a concessão da medida precária, não caracterizou uma hipótese válida de aplicação da teoria.

Inaplicabilidade

De acordo com o ministro Humberto Martins, é pacífico no STJ o entendimento de que a aplicação da teoria do fato consumado em matéria de concurso público requer o cumprimento dos requisitos legalmente estabelecidos.

A posição foi defendida no julgamento do REsp 1.263.232, no qual um candidato a concurso para oficial bombeiro militar conseguiu, por meio de liminar, prosseguir nas demais fases do certame, mesmo tendo sido reprovado no teste de aptidão física.

O candidato concluiu todas as demais fases do certame, inclusive o Curso de Formação de Oficiais. Porém, para os demais ministros que compõem a Segunda Turma, em razão do princípio da isonomia, não haveria como reconhecer ao candidato uma “segunda chance” (de novo teste físico) sem que o mesmo tratamento tenha sido reconhecido aos demais candidatos. 


Rádio comunitária. STF decide por não criminalizar rádio comunitária de baixa potência (Bruno Marinoni)

25.09.2013

STF decide por não criminalizar rádio comunitária de baixa potência

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Bruno Marinoni - Observatório do Direito à Comunicação

  
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pelo não cabimento de processo criminal no caso de Josué da Silva Justino, autuado por operar sem autorização da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) uma rádio de baixa potência (20 w) na comunidade de Santo Antônio do Matupi, no município de Manicoré, distante 332 km de Manaus(AM). O prazo para recursos terminou no dia 6 de setembro, sendo acatada a sentença. A decisão se deu por unanimidade e pode apontar no sentido da consolidação de uma jurisprudência favorável à discriminalização das rádios comunitárias.


O Ministério Público denunciou o caso com base no artigo 183 da lei 9.472/97, que trata dos serviços de telecomunicações. O texto prevê  pena de detenção de dois a quatro anos e multa de R$ 10 mil reais para quem “desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação”. Valeu, porém, no julgamento do caso o apelo ao princípio da insignificância, segundo o qual a Justiça não pode ser acionada em casos de menor gravidade, onde não há grande risco para a sociedade.

A decisão do tribunal considerou que “o transmissor utilizado pela emissora operava com potência de 20 watts e o funcionamento de tal transmissor não tinha aptidão para causar problemas ou interferências prejudiciais em serviços de emergência”. Entendeu-se também como “remota a possibilidade de que pudesse causar algum prejuízo para outros meios de comunicação”.

Em pelo menos outros dois casos, que também tiveram como relator o ministro Ricardo Lewandowsky, o STF decidiu pela improcedência do processo criminal devido ao princípio da insignificância. Em fevereiro deste ano, foi publicada a decisão de cassar a ação penal contra um diretor de rádio comunitária em Camaçari (BA), que operava com um transmissor de 32,5 watts. Em dezembro de 2010, aconteceu o mesmo com dois diretores de uma rádio gaúcha de 25 watts de potência que operava em Inhacorá (RS).

As decisões se aplicam a casos específicos e não há nenhuma declaração de inconstitucionalidade do artigo que prevê a instauração de processo criminal contra os comunicadores populares. Ainda assim, Arthur William, membro do conselho do Intervozes, considera que “na prática estamos vendo acontecer a discriminalização da rádio comunitária de baixa potência”. Segundo ele, espera-se que haja uma diminuição da perseguição às emissoras comunitárias.

Pedro Martins, da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc- Brasil), é otimista com a decisão em relação ao caso da rádio amazonense. Para ele, “abre-se um campo de discussão que pode fazer com que novas iniciativas surjam” e que vai “se criando uma jurisprudência que pode ser importante para outras rádios livres e comunitárias”. Segundo ele, o Brasil e a Guatemala são os únicos países que tratam como crime a radiodifusão de baixíssima potência e essa situação precisa ser modificada.

O defensor público Esdras Santos Carvalho, que tratou do caso da rádio amazonense, afirma que tipificar como crime a instalação de emissoras de baixa potência com finalidade comunitária  “seria desnecessário para atender o objetivo de controle” das telecomunicações que o Estado deve cumprir. A repressão excessiva, que leva ao acionamento da esfera criminal, acontece “por pressão do interesse de rádios regularmente constituídas e de interesse comercial”, acredita.

Embora no caso da rádio comunitária amazonense se tenha recusado a ação criminal, a rádio segue impedida de operar. A proibição, porém, é da competência específica da justiça administrativa e civil, não implicando nesse caso os desdobramentos de um processo que considera crime o descumprimento da norma. Propostas como a do deputado Assis Carvalho (PT/PI) de conceder anistia a quem opera em potência abaixo de 100 watts, têm sido rejeitadas no Congresso, sob a pressão do lobby da radiodifusão comercial.

Disponível em: STF decide por não criminalizar rádio comunitária de baixa potência - Observatório do Direito à Comunicação

Para acesso ao processo clique: (http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28118014%2ENUME%2E+OU+118014%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/kgpxhpy).

domingo, 29 de setembro de 2013

O Inconsciente (Vera Felicidade)

Wednesday, July 27, 2011

O Inconsciente
É o que não é consciente. Para Freud é a base da vida humana, é a esfera incognoscível de onde emergem os desejos, motivações, medos, criatividade, enfim, um campo misterioso e inacessível que não só compõe a psique humana, mas a fundamenta.

Nas explicações  deterministas, biológicas e causalistas o homem é o somatório de dinâmicas existentes no seu psiquismo.

Para os psicanalistas, através da projeção inconsciente expressamos nossos medos (fobias), resistências,  preferências e desejos, que são então 'percebidos' pela consciência. Percepção é entendida aqui de forma elementarista, ou seja, como elaboração de dados apreendidos pelos sentidos; da mesma maneira, a consciência elabora os dados advindos do inconsciente. O inconsciente é uma instância psíquica e como tal tem existência espacializada, tanto quanto é um constructo responsável pela explicação do comportamento instintivo sexual e afetivo social. É um conceito necessário à explicação psicanalítica sobre o psíquico e é também  um "objeto interior" responsável pelo equilíbrio e desequilíbrio psíquico, emocional. Nas palavras do próprio Freud podemos ver a dificuldade de lidar com este malabarismo de conceitos, a tentativa de objetivar algo que não passa de um constructo, terminando com a afirmação da impossibilidade de compreensão da psique ou de sua incognoscibilidade.

"A Psicanálise nos obriga pois, a afirmar que os processos psíquicos são inconscientes e a comparar sua percepção pela consciência com a percepção do mundo exterior através dos órgãos dos sentidos. Esta comparação nos ajudará ainda a ampliar nossos conhecimentos. A hipótese psicanalítica da atividade psíquica inconsciente constitui de certo modo uma continuacão do animismo, que nos mostrava sempre fiéis imagens de nossa consciência e por outro lado a da retificação feita por Kant da teoria da percepção externa. Do mesmo modo que Kant nos levou a considerar a condicionabilidade subjetiva de nossa percepção e, a não considerá-la idêntica ao percebido incognoscível, convida-nos a psicanálise a não confundir a percepção da consciência com o processo psíquico inconsciente objeto da mesma. Tampouco o psíquico precisa ser, em realidade, tal como o percebemos. Mas, temos que esperar que a retificação da percepção interna não ofereça tantas dificuldades como a da externa e que o objeto interior seja menos incognoscível que o mundo exterior."   Sigmund Freud, Metapsicologia, in Obras Completas, Volumen I. Madrid, Biblioteca Nueva, 1948, p.1045

A Psicanálise é uma teoria pontualizada, segmentada, trabalha com divisões e incoerências bastante fáceis de serem entendidas e reproduzidas. Não é por acaso que alguns de seus conceitos fundamentais cairam no uso popular, viraram senso-comum, como a própria noção de 'inconsciente' e frases como 'Freud explica'.

O inconsciente é um conceito chave da Psicanálise em torno do qual desenvolve-se todo seu corpo teórico e prática terapêutica, tem enorme influência nas várias abordagens psicológicas, mas não passa de um constructo. Inconsciente não é um existente, não é uma instância psíquica que tenha necessariamente que ser considerada por todas as teorias psicológicas.

Para mim, o inconsciente é um mito.* 


Tudo o que é explicado pelo inconsciente, pelos instintos, pelos traumas é explicado na Psicoterapia Gestaltista pela percepção, pelas dinâmicas relacionais. Por exemplo: não perceber o próprio problema não é porque o problema seja inconsciente, mas sim porque ele é o fundo estruturante do comportamento e o fundo nunca é percebido enquanto fundo (lei da percepção).

A Interpretação dos Sonhos - Sigmund Freud





 * - Sobre a questão do inconsciente, ler neste Blog (Blog da Vera Felicidade)o artigo 'O Denso e o Sutil' e a entrevista publicada no Jornal 'A Tarde', 1988.


Dispníve em: Percepção, conhecimento, relacionamento: O Inconsciente

As Transformações da Pena em um Mundo em Transição: uma Breve Reflexão sob a Perspectiva dos Direitos Humanos (César Barros Leal)

28/sete/2013

As Transformações da Pena em um Mundo em Transição: uma Breve Reflexão sob a Perspectiva dos Direitos Humanos*

Autor:
LEAL, César Barros
RESUMO: Há que se rejeitar as políticas de controle e castigo que vendem à população fórmulas mágicas de contenção da criminalidade como se fossem bulas do direito penal e advogar, paralelamente a medidas profiláticas - como as de combate à pobreza e construção de uma sociedade mais justa, com menos contrastes -, a residualidade da pena detentiva (sua extinção é hoje tão inalcançável quanto uma sociedade sem crime), bem como perseguir uma execução penal mais consentânea com os ideais de justiça e humanidade.
PALAVRAS-CHAVE: Pena. Prisão. Justiça Restaurativa. Contenção da Criminalidade.
Não pretendo nem me atrevo a abarcar esse tema em sua larga e complexa dimensão. Rechaço, pois, a hipótese de proceder a um exame detido do pensamento de um sem-número de penalistas, de diversas latitudes, escolas e ideologias, com cujos textos, alguns de difícil digestão, tenho nutrido minhas noites de insônia, perdido nos labirintos do direito criminal, dos fins e limites da pena, assim como de seus avatares em nosso mundo em transição. O que me incumbe é replantar as sementes das resistências, inquietudes e perplexidades que costumam brotar naturalmente - como o mel da primeira paixão ou o inocente sorriso de uma criança na rua ao descobrir um brinquedo atirado no lixo - na aridez de um território transbordante de verdades presumidas e não poucos embustes, esgrimidos como argumentos de autoridade, magister dixit de dogmáticas sobrepujadas pelo caminhar de Cronos. Ao fim e ao cabo, ao poeta correspondeu a síntese perfeita ao assinalar que "neste mundo de amor / nada é verdade nem é mentira, / tudo é segundo a cor / do cristal com que se olha"(1).
Meus leitores, como o fez o costarriquenho Alfredo Chirino Sánchez, juiz e professor universitário, no prefácio de um belo livro em homenagem ao Professor Henry Issa El Khoury Jacob(2), podem questionar a idoneidade do direito penal como ferramenta de controle social num locus onde prosperam o medo e a insegurança, onde o delito possui múltiplas caras, máscaras e raízes, e vigora o desafio de lhe fazer frente, sem timidez nem tréguas, com as armas do equilíbrio, da inteligência e da razão, que só se sustentam sobre as pilastras do respeito ao ideário democrático e aos direitos fundamentais, longe das proposições heterodoxas de redução da idade da responsabilidade penal, dos discursos de emergência do direito penal simbólico(3) e de suas falsas sensações de segurança; do funcionalismo radical de Günther Jakobs(4) e sua guerra ao inimigo, à não pessoa; e das agendas fundamentalistas de law and order(5) e tolerância zero.
1 A Trajetória do Direito Penal
Um extenso caminho foi percorrido desde a vingança de sangue, dos castigos corporais em praças públicas, do talião e do nascimento do cárcere, os dois últimos vistos em sua época como avanços punitivos, até as concepções contemporâneas da pena, nessa modernidade tardia a que se refere Habermas, na qual se impõem, em oposição ao maximalismo, os limites garantistas da mínima ingerência penal, proclamados por Ferrajoli e respaldados pelos juristas Alessandro Baratta e Winfried Hassemer.
Sabidamente, a história do direito penal nada mais é do que a trajetória de seu contínuo e imparável encurtamento, de sua contração (para muitos, numa perspectiva crítica a ultranza, de sua própria abolição), num processo que demanda, para seu desenrolar, com a finalidade de pôr ordem na desordem, o abandono de conceitos, teorias, velocidades, tendências e institutos que se diluíram, na jornada do tempo, em sua debilidade e inconsistência(6).
2 As Prisões de Ontem e Hoje
Num contexto de muitas sombras e cores esmaecidas sobressai o encerro, uma impropriedade histórica que falaciosamente se tem perpetuado e intensificado ao longo dos séculos (nos dias atuais são mais de nove milhões de presos no mundo, metade dos quais se encontra nos Estados Unidos, Rússia e China, sendo mais de quinhentos milhões no Brasil, consoante dados do Departamento Penitenciário Nacional, órgão do Ministério da Justiça), a despeito das evidências de seu rotundo fracasso como meio de punição, intimidação e reabilitação.
Superpovoadas, repulsivas e ruinosas em sua maioria, máxime no continente latino-americano, as prisões, insalubres e soturnas, bombas do tempo na linguagem de Elías Carranza, Diretor do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e Tratamento do Delinquente - Ilanud (já foi dito que a melhor prisão é a que inexiste), converteram-se (ou talvez deva aduzir: quase sempre o foram, desde a Rasphuis e a Spinhuis na Holanda e a House of Correction na Inglaterra, fundadas no século XVI, assim como suas congêneres em Gloucester e Oxford), mercê da indiferença dos governos e da sociedade, em desaguadouros dos males e das aporias da justiça criminal, espaços cloacais do desamparo jurídico e material, da total desatenção aos direitos humanos, onde se amontoam, em convivência promíscua e forçada, sob condições brutais e desumanas, cativos sentenciados ou não, primários e reincidentes, maiormente jovens e pobres, herdeiros da miséria social.
Os encarcerados, habitantes dessas filiais do inferno, padecem o fenômeno da pris(i)onização (o assimilar os valores, hábitos e códigos de linguagem que predominam atrás das grades(7)) e se sujeitam a todo tipo de violência, alargando-se seu ódio à coletividade que os repudia e os animaliza. Triste imagem de um sistema que tem perdido gradualmente sua legitimidade ante os equívocos da clausura, ante sua seletividade (que bisa e reforça as assimetrias sociais), além da inaptidão para assegurar a integridade física e moral de seus hóspedes e por igual de reabilitá-los, de torná-los aptos ao convívio na sociedade, em antagonismo à prevenção especial positiva.
Como se não bastara, os presos de grande poder, chefes do crime organizado, capitães do mercado de drogas, não apenas comandam a vida no interior dessas unidades, mas também seguem mantendo vínculos extramuros com o universo do delito, o que é facilitado pelo acesso a telefones celulares, a visitas (familiares, conjugais, etc.) desprovidas de monitoramento, sem que as autoridades logrem ou sequer intentem coibi-lo.
Há os que, no vácuo criado pela omissão estatal, ordenam, desde o presídio, a explosão de agências bancárias e caixas eletrônicos, a destruição de transportes públicos e a morte, como forma de retaliação ou resgate de dívidas, de desafetos, de policiais, ou até mesmo seus parentes, num círculo vicioso de enfrentamentos que dissemina o terror, ameaçando a segurança pública.
Se a privação da liberdade em regime fechado é vergonhosa, muito mais o é nos regimes mais brandos (semiaberto e aberto), quer pela inexistência de estabelecimentos penais adequados para esse objetivo (no Brasil, colônias agrícolas ou industriais e casas do albergado, respectivamente), quer pela mínima falta de controle, de vigilância, o que gera um absoluto descrédito pela impunidade que representa e favorece. Ditos regimes se transformaram, pelas enormes distorções deles resultantes (entre as quais o uso massivo de um arremedo de reclusão domiciliar que se sinonimiza com a liberdade), numa das mais grotescas mazelas de um sistema penitenciário cada vez mais precário e ineficaz, concorrendo de igual modo para o incremento da delinquência.
Nesse domínio, o confinamento solitário, que se buscou superar historicamente com a progressividade (o mergulho na história das prisões nos permite um insight muito claro desse processo), ressurgiu com toda sua força, sob o manto da legalidade, sobretudo após o ataque terrorista às Torres Gêmeas do World Trade Center em 11 de setembro de 2001 (ocasionando uma onda de endurecimento que transcendeu as fronteiras dos Estados Unidos), estando presente nas prisões de máxima segurança, estaduais e federais, que se multiplica(ra)m nos cinco continentes.
3 As Instituições de Internação de Adolescentes Infratores
No âmbito dos infratores menores de idade se assistiu em nossa região a uma mera mudança de palavras que pouco repercutiu em sua realidade. Não importa que não se empregue, em muitas partes, a palavra menor (caso do Brasil, onde se tornou proibitiva em sede criminal), e sim criança ou adolescente; não importa que, em lugar de penas, se fale de medidas socioeducativas; não importa que os termos prisão, reclusório (neologismo que proponho a partir do espanhol),estabelecimento penal, presidial ou penitenciário hajam sido substituídos por centro de internação ou estabelecimento educacional.
O que prevalece, a par da coreografia lexical, é o convencimento de que as sanções aplicáveis aos menores/adolescentes, em especial a internação, tornaram-se, em regra, tão rigorosas quanto (ou mais do que) as penas dos adultos e um testemunho do fiasco da justiça juvenil.
Devo dizer-lhes que, no transcurso dos últimos anos, visitei dezenas de instituições de recolhimento de adolescentes infratores, em vários países. Em muitas delas, o cenário, cujas precárias condições colidem com o proclamado nas normas pertinentes, é semelhante ao das prisões. Não há, portanto, como se surpreender ante as fugas reiteradas e a eclosão frequente de motins, que soem terminar na destruição parcial das unidades. A crônica de um drama anunciado. Um torpe espetáculo que se encena ano após ano ante a indiferença dos governantes.
4 As Sanções Alternativas
Apesar das críticas que as identificam como expansões da rede de controle, as alternativas penais, recomendadas na esteira da mínima intervenção, do caráter subsidiário e fragmentário do direito penal, realçado por Jorge de Figueiredo Dias e Claus Roxin, ganharam espaço e aceitação por seus resultados satisfatórios, mormente pela capacidade de potencializar a reinserção social do condenado na medida em que evitam as dores do encarceramento e o mantêm em sua família e grupo social, sem afastá-lo do trabalho e/ou da escola.
O professor do Instituto de Investigações Jurídicas da Universidade Nacional do México (UNAM), Sergio García Ramírez, que exerceu as funções de Procurador-Geral da República do México e Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, após se referir ao aumento do emprego das sanções alternativas na Europa Ocidental, agregou: "assim tem ocorrido, em rigor, onde quer que seja. As alternativas e os substitutivos são a mais relevante proposta do legislador - por sua dimensão e por seus efeitos - no regime de sanções penais (Zannotti). No final de contas, se o instrumento penal constituir - numa sociedade democrática - o último recurso do controle social, a prisão deveria ser também, uma vez abolida a pena de morte, o último recurso da punição"(8).
No livro Vigilância Eletrônica à DistânciaInstrumento de Controle e Alternativa à Prisão, pontuei: "A percepção do malogro do cárcere - 'deste cárcere que temos, porém que não queremos' -, associado às altas taxas de reclusos, que se atribui também à persistente cultura de aprisionamento, e aos imensos gastos em sua manutenção, estimulou na América Latina, em maior ou menor grau, a criação e cominação de novas sanções, não privativas de liberdade (exílio local, proibição de frequentar determinados lugares, manutenção de distância da vítima, expulsão do território nacional para estrangeiros, tratamento de desintoxicação, confiscação de bens, caução de não ofender, cumprimento de instruções, admoestação, interdição temporária de direitos, reconciliação com o ofendido, prestação de serviços comunitários, limitação de fim de semana, perda de bens, pena pecuniária, multa indenizatória, etc.), destinadas preeminentemente aos condenados por delitos de escassa entidade, de pequeno potencial ofensivo - como furtos, lesões corporais leves e fraudes - e eventualmente de mediana criminalidade"(9).
5 A Justiça Restaurativa
Não ouso deixar de mencionar aquela porta que se abriu para comedir o crescimento de um direito penal em contínua revisão. Novos bens e interesses jurídicos, de natureza individual ou coletiva, resultantes do evoluir da sociedade, de suas novas exigências, se somam aos já existentes, demandando sua proteção.
Falo de uma justiça diferente da ordinária, de cunho positivista, que se assenta sobre cinco colunas mestras de ação: o encontro (entre o ofensor, a vítima e integrantes da comunidade), a participação (de todos nas diferentes fases do processo ou fora dele), a reparação (devolução, indenização, trabalho comunitário), a reintegração (da vítima e do ofensor) e a transformação dos sujeitos enredados no delito.
Trata-se de uma "experiência consolidada nos Estados Unidos (onde se desenvolve faz mais de 30 anos), no Canadá, na Austrália e na Nova Zelândia - nações anglo-saxonas que adotam o common law (com a exceção de Quebec, que segue o sistema jurídico francês) e expandiram o modelo das Alternative Dispute Resolutions (ADR) -, porém incipiente em certas latitudes (enfocada precisamente na vítima, cuja dignidade se redescobre e se resgata, e na solução efetiva e pacífica do conflito, num processo comunicacional caracterizado pelo encontro e pela ênfase no futuro), defendida pela ONU, que se pronunciou a seu favor na Resolução nº 12 (Basic Principles on the Use of Restorative Justice Programmes in Criminal Matters), de 24 de julho de 2002, do Conselho Econômico e Social, como todo processo do qual a vítima, o delinquente e, quando convenha, quaisquer outras pessoas ou membros da comunidade que tenham sido afetados por um delito participem, conjunta e ativamente, da resolução de questões derivadas do delito, em geral com o apoio de um mediador"(10).
Nada tem a ver com o direito penal tradicional, desrespeitoso dos direitos fundamentais e que se confunde com a pedagogia do castigo, estimulada por uma parte da mídia. Ao contrário, o que se quer, na Justiça Restaurativa, é fazer com que sobrelevem valores como o diálogo, o perdão, a reparação e a paz, entre outros, em vez da culpa e da pena, cedendo lugar para o grupo comunitário, direta ou indiretamente envolvido, procurando restaurar os vínculos pessoais e sociais esgarçados pelo ato delituoso e, desse modo, robustecer a segurança cidadã.
Insta mencionar que a JR igualmente se emprega após a sentença, na execução da pena. Exemplo exitoso nesse sentido é o projeto Árvore Sicômora, desenvolvido em diversos países pela Confraternidade Carcerária Internacional (Prison Fellowship International), consistente num curso de 5 a 8 semanas em que um grupo de presos, com a presença de um facilitador, aprende lições sobre conhecimento mútuo, perda do rancor, reparação, arrependimento, escusa, responsabilização, etc., e tem no final uma reunião com vítimas de delitos não necessariamente relacionados com seus vitimários (como exemplo: sequestradores com pessoas que foram objeto de um sequestro). Tive a chance de participar de encontros restaurativos e lhe asseguro que vêm a ser uma louvável iniciativa.
6 Considerações Finais
Em definitivo, há que se rejeitar as políticas de controle e castigo que vendem à população fórmulas mágicas de contenção da criminalidade como se fossem bulas do direito penal e advogar, paralelamente a medidas profiláticas - como as de combate à pobreza e construção de uma sociedade mais justa, com menos contrastes -, a residualidade da pena detentiva (sua extinção é hoje tão inalcançável quanto uma sociedade sem crime), bem como perseguir uma execução penal mais consentânea com os ideais de justiça e humanidade.
Uma lição - de Gustav Radbruch - nos cabe guardar, e aqui concluo tomando a liberdade de transitar pelas veredas do sonho: "Não temos que fazer do Direito Penal algo melhor, senão fazer algo melhor do que o Direito Penal".
Notas
(1)Ramón de Campoamor, poeta espanhol do século XIX.
(2)SÁNCHEZ, Alfredo Chirino. Del derecho penal liberal y la política criminal para el ser humano (prólogo). In: SÁNCHEZ, Alfredo Chirino; VALVERDE, Lorena González; SOTOMAYOR, Carlos Tiffer (Org.). Humanismo y derecho penal: al Profesor Henry Issa El Khoury Jacob, liber amicorum et discipulorum, in memoriam. San José, Costa Rica: Jurídica Continental, 2007. p. 7-32.
(3)Leia-se: "(...) convirá assentir, com García-Pablos, que um direito penal simbólico carece de toda legitimidade porque manipula o medo ao delito e a insegurança, reage com um rigor desnecessário e desproporcionado e se preocupa exclusivamente com certos delitos e infratores, introduz um sem-fim de disposições excepcionais, a despeito de sua ineficácia ou impossível cumprimento e, a médio prazo, desacredita o próprio ordenamento, minando o poder intimidatório de suas prescrições" (QUEIROZ, Paulo de Souza. Funções do direito penal: legitimação versus deslegitimação do sistema penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 56). Agregue-se o comentário: "Cremer-Schäfer afirma que a estratégia para legitimar o aparelho repressivo encontra seu próprio fundamento na exasperação da insegurança, da criminalidade e do medo. A criminalidade torna-se objeto de fobia coletiva do povo. A noção de violência entra no discurso sobre a criminalidade, com o objetivo de produzir consenso, e impedir o desenvolvimento de uma resistência social a fenômenos como o desemprego, a destruição do Estado social e a pobreza, através da exclusão de determinados setores sociais (...)" (SABADELL, Ana Lucia. Segurança pública, prevenção e movimento feminista: uma aproximação ao caso alemão". In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, publicação oficial do IBCCRIM. Ano 8, n. 29, enero-marzo 2000. São Paulo: RT, p. 56).
(4)OLIVEIRA ARAÚJO, Dyellber Fernando de. As (crises e) tendências do direito penal na pós-modernidade. "Novos" estudos para vetustos problemas em tempos de globalização. In: Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal, n. 47, abr./maio 2012. Porto Alegre: Magister, p. 102.
(5)"A difusão incontrolada de fatos aterradores, como latrocínios, estupros, homicídios, chacinas, etc., a par de notícias sobre corrupções e falcatruas, produz na população uma sensação de total insegurança... Valem-se disso os partidários do 'Movimento de Lei e Ordem', advogando medidas repressivas de extrema severidade e a formulação de novos tipos criminais, o que João Marcelo de Araújo Júnior denomina 'movimento neocriminalizador'." (O direito penal contemporâneo: fundamentos. Revista do Ministério Público. Rio de Janeiro, jul./dez. 1997, 6:90 e 91. In: JESUS, Damásio de. Penas alternativas. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 4)
(6)No mesmo sentido: "(...) a pena de prisão na atualidade, para além do seu fracasso, constitui a síntese mais emblemática das punições torturantes desumanas, degradantes e cruéis (...)" (GOMES, Luiz Flávio. Penas e medidas alternativas à prisão. São Paulo: RT, 1999. p. 19-20).
(7)Para melhor compreensão: "Quando uma pessoa ou grupo de ingresso penetra e se funde com outro grupo, diz-se que ocorreu uma assimilação. O conceito tem mais adequação quanto a grupos de imigrantes e, talvez, não seja o melhor para designar o processo semelhante, que ocorre na prisão. De qualquer forma, devemos entender por assimilação o processo lento, gradual, mais ou menos inconsciente, pelo qual a pessoa adquire o bastante da cultura de uma unidade social, na qual foi colocado, a ponto de se tornar característico dela. Assim como se usa o termo americanização para descrever o maior ou menor grau de integração de um imigrante ao esquema de vida na América, o termo prisonização indica a adoção, em maior ou menor grau, do modo de pensar, dos costumes, dos hábitos, da cultura geral, da penitenciária. Prisonização é semelhante à assimilação, pois todo homem que é confinado ao cárcere sujeita-se à prisonização, em alguma extensão. O primeiro passo, e o mais obviamente integrativo, diz respeito a seu status: transforma-se, de um golpe, numa figura anônima de um grupo subordinado; traja as roupas dos membros deste grupo; é interrogado e admoestado/logo descobre que os custodiadores são todo-poderosos; aprende as classes, os títulos e os graus de autoridade dos vários funcionários; e, usando ou não usando a gíria da cadeia, ele vem a conhecer seu significado; embora possa manter-se solitário, termina por referir-se, ao menos em pensamento, aos guardas como os samangos, aos médicos como receitador de roda de jipe (aspirina) e a usar os apelidos locais para designar os indivíduos; acostuma-se a comer apressadamente e a obter alimento através dos truques usados pelos que lhe estão próximos. De várias outras maneiras, o preso novo desliza para dentro dos padrões existentes; aprende a jogar ou aprende novas maneiras de fazê-lo; adquire comportamento sexual anormal; desconfia de todos; olha com rancor os guardas e, até, os companheiros, etc. Em suma: vem a aceitar os dogmas da comunidade. Nem todos os homens sujeitam-se a todas essas transformações. No entanto, nenhum escapa a determinadas influências, que se poderiam chamar de fatores universais de prisonização, tais como: aceitação de um papel inferior; acumulação de fatos concernentes à organização da prisão; o desenvolvimento de novos hábitos, no comer, vestir, trabalhar, dormir; a adoção do linguajar local; o reconhecimento de que nada é devido ao meio ambiente, quanto à satisfação de necessidades; eventual desejo de arranjar uma 'boa ocupação' (ou, no jargão prisional carioca, uma 'faxina')" (THOMPSON, Augusto F. G. A questão penitenciária. Petrópolis: Vozes, 1976. p. 53).
(8)A esse respeito: "Posto que a solidão era absoluta, tornou-se conhecido como regime solitário ou solitary confinement. Seu rigor fez com que Enrico Ferri (1856-1929), o fundador da Sociologia Criminal, o considerasse, numa conferência sobre Lavoro e celle dei condannati, pronunciada em 1885, 'uma das aberrações do século XIX'. Os que jaziam como tanatoides, mortos em vida na tumba de suas celas, em cuja porta havia um número, eram exibidos aos visitantes, uma prática de atemorização que se mantém em muitas prisões e centros de internação de menores infratores de nosso tempo.
A comida era fornecida uma vez por dia, pela manhã. Vigorava a proibição de ver, ouvir ou falar com as demais pessoas, admissível tão somente a leitura da Bíblia e de outros textos religiosos que lhes permitisse, in foro conscientiae, arrepender-se de seus atos e reconciliar-se com a sociedade e com Deus.
Suas virtudes: garantia a ordem; impedia a interação nociva e a evasão; e empregava poucas pessoas. Seus inconvenientes: o sofrimento dos presos era excessivo; vulnerava sua saúde física e mental; e não os preparava para o reingresso ao meio social" (BARROS LEAL, César. Execução penal na América Latina à luz dos direitos humanos: viagem pelos caminhos da dor. Paraná: Juruá).
(9)RAMÍREZ, Sergio García. Crimen y prisión en el nuevo milenio. Prevenção criminal, segurança pública e administração da justiça. BARROS LEAL, César (coautor e org.). Fortaleza: Banco do Nordeste/Instituto Brasileiro de Direitos Humanos, 2006. p. 409-410. Conferência proferida no II Congresso Internacional de Prevenção Criminal, Segurança Pública e Administração da Justiça: uma visão do presente e do futuro à luz dos direitos humanos, realizado em Fortaleza no período de 24 a 27 de março de 2003, p. 119. Mais: "(...) o que se busca é limitar a prisão às situações de reconhecida necessidade, como meio de impedir a sua ação criminógena, cada vez mais forte. Os chamados substitutivos penais constituem alternativas mais ou menos eficazes na tentativa de desprisionalizar, além de outras medidas igualmente humanizadoras dessa forma arcaica de controle social, que é o Direito Penal (BITENCOURT, Cezar Roberto. Novas penas alternativas: análise político-criminal das alterações da Lei nº 9.714/98. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 4).

(10)BARROS LEAL, César. Justiça restaurativa: amanhecer de uma era. Sua aplicação em prisões e centros de internação de adolescentes infratores. Texto em construção, apresentado para fins de conclusão de pós-doutorado em direito, em 2012, na Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis, tendo como supervisor o Dr. Sérgio Urquhart de Cademartori, p. 31.
(http://www.editoramagister.com/doutrina_24881760_AS_TRANSFORMACOES_DA_PENA_EM_UM_MUNDO_EM_TRANSICAO_UMA_BREVE_REFLEXAO_SOB_A_PERSPECTIVA_DOS_DIREITOS_HUMANOS.aspx).

sábado, 28 de setembro de 2013

Revista Retrato do Brasil desnuda Juízo Medieval da AP 470...

23 DE SETEMBRO DE 2013 ÀS 20:36