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segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

O juiz entre o ativismo judicial e a autocontenção (Néviton Guedes)


Colunas

23julho2012
CONSTITUIÇÃO E PODER

O juiz entre o ativismo judicial e a autocontenção

A vida do grande Oliver Wendell Holmes (Jr.)[1] foi sem dúvida uma vida de limitações. Nisso, segundo sua própria avaliação, estaria tanto a razão de sua extraordinária longevidade como o segredo de seu incrível sucesso como jurista. Holmes, como sabemos, viveu mais de 90 anos e, depois de uma célebre carreira na Harvard Law School e após servir três décadas na Suprema Corte, morreu como um dos mais festejados juristas norte-americanos[2].
Em março de 1931, por ocasião dos seus 90 anos, questionado por um jornalista sobre o segredo de uma vida tão longa e de uma fama tão duradoura, já então aclamado como um dos maiores juristas de todos os tempos, Holmes teria respondido com o que muitos consideram a divisa do homem prudente: “Jovem, o segredo do meu sucesso é que muito cedo eu descobri que eu não era Deus[3]!”.

Poderá, contudo, surpreender a muitos que o homem que entusiasmara o mundo com a ideia de que a vida do direito dependia muito mais da experiência dos juízes do que de uma lógica formal, voltando-se contra um legalismo que pretendia aprisionar o direito à letra fria da lei, tenha se caracterizado também por uma intransigente defesa de que a prática do Direito só poderia ser bem exercida com boa dose de autocontenção por parte dos juízes.
No caso Lochner vs. New York, uma das decisões mais controvertidas decisões da Suprema Corte, Holmes, dissentindo da maioria, acusou o Tribunal de ativismo judicial, exatamente, por interferir no poder do legislador de regular a economia, já que a maioria fundamentara sua decisão na ideia de liberdade de contratar, que não estava expressamente prevista na cláusula do due process contida na Décima Quarta Emenda, texto constitucional que serviu de base para a decisão.
Como se sabe, Lochner acabou se transformando em marco do ativismo judicial norte-americano, tendo o Tribunal declarado inválida uma lei de Nova York que limitava a 60 horas a jornada de trabalho que os padeiros poderiam cumprir semanalmente. Holmes chamou a atenção da Corte para o fato de que a Décima Quarta Emenda não impedia que o legislador impusesse determinadas limitações à atividade econômica e à liberdade de contratar, já que, segundo seu entendimento, “a Constituição não se destina a incorporar uma teoria econômica em especial, seja do paternalismo e da relação orgânica do cidadão com o Estado, seja de laissez faire”. Lochner também inaugurou uma das fases mais conservadoras da Justiça americana, demonstrando que o ativismo judicial não tem cor ideológica: presta-se a desígnios tanto da esquerda libertária como da direita mais empedernida.
Numa das mais conhecidas anedotas que surgiram em torno da lenda em que se transformara, conta-se que Holmes, comprovando seu apego à autocontenção judicial (judicial self-restraint), cansado da retórica de um jovem bacharel, que insistia em que a Corte desconsiderasse o que expressamente dispunha a lei e “fizesse justiça”, teria interrompido a oratória do inexperiente jurista para adverti-lo de que estava num tribunal onde se aplicava o direito, e não onde se “fazia justiça”: “Meu jovem, este é um tribunal de direito, não uma corte de justiça”[4]. De fato, Richard Posner confirma que o insuspeito Holmes, defensor da ideia de uma interpretação mais flexível da Constituição norte-americana, no que ele mesmo designou de “Constituição viva” (living Constitution), para que se pudesse atender às exigências da evolução histórica da sociedade, paradoxalmente, caracterizou-se por uma acentuada ênfase na autocontenção da atuação do Poder Judiciário (judicial restraint)[5].
Aliás, não era a primeira vez que o ativismo judicial confrontaria críticas nascidas entre alguns dos mais celebrados juristas. John Marshall, para muitos, aquele que inaugurou, em Marbury vs. Madison, o ativismo judicial norte-americano[6], ao firmar a possibilidade de controle de constitucionalidade das leis, como se sabe, não previsto expressamente no texto constitucional de seu país, expressava, já em 1824, em Osborn v. Bank of the United States, o seu mais intenso repúdio às consequências do ativismo judicial. Asseverou textualmente que “os tribunais são meros instrumentos da lei” e, na sua atividade, não podem ter vontade própria: “O Poder Judiciário nunca pode ser exercido com o propósito de dar efetividade à vontade do magistrado; (mas) sempre com a finalidade de realizar a vontade da legislatura, ou, em outras palavras, a vontade da lei”[7].
Obviamente, ninguém prega o retorno – hoje de todo impossível e já repugnante aos olhos de Oliver Holmes - a um legalismo formalista que reconhecia ao magistrado o papel absolutamente subalterno e despresível de simples “boca da lei” (la bouche de la loi). O problema surge, contudo, quando a pretexto de realização maior da Justiça e de desígnios e valores sociais mais elevados, confere-se ao magistrado, e mesmo dele se exige, o poder de substituir a vontade política e a expressão de justiça do legislador – concretizada na lei - pela expressão política e a vontade de justiça do próprio juiz.
Também é certo que a maior relevância política e protagonismo social que o Poder Judiciário vem adquirindo em todos os países democráticos não reflete mera opção dos atores envolvidos, revelando antes causas bem mais profundas. É o caso da expressiva transformação que se tem verificado no relacionamento entre a sociedade e o Estado, por exemplo. O rápido crescimento das políticas de bem-estar (welfare policies) nas sociedades contemporâneas leva necessariamente a uma ampliação do âmbito de atuação dos tribunais, conferindo-lhes tarefas tradicionalmente não compreendidas como adequadas à função jurisdicional[8].
Essa ampliação heterodoxa das funções dos magistrados, entretanto, além das restrições de ordem estritamente jurídico-constitucional, encontra (ou deveria encontrar) limites de ordem funcional, pois nenhum sistema pode sobreviver a uma tão intensa indeterminação (aleatoriedade) de suas tarefas e funções. A indistinção funcional das decisões judiciárias faz com que o direito tenha que pagar o alto preço de não cumprir a sua principal função social, que é a de estabilizar normativamente as expectativas humanas.
A diferenciação funcional do direito, destacando-o dos outros subsistemas sociais (exemplos: moral, economia e política), é uma das maiores conquistas modernas das democracias ocidentais, pois foi ela que permitiu aos cidadãos saber o que esperar do Estado e o que o Estado deles poderia exigir. No dizer de Niklas Luhmann, o direito tem a (relevantíssima) função de estabilizar normativamente as expectativas humanas e, numa sociedade cada vez mais complexa, caracterizada por um crescimento desorganizado (indeterminado) dessas expectativas, essa função só será adequadamente alcançada por meio de uma seleção (normativa) de tais expectativas[9].
Quando órgãos judiciários, contudo, passam a atender (expressa ou veladamente), com regularidade, expectativas sociais não selecionadas normativamente pelo direito, como são o caso de exigências essencialmente políticas, econômicas ou morais, estar-se-á esgarçando a diferenciação funcional do direito, que permitiu às democracias ocidentais uma de suas mais importantes conquistas: a previsibilidade na ação do Estado e da própria sociedade. A previsibilidade de suas decisões, além de virtude que legitima o afazer judiciário, é um de seus principais escopos. Se bem observarmos, toda a estrutura e a conformação do agir judiciário (vinculação substancial e formal do juiz à lei e à jurisprudência, a eficácia preclusiva da coisa julgada e o dever de fundamentação) voltam-se precipuamente à garantia de previsibilidade de suas decisões.


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A prevalência, nas decisões judiciais, de posições não selecionadas objetivamente pela Lei iludem o sistema jurídico, impedindo-o de estruturar consistentemente as expectativas humanas. A cidadania tem o direito de saber se o que vai ser veiculado numa decisão judicial é a concretização do conteúdo de um expresso de uma norma legal predisposta pelo legislador, ou a posição (política, ou moral) não revelada do magistrado e imposta ex post facto. O direito, ninguém nega, abriga e considera informações (inputs) de ordem moral, política e econômica, mas deve fazê-lo, o máximo possível, de forma seletiva e filtrada pelo próprio código do direito (lícito/ilícito, ou seja, a previsão legal, ou não, da conduta ao final imposta pelo órgão judicial).
Por outro lado, numa democracia, havendo espaço de discricionariedade conferida pela Constituição, são a vontade e a escolha do legislador que – legitimamente exercida – devem prevalecer. Ainda que outras possibilidade de decisão fossem reconhecidas[10]. O Professor Canotilho lembra, aliás, que as Constituições elegem o Poder Legislativo, não o Judiciário, como o concretizador privilegiado da Constituição. Suas decisões, portanto, não podem ser – sem mais – desconsideradas por órgãos do Poder Judiciário.
Muito bem! Não obstante a gravidade do diagnóstico, vários estudos acadêmicos em torno do chamado judicial role (papel, ou função, jurisdicional) vêm denunciando um crescimento no caráter político da atuação dos magistrados, impondo o reconhecimento de que, hoje mais do que nunca, os juízes, para o bem ou para o mal, transformam-se dia após dia em agentes de decisão política (policy-makers)[11].
Entretanto, diante da específica qualidade do afazer judiciário, caracterizado nas democracias ocidentais por uma independência institucional e legal no poder de proferir decisões, essa maior desenvoltura política dos órgãos jurisdicionais acaba por suscitar uma série de graves problemas à vida das democracias, entre os quais, certamente, se destaca a incapacidade do público para lidar com agentes públicos que passam a tomar decisões políticas sem que, entretanto, estejam submetidos a um regime de “political accountability” (responsabilização política). De fato, na clássica conformação do poder judiciário, a independência dos juízes na tomada de decisões funda-se em garantias institucionais e constitucionais que visam assegurar, precisamente, aos magistrados imparcialidade entre os litigantes, mas sob uma estrita vinculação, formal e substancial, à lei.
Os regimes democráticos tranquilizam-se, pois, com a ideia clássica de que os seus juízes, não obstante independentes, tomam decisões que estão fundadas em leis abstratas e gerais para todos, além de terem sido previamente editadas por um legislador legitimamente escolhido pelo cidadão. Essa clássica compreensão das funções judiciais, como se sabe, restou bem caracterizada na tradição francesa, com o ideal de que os juízes, em suas funções, apenas verbalizariam o que já previamente disposto em leis abstratas e gerais. Por isso mesmo não passariam de mera voz, ou boca da lei, pois, a repetir o que previamente disposto pelo legislador[12].
A possibilidade de os juízes tomarem decisões de caráter acentuadamente político, fundadas em alguma ideia vaga de justiça, isto é, decisões não predispostas em abstrato em normas jurídicas, não se mostra compatível, funcionalmente, com um sistema de governo (a democracia) que se baseia, essencialmente, na responsabilização e confirmação política periódicas daqueles cujo poder e ofício consiste precisamente em impor obrigações e direitos antes não previstos em lei – atividade reservada essencialmente ao ramo político do Estado. Ainda que não se possa negar que, em suas causas, o fenômeno da politização da função judiciária é de difícil diagnóstico, o fato é que são poucos os que, hoje, se mostram dispostos a seriamente negar a sua existência.
O direito sempre esteve submetido a decisões de caráter político, econômico ou moral. Contudo, essa influência de outros subsistemas sociais – como a política, a economia ou a moral - deveria ser imposta ao direito por decisões políticas tomadas e filtradas pelo legislador, em momento, portanto, anterior à decisão (jurídica) imposta pelo juiz ao caso concreto. Superada a fase de tomada de decisão propriamente política, o direito deveria, se o sistema revelasse consistência funcional, ter a capacidade de filtrar as informações externas do seu meio-ambiente, enclausurando-se por meio de seu código próprio (lícito/ilícito) mediante uma forma própria e institucionalizada de tomar decisões.
Portanto, a partir da existência da lei, as informações jurídicas, econômicas ou morais apenas deveriam ingressar no universo jurídico segundo suas próprias condições, isto é, segundo as condições e os limites impostos pelo próprio direito. Na existência de lei expressa, um juiz não poderia considerar um dado econômico, político ou moral, fora dos limites e dos pressupostos que são impostos pela seleção promovida pela próprio direito. Essa seleção é tanto substantiva como processual.
A processualização do direito e a abstração inerente à norma jurídica têm como função, precisamente, retirar dos órgãos jurisdicionais a perigosa tentação de responder a cada demanda judicial com uma decisão diferente e casuística e, ipso facto, irracional.
Já a procedimentalização do direito e a presença de pautas substantivas de decisão deveriam proteger o cidadão contra a possibilidade de obrigações essencialmente injustas, precisamente, porque e quando conformando imposições estatais ex post facto, isto é, normas e regras de condutas que não existiam à época em que as pessoas, à falta de proibição, legitimamente decidiram agir de outra maneira.
Thomas Reed Powell, afamado jurista norte-americano, professor de Harvard e Columbia, percebeu essa dificultosa mas inerente necessidade de o direito analisar os problemas humanos concretos de forma abstrata, ao afirmar que alguém só pode dizer que está pensando juridicamente quando, num determinado momento, consegue pensar em uma coisa (o direito), inextricavelmente ligado a outra (p. ex., à realidade política, moral, econômica etc) sem pensar nessa outra[13]. Em síntese, se quer tomar uma decisão jurídica, e não política, ou moral, o juiz não pode fugir a um momento de abstração jurídica em que o caso trazido à sua consideração será tratado de forma geral e abstrata, e não sob a tentação de uma decisão casuística, em que o seu juízo pessoal de compaixão/punição, ou o desejo incerto de salvação pessoal ou coletiva, por exemplo, tome o lugar de uma decisão jurídica predisposta pelo legislador.
Com o mesmo propósito de afirmar a necessidade de o Juiz não se submeter ao desejo profundamente humano de impor a sua justiça, a sua visão política e a sua moral pessoal em prejuízo da justiça, do juízo político e da moral objetivamente conformados na lei, Antonin Scalia, para muitos, a maior inteligência da atual composição da Suprema Corte norte-americana, não obstante seu conservadorismo, em palestra proferida na Chapman Law School, em Agosto de 2005, com graça e ironia, fazia a seguinte advertência aos magistrados:
se você pretende ser um juiz bom e confiável, você tem de resignar-se com o fato de que você nem sempre irá gostar das conclusões que você encontrará (na lei). Se você gostar o tempo todo (de suas conclusões), você provavelmente está fazendo algo errado[14].
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Para o nosso próprio infortúnio, temos que concordar com outro célebre conservador norte-americano, magistrado e antigo professor de Yale, Robert H. Bork, ao afirmar que contemporaneamente tanto o Poder Judiciário como as faculdades de direito vêm lutando e sofrendo com a tentação da política[15].
Professores, alunos e operadores de direito, em geral, têm sido tentados e, em alguns casos, sucumbiram à ideia de que nada mais tem importância do que os resultados, moral ou politicamente, desejáveis. Nessas circunstâncias, a esfera política invariavelmente tenta dominar e subverter uma resposta mais técnica e própria ao direito, capturando e usando os seus espaços para os próprios e específicos fins.
No direito, o momento da tentação da política, segundo R. Bork, é o momento da escolha, quando o operador do direito percebe que o seu ponto de vista de justiça, ou de moral, pessoalmente imperativo, não foi total ou suficientemente abrigado pela lei, ou em algum dispositivo da Constituição. Ele tem de escolher então entre sua versão de justiça e sua vinculação à norma de direito. Aqui, não é raro, o desejo de justiça, cuja natureza lhe parece tão óbvia, mostra-se muito mais concreto e convincente, enquanto o dispositivo da lei parece tão árido e abstrato, fazendo da abstinência à política um conselho insatisfatório[16].
Quando a posição da política ou da moral pessoal do julgador prevalece, deixando em segundo plano o direito legitimamente disposto pelo legislador, o que floresce, de regra, não é a justiça do caso concreto, mas injusta aleatoriedade e indeterminação na atuação do direito. Põe-se por terra a máxima proposição de justiça dos tempos modernos que é, precisamente, a convicção democrática de que qualquer e todo cidadão encontrará no magistrado a determinação de prestar a mesma resposta que, em situação semelhante, lhe teria prestado outro magistrado (equal under the Law). O magistrado, certamente bem intencionado, flerta com a justiça do caso concreto, mas acaba dormindo com a aleatoriedade de decisões impostas ex post facto, casuísticas, não generalizáveis e quase sempre não isonômicas. Como se vê, em tais situações, perde-se muito em segurança jurídica e não se sabe bem exatamente o que se ganha em justiça.


[1] Nascido Oliver Wendel Holmes Jr., depois da morte do seu pai, médico e intelectual brilhante, o filho passaria a ser conhecido como Oliver Wendell Holmes sem o “Jr”, que apenas continuaria a ser utilizado para distingui-lo do pai.
[2] Em The Essential Holmes, Richard Posner afirma que Holmes foi a mais ilustre figura na história do direito americano. Mais do que isso Posner avalia que, numa extensão não corretamente avaliada, Holmes seria uma grande figura na história cultural e intelectual dos Estados Unidos em geral (The Essential Holmes, Chicago e Londres: The University of Chicago Press, 1992, p. IX).
[3] No original: Young man, the secret of my success is that an early age I discovered that I was not God.
[4] No original: This is a court of law, young man, not a court of justice.
[5] The Essential Holmes, Chicago e Londres: The University of Chicago Press, 1992, p. XII.
[6] Ver Lawrence Goldstone. The Activist: John Marshall, Marbury v. Madison, and the mith fo judicial review. NY: Walker & Company, 2008.
[7] Osborn v. Bank of the United States, 22 U.S. (9 Wheaton) 738, 866 (1824).
[8]Carlo Guarnieri e Patrizia Pederzoli. The Power of Judges: a comparative study of courts and democracy. New York: Oxford University Press, 2002, p. 4.
[9] Luhmann, Niklas. Das Recht der Gesellschaft, Frankfurt/Main: Suhrkamp, 1993, 1995, p. 60 e ss. Essa é a versão original (alemã). Para quem possa interessar há também a versão em inglês: Luhmann, Niklas. Law as a social system. New York: Oxford University Press, 2004, ver especialmente p. 152.
[10] Ver o excepcional artigo de Paulo Gustavo Gonet Branco, Em busca de um conceito fugidio – Ativismo Judicial, in As Novas Faces do Ativismo Judicial. Salvador: Jus Podium, p. 387 e seguintes.
[11] Carlo Guarnieri e Patrizia Pederzoli. The Power of Judges: a comparative study of courts and democracy, p. 5.
[12] Carlo Guarnieri e Patrizia Pederzoli. The Power of Judges: a comparative study of courts and democracy, op. cit., p. 5.
[13] Ver Thurman W. Arnold, Criminal Attempts: The Rise and Fall of an Abstraction, 40 YALE L.J. 53, 58 (1930) (a citação de Thomas Reed Powell é a seguinte: “if you think you can think about something which is attached to something else without thinking without thinking about what it is attached to, then you have what is called a legal mind”). Também referido em elissa Murray, Strange Bedfellows: Criminal Law, Family Law, and the Legal Construction of Intimate Life. 94 Iowa Law Review [2009], 1253-1313.
[14] É a seguinte a citação literal: If you're going to be a good and faithful judge, you have to resign yourself to the fact that you're not always going to like the conclusions you reach. If you like them all the time, you're probably doing something wrong.
[15] Bork, Robert H. The Tempting of America. Versão Kindle, location 215-228.
[16] Bork, Robert. H. The Tempting of America, op cit, location 224.
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Néviton Guedes é desembargador federal do TRF da 1ª Região e Doutor em Direito pela Universidade de Coimbra.
Revista Consultor Jurídico, 23 de julho de 2012.
(http://www.conjur.com.br/2012-jul-23/constituicao-poder-juiz-entre-ativismo-judicial autocontencao). 

União Estável. Herança. Inconstitucionalidade do artigo 1790 do Cód. Civil. Aplicação das normas de partilha de bens do casamento...



31dezembro2012
DIVISÃO DE BENS

União estável deve ser equiparada a casamento

A união estável gera os mesmos direitos sucessórios que o casamento. Entender diferentemente é retrocesso e traduz ranço preconceituoso da sociedade, que deve ser superado com discussão. O entendimento é da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que votou pela inconstitucionalidade do artigo 1790 do Código Civil. Os desembargadores remeteram para o Órgão Especial o processo em que a companheira do falecido pediu os direitos sobre um imóvel.
Segundo a relatora do caso, desembargadora Claudia Telles, o citado artigo é vago em suas definições, determinando que o parceiro só fará parte da sucessão dos bens do cônjuge falecido “quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, excluindo, portanto, bens particulares”.
“Ocorre que o inciso III do dispositivo em questão não faz a mesma restrição contida no caput, referindo-se apenas ao termo “herança” para estabelecer que na concorrência com outros parentes sucessíveis que não os descendentes, a companheira terá direito a um terço da herança”, examinou Telles. Ela ressaltou que a norma contradiz os artigos 1844 e 1849, também do Código Civil, que garantem direitos sucessórios sobre todos os bens do companheiro.
“A despeito de se traduzir em solução mais justa, a interpretação dos incisos de forma independente do caput não encontra amparo técnico, eis que por regra basilar de hermenêutica jurídica os incisos devem ser lidos em consonância com seu caput”, afirmou. “Logo, inquestionável que a distinção feita pela legislação civil traduz ranço preconceituoso ainda conservado por parte da sociedade e que deve ser superado com a discussão aprofundada da questão, levando-se em conta as transformações sociais e culturais que envolvem a evolução do tema”, analisou. Segundo a desembargadora, “dúvida não há de que a desigualdade entre o companheiro e a pessoa casada e, em determinadas hipóteses, a inferioridade de direitos conferidos àquele, representa inaceitável violação ao princípio da vedação do retrocesso”.
Agravo de Instrumento 0019097-98.2011.8.19.0000
Felipe Vilasanchez é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 31 de dezembro de 2012.
(http://search.babylon.com/?q=Conjur&babsrc=NT_ss&s=web&rlz=0&as=0&ac=0%2C139). 

Presidenta sancionou reajuste de salário de ministros do STF



31dezembro2012
TETO DO FUNCIONALISMO

Dilma sanciona reajuste de salário de ministros do STF

A presidente Dilma Roussef sancionou sem vetos a lei que reajusta o subsídio dos ministros do Supremo Tribunal Federal. O texto foi publicado no Diário Oficial da União desta segunda-feira (31/12). O reajuste, no total de 15,76%, será escalonado em três anos. Em 1º de janeiro de 2013, o salário dos ministros do STF sobe de R$ 26.723,13 para R$ 28.059,29. Em janeiro de 2014, passará a ser de R$ 29.462,25 e, em janeiro de 2015, de R$ 30.935,36.
De acordo com o texto, a partir de 2016, o subsídio mensal dos ministros do STF será fixado por lei de iniciativa da corte, levando em conta a recuperação do seu poder aquisitivo
LEI Nº 12.771, DE 28 DE DEZEMBRO DE 2012

Dispõe sobre o subsídio de Ministro do Supremo Tribunal Federal, referido no inciso
XV do art. 48 da Constituição Federal, e dá outras providências.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º O subsídio mensal de Ministro do Supremo Tribunal Federal, referido no inciso XV do art. 48 da Constituição Federal, observado o disposto no art. 4º, será de:
I — R$ 28.059,29 (vinte e oito mil e cinquenta e nove reais e vinte e nove centavos) a partir de 1º de janeiro de 2013;
II — R$ 29.462,25 (vinte e nove mil, quatrocentos e sessenta e dois reais e vinte e cinco centavos) a partir de 1º de janeiro de 2014; e III - R$ 30.935,36 (trinta mil, novecentos e trinta e cinco reais e trinta e seis centavos) a partir de 1º
de janeiro de 2015.
Art. 2º A partir do exercício financeiro de 2016, o subsídio mensal de Ministro do Supremo Tribunal Federal será fixado por lei de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, sendo observados, obrigatoriamente, de acordo com a respectiva previsão orçamentária, os seguintes critérios:
I — a recuperação do seu poder aquisitivo;
II — a posição do subsídio mensal de membro do Supremo Tribunal Federal como teto remuneratório para a administração pública;
III — a comparação com os subsídios e as remunerações totais
dos integrantes das demais Carreiras de Estado e do funcionalismo
federal.
Art. 3º As despesas resultantes da aplicação desta Lei correrão à conta das dotações orçamentárias consignadas aos órgãos do Poder Judiciário da União.
Art. 4º O reajuste previsto no art. 1º desta Lei fica condicionado a sua expressa autorização em anexo próprio da lei orçamentária anual com a respectiva dotação prévia, nos termos do § 1º do art. 169 da Constituição Federal.
Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 28 de dezembro de 2012; 191º da Independência e 124º da República.

DILMA ROUSSEFF
Miriam Belchior

Revista Consultor Jurídico, 31 de dezembro de 2012.
(http://www.conjur.com.br/2012-dez-31/dilma-sanciona-vetos-lei-reajusta-salario-ministros-supremo). 

Breve história do neoliberalismo, de suas consequências e de seu futuro (J. Carlos de Assis)


Economia| 31/12/2012 | Copyleft 

Breve história do neoliberalismo, de suas consequências e de seu futuro


A crise revelou os limites materiais do neoliberalismo, à margem de ideologias. Não haverá superação da crise a não ser pela ampliação do espaço público em detrimento do individualismo ilimitado. Em economia, em matéria ambiental, e em geopolítica. Cedo ou tarde as forças políticas compreenderão isso. O futuro do neoliberalismo, portanto, é ser contido ao longo de um novo ciclo de democratização. O artigo é de J. Carlos de Assis.


Vem de Kant, no relato de Bobbio, a distinção entre as duas liberdades, conceituadas dessa forma desde os primórdios da Idade Moderna: a liberdade como ausência de limites, e a liberdade como faculdade de impor os próprios limites através de leis. A busca da primeira é facilmente reconhecível no Partido Republicano dos Estados Unidos, sendo que mais recentemente tomou a forma generalizada de neoliberalismo mundo afora; a da segunda, no Partido Democrata, que tomou forma melhor desenvolvida na social democracia europeia, hoje sob ameaça de estrangulamento pela política econômica imposta pela Alemanha.

É fácil perceber que a liberdade enquanto não limites está ligada sobretudo ao campo civil, enquanto a liberdade de se impor as leis a que se deve obedecer está vinculada ao campo político. Já não é tão fácil assim compreender essas duas liberdades como complementares, e não antitéticas. Uma jamais eliminará a outra enquanto houver liberdade em termos gerais. As liberdades civis e a liberdade política são conquistas imperecíveis da civilização. No mesmo movimento em que se criou a liberdade civil, criou-se a liberdade política. Uma depende da outra como subprodutos do mesmo tronco.

O elemento comum de origem das duas liberdades é o direito à propriedade privada. No campo civil, isso é óbvio, pois a propriedade privada é a pedra basilar do direito civil. Mas o fato é que isso é também verdade no campo político, embora bem menos reconhecido. A palavra democracia, que muitos associam a “poder do povo”, na verdade significava originalmente poder dos proprietários: demos, em grego antigo, significa uma medida agrária que era usada para definir as propriedades rurais das famílias que vieram, com Péricles, a comandar a política de Atenas. Só mais tarde demos veio a significar povo.

A Revolução Americana, por sua vez, ancorou-se na afirmação do direito de propriedade privada. Assim também as três primeiras convenções da Revolução Francesa. Justamente por isso são tratadas como revoluções burguesas. Para tentar conciliar direito civil e direito político, Marx distinguiu propriedade privada em geral de propriedade privada dos meios de produção. Com esse expediente conceitual, estava construído, no campo da ideologia materialista, o instrumento essencial para justificar a revolução e impor a democracia proletária como meio de ampliar o espaço público da liberdade e reduzir o espaço da liberdade individual. 

Os liberais reagiram ferozmente, como de se esperar, à ameaça comunista à liberdade civil e política. De certa forma foram ajudados pelos comunistas porque a suposta democracia política soviética converteu-se em ditadura de partido único. Paradoxalmente, em parte por medo do comunismo, permitiu-se no pós-guerra que emergisse na Europa um sistema misto que de alguma forma conciliava a liberdade civil com a liberdade política. É a socialdemocracia europeia, em especial a construída no norte do Continente. Nos Estados Unidos, o Partido Democrata, sobretudo nos governos Roosevelt (New Deal) e Johnson (Grande Sociedade), conseguiu também importantes avanços da liberdade na esfera pública.

Esse relativo equilíbrio foi rompido por Reagan e Thatcher no início dos anos 80, e depois por Bush. Dessa vez foi o princípio da liberdade ilimitada que avançou sobre a esfera pública. Firmou-se como uma agenda explícita republicana, ainda em ação, que tomou a forma de pregação, justificação ideológica e implementação do Estado mínimo, com redução de impostos principalmente sobre os ricos, e auto-regulação, reduzindo dessa forma o espaço do poder público para interferir na economia privada, mesmo quando se trata de monopólios e oligopólios, ou de transações financeiras globais. Foi um movimento amplamente vitorioso em termos mundiais, em especial após o colapso de União Soviética.

O sistema neoliberal como princípio de ordenamento das sociedades e das economias poderia ter tido longa duração não fosse a crise iniciada em 2008. É que as forças de esquerda, patrocinadoras tradicionais das liberdades que buscam a ampliação dos espaços públicos nas sociedades, foram em grande parte cooptadas pelo neoliberalismo em face do desafio da globalização financeira. A crise, contudo, revelou os limites materiais do neoliberalismo, à margem de ideologias. Não haverá superação da crise a não ser pela ampliação do espaço público em detrimento do individualismo ilimitado. Em economia, em matéria ambiental, e em geopolítica. Cedo ou tarde as forças políticas compreenderão isso. O futuro do neoliberalismo, portanto, é ser contido ao longo de um novo ciclo de democratização.

(*) Economista e professor de Economia Internacional da UEPB, autor, entre outros livros, de “A Razão de Deus”, pela Civilização Brasileira.

A necessidade de intimação do devedor para o cumprimento de sentença e a evolução do entendimento do STJ (Luciana Dias de Almeida Campos)


A necessidade de intimação do devedor para o cumprimento de sentença e a evolução do entendimento do STJ


Elaborado em 12/2012.
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A melhor alternativa é aguardar a intimação do advogado para que se comunique com seu representado. Assim, o devedor terá maiores condições de efetuar o pagamento dentro do prazo estipulado e alcançar o cumprimento da norma.

1. Considerações iniciais

A Lei nº 11.232/2005 introduziu ao Código de Processo Civil o capítulo X no título VIII do Livro I destinado a regulamentar o chamado “cumprimento de sentença”.
A partir do advento do referido diploma legal as execuções fundadas em título judicial e que tenham como objetivo o pagamento de determinada quantia em dinheiro deverão seguir o estabelecido no capítulo X do CPC.
Contudo, as regras constantes do art. 475-J poderão ser utilizadas em outras modalidades de obrigação, quando, por alguma razão, haja impossibilidade de satisfazer o credor utilizando-se das regras previstas originalmente para determinado tipo de execução.
É o que ocorre, por exemplo, quando por qualquer motivo, a obrigação de fazer, não fazer e entrega de coisa converte-se em perdas e danos, nesses casos o devedor será notificado que a partir daquele momento o credor passará a perseguir em seu patrimônio o equivalente monetário da obrigação originariamente estabelecida entre as partes, o que levará à aplicação das regras previstas no art. 475-J do CPC. Isso porque a obrigação passou a ser de pagar quantia.

Importa destacar, ainda, que o capítulo X do CPC não se ocupa apenas de disciplinar o cumprimento de sentenças, mas, ao contrário, seu regramento deve ser utilizado quando estivermos diante de execução de quaisquer títulos executivos judiciais previstos no art. 475-N do CPC, frise-se, desde que este direito envolva o pagamento de determinada soma em dinheiro.
Nesse diapasão, importa ressaltar que de acordo com o inciso I do art. 475 – N do CPC “são títulos executivos judiciais a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia”, a partir da leitura da norma conclui-se que a sentença declaratória admite execução, desde que contenha todos os elementos da relação jurídico obrigacional.

Mesmo antes do advento do pré-citadotexto de lei, o Superior Tribunal de Justiça já havia demonstrado em alguns julgados o sentido de prestar eficácia de título executivo às sentenças declaratórias, o atual Ministro do STF, Teori Albino Zavascki explica que o § único do art. 4º do CPC modificou o tradicional padrão de tutela declaratória meramente preventiva e entendeu que não havia razão para submeter esse tipo de sentença declaratória ao novo crivo do judiciário se o resultado da ação condenatória não poderia ser diferente do resultado da sentença declaratória, sob pena de ofensa à coisa julgada. Assim, julgar um processo de cognição sem possibilidade de conferir resultado diferente do já emanado em decisão anterior seria uma atividade meramente burocrática e não jurisdicional[1].
Portanto, conforme entendimento do autor Fredie Didier desde que a sentença declaratória traga a certeza não apenas da existência da obrigação, mas também da sua exigibilidade, deve-se emprestar a essa decisão eficácia executiva[2].
Entretanto, a multa prevista no art. 475 –J aplica-se apenas ao caso de sentença condenatória, não podendo ser exigida quando o caso for de não cumprimento de obrigação de pagar quantia prevista em outro tipo de título judicial. Isso ocorre porque não podemos ignorar o princípio que reza que as sanções devem ser interpretadas restritivamente.

Por fim, convém salientar que o designativo “cumprimento de sentença” não tem o condão de alterar a natureza da atividade prestada pelo órgão jurisdicional ao tomar as providências previstas no nóvel capítulo X do CPC. A atuação do Estado-juiz continua sendo a de execução de títulos executivos judiciais, ou seja, não criou-se uma inédita modalidade de tutela jurisdicional.
Feitas essas considerações iniciais, apenas com o intuito de situar o objeto do presente artigo dentro da disciplina jurídica a que faz parte, será apresentado no próximo tópico a celeuma surgida a respeito do “termo a quo” do prazo de 15 dias para o cumprimento da sentença. Sem dúvida, a regra da reforma que trouxe maior perplexidade entre os doutrinadores e que encontrou alteração de entendimento no Superior Tribunal de Justiça.
São discussões que ultrapassam o campo teórico e acadêmico e trazem importantes desdobramentos para a prática processual hodierna, o que torna o assunto atual e importante para o dia a dia dos profissionais do direito que lidam com a matéria.


Leia mais: http://jus.com.br/revista/texto/23350/a-necessidade-de-intimacao-do-devedor-para-o-cumprimento-de-sentenca-e-a-evolucao-do-entendimento-do-stj/2#ixzz2GeWWOkeh


Privatização. A privataria em curso (Boaventura de Sousa Santos)


Colunistas| 31/12/2012 | Copyleft 

DEBATE ABERTO

A privataria em curso


As privatizações não têm nada a ver com racionalidade econômica. São o resultado de opções ideológicas servidas por discursos que escondem suas verdadeiras motivações. No Brasil, o discurso foi o de transformar as privatizações numa “condição para entrar na modernidade”. Em Portugal, o discurso é o do interesse nacional, tutelado pela troika, em reduzir a dívida e ganhar competitividade.

O termo privataria foi cunhado por um grande jornalista brasileiro, Elio Gaspari, e popularizado por um dos mais brilhantes jornalistas investigativos do Brasil, Amaury Ribeiro Jr. O livro deste último “A Privataria Tucana” (São Paulo, Geração Editorial 2011), um best-seller, relata com grande solidez documental, o processo ruinoso das privatizações levado a cabo no Brasil durante a década de 1990. 


A investigação, que durou dez anos, não só denuncia a “selvageria neoliberal dos anos 90” que dizimou o patrimônio público brasileiro, deixando o país mais pobre e os ricos mais ricos, como também estabelece de forma convincente a conexão entre a onda privatizante e a abertura de contas sigilosas e de empresas de fachada nos paraísos fiscais das Caraíbas onde se lava o dinheiro sujo da corrupção, das comissões e propinas ilegais arrecadadas pelos intermediários e facilitadores dos negócios. 



Aconselho a leitura do livro aos portugueses que não se conformam com o discurso do “interesse nacional” para legitimar a dilapidação da riqueza nacional em curso, a todos os dirigentes políticos que se sentem perplexos perante a rapidez e a opacidade com que as privatizações ocorrem e aos magistrados do Ministério Publico e investigadores da PJ por suspeitar que vão ter muito trabalho pela frente se tiverem meios e coragem.



As privatizações não são necessariamente privataria. São-no quando os interesses nacionais são dolosamente prejudicados para permitir o enriquecimento ilícito daqueles que, em posições de mando ou de favorecimento político, comandam ou influenciam as negociações e as decisões em favor de interesses privados. As privatizações não têm nada a ver com racionalidade econômica. São o resultado de opções ideológicas servidas por discursos que escondem as suas verdadeiras motivações. No Brasil, o discurso foi o de transformar as privatizações numa “condição para o país entrar na modernidade”. Em Portugal, o discurso é o do interesse nacional, tutelado pela troika, em reduzir a dívida e ganhar competitividade. Em ambos os países, a motivação real é criar novas áreas de acumulação e lucro para o capital. No caso português isso passa pela destruição tanto do sector empresarial do estado como do estado social. 



No último caso sobretudo, trata-se de uma opção ideológica de quem usa a crise para impor medidas que nunca poderia legitimar por via eleitoral. Para termos uma ideia da carga ideológica por detrás das privatizações, supostamente necessárias para reduzir a dívida pública, basta ler o orçamento de 2013: a receita total das privatizações, de 2011 a 2013, será de 3,7 bilhões de euros, ou seja, menos de 2% da dívida pública… A privataria tende a ocorrer quando se trata de processos massivos de privatização. 



Joseph Stiglitz cunhou um neologismo ácido para definir a onda privatista que avassalou as economias do Terceiro Mundo nos anos 80 e 90, “briberization”, um termo cujo significado se aproxima do de privataria. No caso português, a tutela externa e a dívida que o governo tem interesse em não renegociar, favorece vendas em saldo e, com isso, oportunidades de compensação especial em ganhos ilícitos para os que as tornam possíveis. Como a corrupção não tem uma capacidade infinita de inovação, é de prever que muito do que se passou no Brasil se esteja a passar em Portugal. É preocupante que alguns nomes conhecidos da corrupção do Brasil, alguns já condenados, surjam nas notícias das privatizações em Portugal. 



A privataria ocorre por via da articulação entre dois mundos: o mundo das privatizações: conseguir condições particularmente favoráveis aos investidores; e o sub-mundo da corrupção: lavar o dinheiro das comissões ilegais recebidas. No que respeita ao primeiro mundo, alguns dos estratagemas da privataria incluem: criar na opinião pública imagens negativas sobre a gestão ou o valor das empresas estatais; fazer investimentos ou subir os preços dos serviços antes dos leilões; absorver dívidas para tornar as empresas mais atrativas ou permitir que as dívidas sejam contabilizadas sem criteriosa definição do seu montante e condições; definir parâmetros que beneficiem o candidato que se pretende privilegiar e que idealmente o transformem em candidato único; passar ilegalmente informação estratégica com o mesmo objetivo; confiar em serviços de consultoria, fazendo vista grossa a possíveis conflitos de interesses; permitir que os compradores, em vez de trazerem capital próprio, contraiam empréstimos no exterior que acabarão por fazer crescer a dívida externa; permitir que fundos públicos sejam usados para alienar património público em favor de interesses privados.



O sub-mundo da corrupção reside na lavagem do dinheiro. Trata-se da transferência do dinheiro das comissões para paraísos fiscais mediante a criação de empresas offshores (de fato, nada mais do que caixas postais) onde os verdadeiros titulares das contas desaparecem sob o nome dos seus procuradores. Aí o dinheiro pousa, repousa e, depois de lavado, é repatriado para investimentos pessoais ou financiamento de partidos.



(*) Publicado originalmente no Público/Portugal (24 de dezembro de 2012)


Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

(http://cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5918). 

O parecer jurídico e a atividade administrativa. Aspectos destacados acerca da natureza jurídica, espécies e responsabilidade do parecerista (Charliane Michels e José Sérgio da Silva Cristóvam)


O parecer jurídico e a atividade administrativa. Aspectos destacados acerca da natureza jurídica, espécies e responsabilidade do parecerista


Elaborado em 12/2012.
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Se os pareceristas jurídicos exercerem legitimamente a advocacia, observando os princípios da imparcialidade, igualdade e boa-fé, com opiniões jurídicas fundamentadas em bases doutrinárias e jurisprudenciais, não haverá motivo para responsabilizá-los.

Resumo: O estudo se propõe a analisar a responsabilidade do emissor de um ato opinativo, chamado parecer jurídico, emitido na maioria das vezes após consulta de agentes ou órgãos públicos, com a finalidade precípua de elucidar, informar, sugerir providências a serem estabelecidas e/ou condutas a serem praticadas pela Administração Pública, ou por quem a represente, quando da prática de um ato administrativo, podendo exteriorizar-se de várias formas, dependendo do grau de necessidade que a lei o irroga. O referido parecer jurídico, mero ato opinativo, pode, por vezes, responsabilizar o seu emissor juntamente com a autoridade administrativa competente para decidir, se os danos causados a Administração Pública decorrerem de dolo, culpa e/ou erro grave, não devendo caracterizar motivo para a responsabilização a simples divergência doutrinária e/ou jurisprudencial, pois, está-se diante de uma ciência não exata, o direito, em que discordâncias de opinião sobre teses jurídicas são comuns. 
Palavras-chave: parecer; responsabilidade; parecerista.

INTRODUÇÃO

O debate jurídico é marcado por constantes questionamentos, diversidade de interpretações, disparidade de posições doutrinárias e jurisprudenciais, o que é completamente comum, em virtude de estar-se diante de uma “ciência” não exata, o Direito. O presente ensaio pretende analisar parte desta problemática, a partir do debate acerca da responsabilidade dos consultores, advogados, assessores e procuradores, que quando no exercício de suas funções na Administração Pública emitem atos opinativos, pareceres, e por vezes, são arrolados, por agentes ou órgãos fiscalizadores, como responsáveis solidariamente com as autoridades investidas no poder de decisão.

Nesse sentido, almejando aclarar as possibilidades em que o “parecerista” pode ser responsabilizado, quando da emissão de determinado ato opinativo, buscar-se-á demonstrar neste trabalho, as formas pelas quais o parecer pode exteriorizar-se, dependendo do grau de necessidade ordenado pela lei.
Para tanto, primeiramente serão tecidas breves considerações conceituais sobre ato administrativo. Em seguida, adentrar-se-á na questão conceitual do parecer e das suas várias formas de materialização, de acordo com entendimentos doutrinários e jurisprudenciais.
Em arremate, tratar-se-á das hipóteses em que o parecerista pode ser responsabilizado quando da emissão de sua opinião técnico-jurídica, analisando-a sob a égide do caráter atribuído ao parecer – facultativo, técnico, obrigatório, normativo e vinculante.


Leia mais: http://jus.com.br/revista/texto/23349/o-parecer-juridico-e-a-atividade-administrativa#ixzz2GdSLgM9c