A SEMANA > ENTREVISTA
| N° Edição: 2290 | 04.Out.13 - 20:55 | Atualizado em 06.Out.13 - 18:59
Antônio Delfim Netto
"O apocalipse não está na esquina"
O ex-ministro da Fazenda critica a onda de pessimismo e diz que desconfianças do setor privado em relação ao governo Dilma não se justificam
por Amauri SegallaOTIMISMO
Delfim em seu escritório: “Crise não existe”
O paulista Antônio Delfim Netto é uma voz dissonante do recorrente pessimismo demonstrado por alguns analistas de mercado e empresários a respeito dos rumos da economia brasileira. Aos 85 anos, esse professor emérito da Universidade de São Paulo e ex-artífice do milagre do crescimento durante a ditadura militar não acha que o País vai de mal a pior, como argumentam os críticos do governo Dilma Rousseff, e vê como injustificada a desconfiança do setor privado. “O apocalipse não está na esquina”, diz Delfim. Nesta entrevista, concedida às 8 horas da manhã (horário em que começa a dar expediente) em seu escritório na zona oeste de São Paulo, ele fala também sobre o fracasso dos programas de concessões, compara o estilo da presidenta com o de seu antecessor e elogia a decisão de Dilma de cancelar a visita oficial que faria aos Estados Unidos. E, claro, destilou o veneno de sempre. “Enquanto no PT o aparelhamento do Estado é com o companheiro de passeata, no PSDB é com o companheiro de tertúlias.”
"O Lula tem uma inteligência intuitiva. No fundo, ele foi
um grande acidente positivo na história brasileira”
“Ao cancelar a visita aos EUA, Dilma mandou um recado claro
a Obama: Ok, vocês são mais fortes, mas têm moral duvidosa"
ISTOÉ
-
Afinal, existe
ou não uma crise econômica no Brasil?
ANTÔNIO
DELFIM NETTO -
Crise não
existe. O que existe é um pessimismo muito superior àquele justificado pelos
fatos. Dizem que abandonaram-se os fundamentos indispensáveis para a boa
condução da economia. Não se abandonou nada. Vamos começar pelo acerto fiscal.
Você tem uma dívida bruta de 60% do PIB e um déficit fiscal de 2,5%. É uma
situação desconfortável, mas que não representa nenhuma tragédia. Se você olhar
bem, verá que o déficit fiscal vem sendo reduzido paulatinamente.
ISTOÉ
-
Muitos
especialistas dizem que há um risco inflacionário.
ANTÔNIO
DELFIM NETTO -
A inflação vem
se mantendo mais ou menos dentro de uma margem aceitável. Hoje, uma inflação de
6% não é baixa. Talvez haja cinco ou seis países importantes com inflação igual
a essa. Não é uma inflação fora de controle, mas ela cria dificuldades,
principalmente porque você tem alguns preços controlados e um dia vai precisar
absorver isso. A questão é que não há nenhum risco de a inflação explodir. Por
mais que muita gente diga o contrário, o fato é que o apocalipse não está na
esquina.
ISTOÉ
-
O sr. não acha
que há certa desconfiança do setor privado em relação ao governo?
ANTÔNIO
DELFIM NETTO -
Essa
desconfiança nasceu agora, mas não é justificada. Basta olhar o que a
presidenta Dilma fez. Por exemplo, a intervenção no setor elétrico. Baixar o
custo de energia é fundamental. A medida está certa. Em dois ou três anos, ela
vai resultar no aumento da eficiência das empresas. O problema é que se criou a
ideia de que o setor privado é muito egoísta, só pensa nele, e que o governo é
o único defensor das massas. As pessoas esquecem que, sem massas, o setor
privado não funciona.
ISTOÉ
-
O sr. mantém
contato com muitos empresários. Que visão eles têm do governo Dilma?
ANTÔNIO
DELFIM NETTO -
Muita gente do
setor privado enxerga no governo um bando de trotskistas enrustidos, que querem
destruir o capitalismo. Nada disso, claro, é verdade. Duvido que Dilma tenha
alguma restrição ao setor privado. Ela declarou recentemente, em Nova York, que
o governo precisa não só dos recursos, mas da gestão do setor privado, que é
mais ágil e eficiente. Alguém que declara isso numa reunião em Nova York para
potenciais investidores não pode ser entendida como uma pessoa que queira fazer
do Brasil uma Cuba. O que me parece é que o governo precisa acordar de novo o
espírito animal dos empresários.
ISTOÉ
-
O sr. está
dizendo que falta entusiasmo ao empresariado?
ANTÔNIO
DELFIM NETTO -
O homem é um
ser cíclico. Um dia estou com grande entusiasmo, noutro tenho preocupações e
fico deprimido. O mecanismo do entusiasmo e da depressão se transfere como um
vírus. Na economia é assim também, uma coisa contamina a outra. O trabalhador fica
com medo de perder o emprego. Ele procura ficar líquido e, assim, reduz o
consumo. O empresário, não tendo certeza que vai haver demanda, reduz a
produção e reforça o sentimento de que a coisa vai piorar. Ele fica líquido
também. O banqueiro acha que o outro banco está pior do que ele. Então os
bancos não emprestam mais entre si. Quando está todo mundo líquido, eles morrem
afogados na liquidez, que é a recessão. Mas isso não vai acontecer com o
Brasil.
ISTOÉ
-
Que comparações
o sr. faz entre Lula e Dilma?
ANTÔNIO
DELFIM NETTO -
A
presidenta é uma tecnocrata muita preparada. Sem dúvida, trata-se de uma
centralizadora, mas é sua forma de ser. Já o Lula tem uma inteligência
intuitiva, quase natural, e exerce grande liderança sobre as pessoas. Ele é
capaz de participar de uma reunião com dez sujeitos e depois fazer uma síntese,
aproveitar o que tinha de bom naquilo e colocar em prática. No fundo, o Lula
foi um grande acidente positivo na história brasileira.
ISTOÉ
-
Se o País
melhorou, por que os brasileiros falam mal do Brasil?
ANTÔNIO
DELFIM NETTO -
Porque é assim
mesmo. A crítica do mercado é simples de entender. Era muito fácil ganhar a
vida com taxa de juro real de 12%. Ganhar a vida com taxa real de 2% é mais
difícil. Por isso, a crítica do mercado financeiro é irrelevante, não faz
cócega. É uma coisa ridícula, por exemplo, os economistas fixarem as
prioridades do governo. Cada economista tem no máximo o seu próprio voto. Não
tem nem o da mulher, porque ela desconfia dele.
ISTOÉ
-
Por que os
leilões do pré-sal e das rodovais não deram os resultados esperados?
ANTÔNIO
DELFIM NETTO -
Não tem nada de
misterioso acontecendo. Se o governo quer estradas de certa qualidade, ele
precisa fazer leilões competentes, com editais transparentes. Leilão é coisa
para profissional e não para amador. O governo estabeleceu a qualidade
desejada? O mercado define a partir daí a taxa de retorno. O governo
estabeleceu a taxa de retorno? Nesse caso, é o mercado que define a qualidade
possível. Pelo caminho correto, você tem a menor tarifa para uma determinada
qualidade. Pelo caminho que o governo segue, você tem a menor tarifa com a pior
qualidade. Ou seja, não funciona.
ISTOÉ
-
O fracasso dos
leilões não pode ter impactos negativos na economia?
ANTÔNIO
DELFIM NETTO -
O sucesso dos
leilões é fundamental porque é a primeira injeção na veia para aumentar a
produtividade do sistema. Se eu melhoro a infraestrutura, o ganho de
produtividade é espantoso. Digamos que, para chegar ao porto de Paranaguá, uma
tonelada de soja gasta 500 quilos. Se eu melhorar a infraestrutura, uma
tonelada de soja vai chegar ao mesmo destino com 900 quilos. Esses 400 quilos
de diferença representam ganho líquido de produtividade para o sistema inteiro,
simplesmente porque a infraestrutura melhorou.
ISTOÉ
-
Parece simples
de fazer, mas não se faz. Por quê?
ANTÔNIO
DELFIM NETTO -
Porque o Brasil
é dominado por corporações que têm seus interesses. Por que estão se criando
tantos partidos? Simplesmente porque é um comércio, um negócio. Um partido é um
negócio que recebe um fundo partidário. Por que se criam sindicatos todos os
dias? Porque tem o fundo dos sindicatos.
ISTOÉ
-
Os interesses
próprios resultam também no aparelhamento do Estado.
ANTÔNIO
DELFIM NETTO -
O aparelhamento
do Estado existe há muito tempo. Não foi só o PT que aparelhou. O PSDB também.
A diferença é que o PSDB aparelhava com companheiros de tertúlias. No PT, o
aparelhamento é com o companheiro de passeata.
ISTOÉ
-
Um dia o Brasil
será um país desenvolvido?
ANTÔNIO
DELFIM NETTO -
Não tenho
dúvida. O Brasil melhorou dramaticamente nos últimos anos. A Constituição de
1988 mudou tudo para melhor. A Constituição quer uma sociedade em que haja a
maior igualdade de oportunidades. Significa que não importa se você foi
produzido numa suíte presidencial ou meio por acaso, num sábado à noite,
embaixo do Museu do Ipiranga e com os seus pais bêbados. Uma vez produzido,
você é senhor de direitos. Não importa. Hoje, não há nenhum país emergente com
instituições tão sólidas quanto o Brasil. A prova disso é o Supremo.
ISTOÉ
-
O Supremo
trabalhou corretamente no julgamento do Mensalão?
ANTÔNIO
DELFIM NETTO -
Quando eu vejo
as pessoas ficarem tristes porque o Supremo está tentando fazer justiça, acho
apavorante. O Supremo não existe para fazer vingança, mas para fazer justiça. O
que aconteceu agora reafirma a minha convicção de que caminhamos para o
fortalecimento das instituições.
ISTOÉ
-
A presidenta
Dilma acertou ao cancelar a viagem oficial para os EUA depois das denúncias de
espionagem?
ANTÔNIO
DELFIM NETTO -
Seria muito
desconfortável para a presidenta aceitar o convite de Obama. A espionagem
diminuiu a nossa soberania. Com o cancelamento da visita, o Brasil mandou um
recado claro: Ok, vocês são mais fortes, mas têm moral duvidosa. A força da
moral às vezes é maior do que a força das armas.
ISTOÉ
-
Quem faz falta
no Brasil de hoje em dia?
ANTÔNIO
DELFIM NETTO -
O José
Bonifácio (José Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da Independência),
que estava muito acima de sua geração. Em 1824 ele queria dar instrução
gratuita, acabar com a escravidão. Era um cientista, uma mente brilhante. Se o
José Bonifácio tivesse sido levado a sério, o Brasil seria os EUA.
ISTOÉ
-
O sr. era o
terror da esquerda brasileira e depois se aproximou do PT. Que convicções foram
deixadas para trás?
ANTÔNIO
DELFIM NETTO -
A pretensão de
saber. Antes, eu acreditava mais no meu conhecimento do que acredito hoje.
Atualmente, sou um sujeito muito mais relativista.
ISTOÉ
-
Qual é o seu
papel na construção do pensamento econômico brasileiro?
ANTÔNIO
DELFIM NETTO -
Nenhum. Fiz
aquilo que me cabia fazer, com o conhecimento e o poder que tinha. Fiz coisas
certas, fiz coisas equivocadas.
ISTOÉ
-
O sr. é um
homem realizado?
ANTÔNIO
DELFIM NETTO -
Muito. Quando
você tem sorte, nunca trabalha, porque faz o que gosta. Você vive. Eu tive uma
sorte louca.
(http://www.istoe.com.br/assuntos/entrevista/detalhe/327900_O+APOCALIPSE+NAO+ESTA+NA+ESQUINA+).
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